ANO 2022 N.º 2

ISSN 2182-9845

A indignidade sucessória do artigo 2034.º, alínea a), do Código Civil português – Pode ser dispensada a específica declaração judicial de indignidade sucessória do criminoso em relação a cada uma das heranças posteriormente abertas por óbito das pessoas aí mencionadas?

João Paulo Remédio Marques

Palavras-chave

Indignidade sucessória; declaração de indignidade; direitos de personalidade; inconstitucionalidade; caso julgado material; familiares do indigno.

Resumo

A conduta indigna dos herdeiros ou legatários em relação ao autor da sucessão pode assumir várias modalidades relevantes para o direito sucessório português. Uma delas é o homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 23.02.2021 gera, na nossa opinião, uma interpretação normativa materialmente inconstitucional da norma do art. 2034.º, alínea a), do Código Civil, ao ter decidido que “a declaração de indignidade [por homicídio doloso] em relação à sucessão do autor da sucessão estende-se à sucessão do seu cônjuge e familiares mais próximos, não sendo necessárias várias declarações de indignidade”. O presente estudo pretende demonstrar que essa declaração de indignidade sucessória efetuada no quadro da ação penal dirigida contra o indigno (no caso, o homicida doloso) tem eficácia relativa e não pode comunicar-se automaticamente às pessoas mencionadas nas alíneas a) e b) do art. 2034.º do Código Civil, sendo necessárias específicas e concretas declarações de indignidade relativamente às heranças dessas pessoas se e quando o indigno lhes sobreviver.

Sumário

1. O problema
2. Introdução. Indicação de sequência
3. Prolegómeno
4. O relevo da questão de constitucionalidade e o interesse processual para submeter a apreciação da questão ao Tribunal Constitucional
5. O critério normativo aplicado pelo STJ
6. O regime jurídico da indignidade sucessória no Código Civil português
6.1. Introdução
6.2. Efeitos da indignidade.
6.3. Necessidade de declaração judicial
6.4. Propriedade do meio processual/espécie de ação
6.5. O carácter relativo da indignidade sucessória
6.6. A formação de caso julgado material na ação destinada a fazer declarar e constituir a situação de indignidade e os seus efeitos
7. As dimensões e os parâmetros jurídico-constitucionais em crise enquanto consequência do resultado interpretativo alcançado pelo acórdão do STJ
7.1. A “incapacidade” ou ilegitimidade substantiva do indigno para aceitar ou repudiar e, logo, ser transmissário de bens hereditários e as consequências jurídico-constitucionais da dispensa de específica e concreta declaração de indignidade em relação às pessoas indicadas na alínea a) do art. 2034.º do Código Civil 
7.2. A violação do direito de propriedade privada 
7.3. A violação do direito de ação e da tutela jurisdicional efetiva
8. O caso julgado material e as consequências da declaração judicial de indignidade
8.1. A delimitação subjetiva do caso julgado material formado na ação de indignidade e a violação dos direitos de defesa do primitivo indigno
8.2. A delimitação objetiva do caso julgado material formado na ação de indignidade. 
8.3. A violação do direito geral de personalidade e a capacidade de agir do sucessível.
9. Conclusões.
Bibliografia
Jurisprudência