ANO 2024 N.º 1

ISSN 2182-9845

Responsabilidade por produtos defeituosos na era da IA — Proposta de uma solução de “duas vias”

Ann-Kristin Mayrhofer

Palavras-chave

Responsabilidade civil; responsabilidade por produtos; responsabilidade por defeitos; responsabilidade estrita; inteligência artificial; aprendizagem automática.

Resumo

Em 1985, o Conselho das Comunidades Europeias adoptou a Diretiva 85/374/CEE para harmonizar a responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos na Europa. Em 2024, esta diretiva será muito provavelmente substituída por uma nova diretiva relativa à responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos, concebida para refletir a evolução técnica dos últimos 40 anos. A nova diretiva contém algumas alterações significativas. No entanto, no que diz respeito ao conceito global de responsabilidade decorrente dos produtos, mantém-se fiel à antiga diretiva: os fabricantes continuam a não ser responsáveis por todos os danos causados pelos seus produtos, mas apenas pelos danos causados por um "defeito" do produto. Esta abordagem baseada no defeito é problemática. Quando se trata de novas tecnologias digitais, especialmente a Inteligência Artificial, é difícil para os tribunais avaliar o carácter defeituoso de um produto. Além disso, em muitos casos, a abordagem baseada em defeitos é insuficiente para fornecer soluções de responsabilidade que sejam simultaneamente eficientes e justas.
O presente texto procura lançar as bases para uma reforma mais abrangente: a atual responsabilidade pelos produtos defeituosos deve ser complementada por uma “segunda via” de responsabilidade pelos produtos. No caso de produtos particularmente perigosos, como os automóveis e os dispositivos médicos, os fabricantes devem indemnizar as vítimas independentemente de os seus produtos serem ou não defeituosos.
Esta "verdadeira" responsabilidade estrita poderia aliviar parcialmente os tribunais do ónus de avaliar o carácter defeituoso de um produto e conduziria a uma prevenção e distribuição justas e eficientes dos danos. Os custos dos danos seriam imputados aos fabricantes, que seriam os que evitariam os custos mais baratos. Além disso, as vantagens e desvantagens dos produtos perigosos seriam distribuídas de forma mais equitativa entre fabricantes, utilizadores, consumidores e "espectadores inocentes".
No entanto, para evitar o excesso de dissuasão e a asfixia das inovações, a responsabilidade objetiva deve ser limitada a produtos particularmente perigosos. Os legisladores deveriam introduzir uma cláusula geral de responsabilidade verdadeiramente estrita, que permitiria aos tribunais avaliar se um produto é ou não particularmente perigoso. Uma cláusula geral é preferível a uma lista de produtos particularmente perigosos, porque proporcionaria a flexibilidade necessária para lidar com tecnologias em rápido desenvolvimento.