ANO 2023 N.º 3 Volume 32

ISSN 2182-9845

2023 N.º 3
EDITORIAL

Tiago Azevedo Ramalho

Do Direito Civil ao seu Processo: sentido de uma implicação

Entre as formas certamente mais esclarecedoras de olhar a relação entre o Direito Civil e o seu Processo está aquela que neste encontra, no Processo, um momento ainda interno à concretização do sentido da lei civil. Personae, res, actiones, tal a tripartição clássica do orbe civil: as pessoas e o seu estatuto; os diferentes modos de relações jurídicas; e, finalmente, as acções enquanto meios de tutela – e por estas últimas se entendendo, não apenas as concretas posições de índole simultaneamente material e processual respeitantes a cada relação jurídica, mas o conjunto do ordo iudiciorum, da ordenação do poder de julgar, desde a qual é facultada a respectiva concessão.

Direitos dos editores de imprensa na era digital: desafios e oportunidades jurídicos e políticos

Bzhar Abdullah Ahmed / Hemdad Faisal Ahmad

Editores de imprensa; Diretiva do Mercado Único Digital; direito dos editores; liberdade de informação; direitos conexos.
 

Esta pesquisa examina criticamente o novo direito conexo conhecido como direito dos editores de imprensa introduzido pela União Europeia. O direito dos editores de imprensa refere-se a um conceito legal que concede aos editores de artigos de notícias e outras publicações o direito de controlar o uso de seu conteúdo em plataformas digitais. O conceito também é conhecido como “direito de vizinhança” ou “imposto de trecho”. O artigo apresenta a noção do direito e a lógica por trás de sua introdução. As razões para a introdução deste direito são várias e o autor procede a uma abordagem qualitativa a uma investigação aprofundada que revela que a introdução deste direito se fez necessária devido a uma quebra significativa das receitas dos editores de imprensa.

Os contratos eletrónicos B2C

José Engrácia Antunes

Comércio eletrónico; contratos eletrónicos; contratação eletrónica; contratos de consumo; “Business-to-Consumer”; plataformas digitais.

Os contratos eletrónicos B2C (“business-to-consumer”) são uma das projeções jurídicas fundamentais do comércio eletrónico (“e-commerce”): a contratação eletrónica funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, e 365 dias por ano, representando em 2023 um volume de negócios global superior a 2 triliões de dólares em todo o mundo e de 700 biliões de euros na Europa. A sua importância também chegou a Portugal: no ano de 2022, 43% dos consumidores portugueses realizaram compras em linha e 18% das empresas portuguesas receberam encomendas em linha. Esta centralidade dos contratos eletrónicos B2C tem-nos tornado, crescentemente, num novo paradigma dos contratos de consumo. O presente estudo constitui uma primeira reflexão sobre o regime jurídico deste contrato consumerista, passando sucessivamente em revista as respetivas fontes, requisitos, negociação, formação, confirmação, forma e prova, e extinção, bem assim como outros aspetos (em particular, a contratação no âmbito de plataformas eletrónicas).

Breves considerações sobre o Regulamento (UE) 2020/1783 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2020, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de prova em matéria civil e comercial

Elisabete Assunção

Direito Internacional Privado Europeu; Regulamento (UE) 2020/1783; obtenção de provas em matéria civil ou comercial; sistema digital; videoconferência; plataforma e-Codex.

O presente artigo pretende analisar, ainda que de uma forma sucinta, o Regulamento (UE) n.º 2020/1783 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2020, relativo à cooperação entre os Tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de prova em matéria civil ou comercial, incidindo, particularmente, sobre as inovações que surgem nesse regulamento reformulado. Com o intuito de fornecer algumas bases de “interpretação” do referido Regulamento, nomeadamente das suas alterações, iremos abordar os seguintes tópicos, após uma pequena introdução: os antecedentes do mencionado Regulamento; as principais previsões do Regulamento, com especial incidência nas suas inovações; a plataforma e-Codex (e-Justice Communication via Online Data Exchange), fazendo, no final, algumas conclusões sobre as modificações introduzidas no referido instrumento.

Inteligência Artificial. Quadro jurídico e reflexões sobre a Proposta de Regulamento de Inteligência Artificial

Marta Boura

Década digital; inteligência artificial; Regulamento de Inteligência Artificial; quadro jurídico.

No dia 14 de junho de 2023, o Parlamento Europeu votou a favor de uma proposta de regulação do uso de inteligência artificial, que, embora correspondendo à proposta da Comissão Europeia de 21 de abril de 2021, contempla já importantes alterações face à versão original. Entre essas alterações, destacamos, por um lado, a revisão da definição de sistemas de inteligência artificial e, por outro, o alargamento da lista de práticas de inteligência artificial consideradas proibidas. Dir-se-á, por isso, aberto o caminho para a consolidação do quadro jurídico europeu nesta matéria. No contexto da construção de uma Europa resiliente para a Década Digital, a Comissão Europeia individualizou a inteligência artificial como uma oportunidade de excelência na transformação digital.

Revisitando o tema da conversão do contrato a termo no emprego público: o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 8.09.2022

Francisco Liberal Fernandes

Abuso de contratação sucessiva a termo; conversão do contrato de trabalho; Despacho do Tribunal de Justiça Câmara Municipal de Gondomar; Directiva 1999/70; artigo 63.º da LCTFP.

Apreciação da sentença de 8.09.2022 do Supremo Tribunal Administrativo, que determinou no âmbito do trabalho em funções públicas a conversão de um contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho de duração indeterminada.

O caso Amazon Market Place: os riscos de ser juiz e parte

Carmen Herrero Suárez

Autopreferência; plataforma; integração vertical; gatekeeper; Amazon.

Uma característica comum das plataformas digitais dominantes é que estão integradas numa pluralidade de linhas de negócios, incluindo os mercados que organizam ou conectam, operando uma plataforma e comercializando nela os seus próprios produtos e serviços. Esse duplo papel desempenhado pelas plataformas em vários mercados digitais, atuando simultaneamente como intermediários e fornecedores de bens e prestadores de serviços, levantou receios de que possa ser explorado pelas plataformas para consolidar ainda mais o seu domínio, restringir a concorrência e sufocar a inovação. Apesar da introdução de novos termos, como autopreferência, na verdade, estamos diante de um clássico conflito de interesses que pode ser tratado a partir de diferentes ramos do sistema jurídico.

Indisponibilidade dos créditos tributários e alternativas às teses da nulidade parcial e da ineficácia relativa do plano de recuperação

José Gonçalves Machado

Homologação judicial; plano de recuperação; nulidade parcial; ineficácia relativa.

O breve estudo aqui apresentado, procura responder à questão de saber se é legítimo aos tribunais lançarem mão das teses da nulidade parcial e da ineficácia relativa para, assim, homologarem um plano (acordo) de recuperação, negociado no contexto do PER, que viole a regra da indisponibilidade dos créditos tributários ou, mutatis mutandis, outros direitos de crédito que, por imperativo legal, se consideram indisponíveis ou irrenunciáveis. Procurando compreender a origem e a razão de ser do plano (acordo) de recuperação, e prestando alguma atenção a outras soluções de direito estrangeiro, propomos três alternativas às referidas teses: as duas primeiras, respeitando a regra da indisponibilidade dos créditos tributários, conferem às partes a possibilidade de declararem se aceitam o acordo (expurgado da parte viciada) ou se o pretendem modificar.

Deveres de Informação e proteção do consumidor

Jorge Gabriel Trindade Marinho

Deveres de informação; Consumidor; Proteção do Consumidor.

Na sociedade contemporânea, em que as pessoas surgem, diariamente, em múltiplas situações da vida, sob as vestes de consumidores, o legislador procurou garantir a sua proteção através dos deveres pré-contratuais de informação. Este pilar da informação tornou-se no guardião do consumidor, tendo em vista um reequilíbrio da sua posição contratual face aos fornecedores e reposicionamento do lugar que ocupam no mercado. O consumidor surge encurralado por gigantes: à sua volta, avolumam-se os produtos e serviços disponíveis, as ofertas e propostas, os meios de contratação, os fornecedores..., mas também os próprios deveres pré-contratuais de informação, que surgem dispostos em extensas listas. Por esta razão, este paradigma revela debilidades e insuficiências que levam a um crescente número de críticas e ao avanço de mecanismos que visam corrigi-lo ou até mesmo substituí-lo.

As redes sociais e a inteligência artificial na gestão do sistema fiscal em tempos de crise social

Luís Manuel Pica

Inteligência Artificial; Perfis de Risco; Dados Pessoais; Contribuintes; Estado Social.

A análise dos dados e das informações em rede desenvolvem um importantíssimo instrumento de catalogação de expedientes, categorias pessoais ou classificação de objetivos que desencadeiam um conjunto variado de benefícios nos mais variados ramos de aplicabilidade. Também no domínio da aplicação das normas fiscais esta técnica é bastante útil. Pode-se afirmar que numa sociedade desenvolvida e altamente globalizada a gestão do sistema fiscal não pode ser imune a este fenómeno. Isto porque, através da análise e do tratamento dos dados existentes nas bases de dados é possível maximizar os atos direcionados ao controlo e supervisão sobre a atuação dos privados nos atos de gestão fiscal. Através desta catalogação massiva é possível atuar de forma a mitigar fenómenos como a evasão e a fraude fiscais internacionais.

A obrigação de não concorrência no contrato de agência

José Maria Serrão

Agência; obrigação de não concorrência; objeto; compensação; equidade; cláusula penal; circunscrição territorial.

O Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, depois alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/93, de 13 de Abril, contém a regulação do contrato de agência no ordenamento jurídico português. Neste breve trabalho, exploraremos algumas questões que têm vindo a ser suscitadas pelos nossos tribunais, a saber: a (in)validade da obrigação de não concorrência que o agente assume finda a relação contratual com o principal, mas da qual não conste, no momento da assinatura, o montante compensatório devido ao agente; a licitude da fixação de uma cláusula penal em caso de incumprimento da obrigação de não concorrência; e a que critérios deve obedecer a circunscrição territorial que a lei exige como requisito de validade da obrigação de não concorrência, bem como os seus limites.

A prevenção do branqueamento de capitais é eficaz? Uma perspetiva das instituições bancárias

Cátia Tomé / Rita Faria

Branqueamento; prevenção; compliance; bancos; entrevistas.

O presente artigo descreve os principais resultados de um trabalho empírico que teve como objetivo principal ultrapassar algumas das lacunas existentes na literatura referente ao branqueamento de capitais, ao procurar compreender o regime de Anti Money Laundering nas instituições bancárias portuguesas, essencialmente no que toca aos procedimentos de prevenção de branqueamento de capitais e a sua eficácia percebida. De forma a cumprir este objetivo, realizou-se um estudo qualitativo, tendo sido conduzidas entrevistas a especialistas da área de compliance. Os resultados obtidos revelaram que medidas como a formação de funcionários, as diligências para conhecimento do cliente e o reporte de operações suspeitas são consideradas as de maior importância pelos entrevistados. Estas permitem a aquisição de conhecimento necessário e suficiente relativamente a AML e aos próprios clientes.