ANO 2023 N.º 2

ISSN 2182-9845

Editorial

Maria Raquel Guimarães

Dez anos, “tudo, em todo o lugar, para todos”, Chat GPT e outras reflexões

Em Junho de 2013 surgia a primeira edição da RED. Escrevi, à época, que esta nova revista — aberta, “desmaterializada”, de livre acesso —, pretendia ser um espaço plural, multicultural, acolhendo contributos de dentro e fora do espaço europeu e promovendo o encontro de perspectivas distintas, expressas em diferentes línguas. 
Podemos dizer que estes objectivos foram alcançados, volvidas 31 edições e publicados cerca de 230 artigos submetidos a dupla revisão “cega” por pares, oriundos de geografias muito diversas, para além de recensões críticas e de editoriais inspirados, da autoria de distintos editores convidados. Trilharam-se novos caminhos nunca antes percorridos entre nós por revistas jurídicas — tradicionalmente publicadas em papel, sem acesso aberto e sem processos de peer review —, entretanto seguidos por outros. Ultrapassámos o teste da persistência (teimosia, diriam alguns) e hoje a RED é reconhecida como uma revista séria e inovadora, em que, como por acaso, as propostas de edição se conjugam em cada número numa composição apelativa e diversificada.
O caminho percorrido até agora de nada vale, porém, sem futuro. Em linguagem comercial, ninguém vive só de crédito, ainda que o reconhecimento passado, a história, sempre nos conforte e forneça as pedras para construir o futuro. Sem mais trabalho, mais empenho, mais autores, mais revisores e mais leitores qualquer boa revista se transforma num repositório sem vida. Procuraremos chegar mais longe, a mais público e mais diversificado, captar mais autores e ainda maior qualidade dos textos publicados. Queremos continuar a contar com a colaboração generosa e abnegada dos nossos revisores, que levam a cabo um trabalho que apenas se pressente nos artigos que integram cada edição e oculto em muitos textos que não chegam a ser publicados. Queremos poder contar com a energia e vontade de inovar de investigadores jovens e com o saber ponderado de académicos experientes. 
No momento em que escrevo estas linhas, na Universidade de Cabo Verde, gostaria que a RED pudesse dar a conhecer mais autores dos países africanos, sobretudo de expressão portuguesa. A oportunidade de dar aulas a alunos do recém-criado curso de licenciatura em Direito na Uni-CV, ainda no segundo ano lectivo, e de viver o entusiasmo e a curiosidade de quem está a construir uma escola, enche-nos sempre de esperança numa nova geração de juristas, numa nova percepção do mundo e também no surgimento de estudos inovadores, perspectivados a partir de diferentes geografias. 
Queremos chegar onde a internet consegue chegar. E a internet chega a toda a parte. Nestes últimos dez anos, o desenvolvimento tecnológico foi abismal, tal como o foi a vulgarização da tecnologia e a consequente proliferação de conteúdos, também científicos, online.
O acesso aberto de “tudo, em todo o lugar, para todos” facilita, porém, a duplicação/usurpação de textos académicos, exigindo hoje a utilização de software de verificação da originalidade dos conteúdos e até, nos últimos tempos, da sua elaboração por mão humana. Num momento em que ainda se especula sobre as virtualidades e os perigos aliados à inteligência artificial, surgem tecnologias como o Chat GPT, cujo potencial de interacção com a investigação científica se encontra por apurar.
Perguntado ao próprio Chat GPT quais os desafios e dificuldades que o seu funcionamento coloca no campo da investigação, obtive esta resposta:
O Chat GPT é uma ferramenta poderosa que utiliza a inteligência artificial para gerar texto e, portanto, pode ser usado para criar conteúdo semelhante ao humano. Essa capacidade pode apresentar uma série de desafios e questões, como:
1. Originalidade: O uso do Chat GPT pode levantar preocupações com a originalidade do conteúdo gerado. É importante garantir que o conteúdo gerado seja original e não tenha sido plagiado de outros trabalhos existentes. Além disso, a utilização do Chat GPT pode tornar mais difícil para os autores garantir que seu trabalho seja original e único.
2. Credibilidade: O Chat GPT é um modelo de linguagem treinado com base em grandes quantidades de texto existente. Portanto, o uso do Chat GPT pode levantar preocupações com a credibilidade do conteúdo gerado. É importante garantir que o conteúdo gerado seja preciso e confiável.
3. Ética: O uso do Chat GPT também pode levantar questões éticas. Por exemplo, pode ser usado para gerar trabalhos que não foram escritos por humanos, mas que aparecem como se tivessem sido escritos por humanos. Isso pode levantar questões sobre a autoria do trabalho e o papel dos autores humanos na criação do conteúdo gerado pelo Chat GPT.
4. Violação dos direitos autorais: A utilização do Chat GPT pode levantar preocupações sobre a violação dos direitos autorais. É importante garantir que o conteúdo gerado pelo Chat GPT não viole os direitos autorais existentes de outras obras.
5. Qualidade: Embora o Chat GPT possa gerar conteúdo, é importante garantir que a qualidade do conteúdo gerado seja adequada para sua finalidade. A qualidade do conteúdo gerado pode ser afetada por diversos fatores, como a qualidade dos dados de entrada utilizados para treinar o modelo e a complexidade do trabalho em questão.
Em resumo, a introdução do Chat GPT na pesquisa científica levanta desafios e questões importantes relacionados com a originalidade e ética na investigação científica. Para garantir que o uso do Chat GPT seja feito de maneira ética e responsável, é importante que os autores estejam cientes dessas questões e implementem medidas adequadas para lidar com elas.
Originalidade, credibilidade, ética, protecção dos direitos de autor e qualidade: estes são os valores que, sem qualquer dúvida, procuramos nas publicações científicas. São valores que nortearam a publicação da RED ao longo de dez anos e que queremos continuar a perseguir no futuro, em tempos de inteligência mais ou menos artificial.


[Maria Raquel Guimarães é Professora Associada da Faculdade de Direito da U.Porto e Directora da RED]