ANO 2018 N.º 3

ISSN 2182-9845

EDITORIAL

Laurinda Vitória Gemas

1. Volvidos cinco anos sobre a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 [na falta de indicação em contrário, todos os artigos referidos no presente texto pertencem a este Código], e do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05-03, muitas têm sido as reflexões críticas a seu respeito, vindas dos mais diversos quadrantes e nem sempre consensuais.

Recorde-se que o Código de Processo Civil já mereceu, nestes últimos anos, algumas alterações cirúrgicas introduzidas pelos seguintes diplomas: a Lei n.º 122/2015, de 01-09 [alterou o Código Civil e o Código de Processo Civil, designadamente, neste último, o artigo 989.º, no que respeita ao regime de alimentos em caso de filhos maiores ou emancipados], a Lei n.º 40-A/2016, de 22-12 [procedeu à primeira alteração à Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26-08, e à segunda alteração ao Código de Processo Civil, aqui apenas no que concerne ao artigo 502.º (Inquirição por meio tecnológico)], a Lei n.º 8/2017, de 03-03 [acrescentou a alínea g) no artigo 736.º, incluindo assim, os animais de companhia, no elenco dos bens absoluta ou totalmente impenhoráveis], o DL n.º 68/2017, de 16-06 [alterou o artigo 170.º, relativo ao dever de passagem de certidões], e a Lei n.º 114/2017, de 29-12 [Lei do Orçamento de Estado para 2018, que alterou o n.º 8 do artigo 738.º do CPC, sobre bens parcialmente penhoráveis].

A experiência resultante da aplicação prática daquele Código e do Regime Jurídico do Processo de Inventário já permitiu identificar, com alguma segurança, vários “pontos fracos” do sistema em vigor.

É, pois, de saudar o Despacho da Senhora Ministra da Justiça, datado de 24-05-2018, que determinou a constituição de um Grupo de Trabalho tendo por missão, além do mais, uma revisão, ainda que minimalista, do Código de Processo Civil.

2. De forma sintética, vejamos quais as alterações que estão na forja, não sem antes lembrar que, já com a referida Lei n.º 40-A/2016, que alterou o Código de Processo Civil, teria sido oportuno aprimorar a redação do artigo 502.º. Espera-se que agora não se perca essa oportunidade.

Com efeito, o artigo 502.º corresponde, no essencial, ao artigo 623.º do Código de 1961, limitando-se o legislador, em 2016, a substituir a expressão “teleconferência” por outras expressões mais modernas - “meio tecnológico” ou “meio de equipamento tecnológico” - e, na senda da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a substituir a referência a “testemunhas residentes fora da comarca” por outro, mais adequada - “testemunhas residentes fora do município”.

Porém, teria sido conveniente alterar a redação do preceito de forma a articulá-lo com o disposto no artigo 507.º, normativo que, não obstante a suposta correspondência com o artigo 628.º do anterior CPC, contém uma alteração importante, importada do artigo 11.º do Regime Processual Civil de Natureza Experimental (aprovado pelo DL n.º 108/2006, de 08-06): a regra segundo a qual “(A)s testemunhas são apresentadas pelas partes, salvo se a parte que as indicou requerer, com a apresentação do rol, a sua notificação para comparência ou inquirição por teleconferência”. Não é difícil perceber o que esta nova regra implica para as partes quando as testemunhas residam fora do município: devem apresentá-las, a menos que tenham requerido a sua notificação para inquirição por teleconferência.

Ora, o artigo 502.º, decalcado do anterior Código, continua a prever a regra inversa, isto é, que aquelas testemunhas são apresentadas pelas partes, nos termos do n.º 2 do artigo 507.º, quando estas assim o tenham declarado aquando do seu oferecimento, ou são ouvidas por meio de equipamento tecnológico que permita a comunicação a partir do tribunal ou do juízo da área da sua residência. Tal artigo deveria dispor que as testemunhas são apresentadas pelas partes, nos termos do n.º 2 do artigo 507.º, ou, quando estas assim o tenham declarado aquando do seu oferecimento, são ouvidas por meio de equipamento tecnológico.

A incoerência destes dois normativos propicia interpretações díspares, sendo de privilegiar uma interpretação sistemática, dando prevalência à regra do artigo 507.º, mas constitui uma escusada armadilha processual.

3. O Despacho da Senhora Ministra da Justiça começa por apresentar, em três Parágrafos (numerados de I a III), uma espécie de “considerandos”, que, embora distintos, confluem, inevitavelmente, em alterações do Código de Processo Civil.

No primeiro destes Parágrafos (I), identifica-se a necessidade de “alteração das regras de citação, através da consagração de um domicílio legal e da eliminação da citação edital sempre que se justifique, reforçando, em contrapartida, os mecanismos de impugnação das sentenças proferidas à revelia por desconhecimento não culposa da ação, e na adoção de medidas, substantivas e processuais, necessárias a assegurar uma decisão célere em matérias importantes e que careçam de resolução efetiva, e de mecanismos processuais que assegurem a unidade na aplicação do direito”.

No segundo Parágrafo (II), começa-se por afirmar que “(C)onsiderando o pouco tempo decorrido sobre a vigência do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, razões evidentes de estabilidade normativa e de preservação das aquisições jurisprudências e doutrinárias, desaconselham, vivamente, qualquer intervenção latitudinária na legislação processual civil. Porém, reconhece-se que existem “aspetos específicos dessa legislação que merecem reponderação, ordenada pelo propósito de assegurar a eficiência e agilidade do processo civil e de garantir a sua conformidade com os princípios estruturantes do contraditório e da igualdade das partes, e, em geral, com os princípios do processo equitativo”.

No terceiro Parágrafo (III), atinente ao processo de inventário, avança-se com a novidade do “estabelecimento de um princípio de competência concorrente, permitindo ao utente do serviço de justiça, em regra, a opção pelo recurso ao Tribunal ou ao cartório Notarial, conforme o juízo que faça, no caso concreto, sobre a qualidade, a eficiência e celeridade daquele serviço prestado pelo juiz ou pelo notário”.

4. De referir que o “considerando III” parece ser de enorme relevância na perspetiva do Ministério da Justiça, identificando a revisão do regime jurídico do processo de inventário na alínea a) das diversas alíneas do ponto 1) da parte decisória do referido Despacho, em que se enunciam os diferentes propósitos da missão cometida ao Grupo de Trabalho.

A novidade da solução em vista transformará o Cartório Notarial, nesta matéria, num meio alternativo de resolução de litígios, implicando evidentes alterações no Código de Processo Civil, com a recodificação do processo de inventário judicial.

5. As alíneas b) a d) do aludido ponto 1 parecem estar alinhadas com o primeiro “considerando” acima citado.

Assim, na alínea c), menciona-se o propósito de redefinir os requisitos de exequibilidade das atas das deliberações dos condóminos de edifício constituído em propriedade horizontal. Será esta, porventura, a matéria em vista no “considerando” quando aí se refere a “adoção de medidas, substantivas e processuais, necessárias a assegurar uma decisão célere em matérias importantes e que careçam de resolução efetiva”. Afigura-se positiva esta alteração, já que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25-10, relativo às “dívidas por encargos de condomínio”, tem suscitado dificuldades interpretativas que nem com o passar do tempo foi possível à jurisprudência resolver.

Nas demais alíneas, identifica-se: a consagração do domicílio legal, associado ao cartão de cidadão, para o efeito de citação de pessoas singulares – alínea b); - e a reformulação do regime de impugnação da decisão proferida no processo em que se verificou a revelia do réu – alínea d).

A consagração do domicílio legal para citação de pessoas singulares parece ser uma solução próxima da que foi consagrada, com resultados positivos, para a citação das pessoas coletivas (citação por via postal para a sede inscrita no ficheiro central do Registo Nacional de Pessoas Coletivas), sendo expectável que se traduza numa salutar redução dos casos de citação edital. É, no entanto, uma medida cuja consagração não poderá deixar de envolver uma cuidadosa articulação com o regime da revelia, tendo presentes os princípios da igualdade, do contraditório e da proibição da indefesa tal como vêm sendo densificados pela jurisprudência do Tribunal Constitucional.

6. De saudar vivamente é, sem dúvida, o propósito enunciado na alínea e), o de reintroduzir o articulado de réplica para resposta às exceções alegadas pelo réu na contestação.

Como é sabido, a eliminação dessa finalidade da réplica não constava da Proposta de Lei que está na génese do atual Código de Processo Civil. Foi uma alteração introduzida na Assembleia da República, acolhendo uma sugestão baseada num estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos segundo o qual uma das razões para a morosidade processual era o número e a extensão dos articulados. Sugeriu-se então a redução a apenas dois articulados obrigatórios.

Foi uma péssima alteração, que, na prática, magistrados e advogados acabaram por rejeitar, preferindo com frequência a introdução de terceiro articulado de resposta, da iniciativa do juiz. Ou até, quando a réplica é legalmente admissível, o seu aproveitamento para resposta às exceções. Tudo ao abrigo dos deveres de gestão processual e de adequação formal, designadamente nos casos em que a complexidade do processo o justifica ou em que se pretende obviar à realização de audiência prévia ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 592.º.

Mas, como é evidente, esta incerteza sobre a forma como o juiz irá decidir, em cada processo, a respeito da (in)admissibilidade de resposta escrita à matéria das exceções não é positiva.

A mera possibilidade de resposta na audiência prévia ou na audiência final (cf. artigo 3.º, n.º 4), com exercício do contraditório oralmente, não se compadece, além do mais, com objetivos de agilização processual.

Aliás, para obviar ao contraditório meramente oral, são frequentes as situações em que o autor, na petição inicial, se alonga para além do necessário, procurando antecipar a resposta às exceções que prevê possam vir a ser deduzidas.

A agravar esta situação, criou-se um novo problema: o de saber se o autor tem o ónus de se pronunciar sobre a matéria das exceções nos momentos definidos no artigo 3.º ou se tal pronúncia constitui uma mera faculdade. Tudo depende da interpretação que se fizer do artigo 587.º, que corresponde, com nova redação ao artigo 505.º do anterior Código.

Para alguns, justifica-se uma interpretação restritiva daquele artigo, considerando o enquadramento sistemático da norma: só a falta de impugnação, na réplica, dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574.º, considerando-se tais factos admitidos por acordo (salvo se estiverem antecipadamente impugnados ou ocorrer alguma das exceções previstas na lei).

Para outros, ao invés, há que interpretar de forma literal o preceito, recaindo sobre o autor o ónus de impugnar os factos em que se baseiam as exceções invocadas, sob pena de serem considerados provados (com as ressalvas legais), solução que decorre ainda do disposto na alínea c) do artigo 572.º e para a qual me inclino.

Reconhecendo, todavia, que se o juiz não optar por convidar o autor a pronunciar-se sobre essas exceções num terceiro articulado, poderá ser conveniente que alerte as partes, no início da audiência prévia/audiência final, sobre as possíveis implicações processuais. Aliás, se o juiz considerar que, nada dizendo o autor, a matéria da exceção resulta provada, poderá mesmo conhecer, imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.

Aguarda-se, pois, com expetativa a reintrodução da réplica como articulado de resposta às exceções invocadas pelo réu na contestação.

7. Espera-se também que, a par desta alteração, seja ponderada a recuperação do regime do Código de 1961 no tocante às modificações objetivas da instância, designadamente que a réplica possa, de novo, servir para alteração e ampliação da causa de pedir e do pedido nos termos anteriormente previstos no artigo 273.º daquele Código.

Efetivamente, há situações em que, para além do regime dos articulados supervenientes, se justifica admitir tais modificações objectivas. Basta pensar, por exemplo, numa ação de execução específica (artigo 830.º do Código Civil), em que, na contestação, o réu vem pugnar pela sua absolvição do pedido, alegando já ter vendido a terceiro o bem prometido; seria de admitir uma alteração do pedido por parte do autor, tendo em vista a resolução do contrato-promessa e a condenação do réu no pagamento do sinal em dobro.

No atual regime, não dispondo o autor desta faculdade, equacionará com maior frequência deduzir, na petição inicial, pedidos subsidiários ou alternativos, alegando os factos que integram as respetivas causas de pedir, com uma complexidade acrescida do articulado.

Alargada a função da réplica para resposta às exceções, será também de ponderar a possibilidade de servir para alteração do requerimento probatório, o que hoje não acontece (nem com o terceiro articulado por convite do juiz) – cf. artigo 572.º, al. d).

8. Um dos outros propósitos apontados na missão deste Grupo de Trabalho é o de “(R)edefinir o regime de alegação da exceção peremptória da compensação, designadamente nas espécies processuais que não admitam articulado de resposta do autor à contestação” - alínea f).

O Código de 2013, no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), veio prever a admissibilidade da reconvenção “(Q)uando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.

Face ao teor da norma, a doutrina e a jurisprudência vieram afirmar que, no atual Código, a compensação apenas pode ser invocada por via de reconvenção, ainda que o contracrédito do réu seja de valor igual ou inferior ao do crédito do autor. Admite-se que tenha sido esse o propósito do legislador, face às vantagens que já existiam (relacionadas com o caso julgado e a competência processual - cf. artigos 91.º e 93.º), agora reforçadas pelo facto de a réplica não poder servir para responder à matéria da exceção.

Mas nada no texto da lei civil [mormente nos artigos 847.º e seguintes do Código Civil, continuando a estar previsto que a compensação se torna efetiva mediante declaração de uma das partes à outra - cf. artigo 848.º, n.º 1, do CC] e da lei processual civil parece apontar de forma clara e inequívoca no sentido da obrigatoriedade da compensação ser deduzida por reconvenção (e não por exceção) quando o valor do contracrédito do réu não ultrapassar o do crédito do autor. Muito menos no sentido da existência de um verdadeiro ónus de reconvir quando o réu pretenda invocar a compensação, antes parecendo, na falta de norma clara em contrário, que a reconvenção é aqui facultativa (artigo 266.º, n.º 1).

Por outro lado, nos processos especiais que apenas contemplam dois articulados obrigatórios, mormente nas ações especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 € com a tramitação prevista no Decreto-Lei n.º DL n.º 269/98, de 01-09 (AECOP), tem prevalecido a tese da inadmissibilidade legal da reconvenção.

Com efeito, não obstante o artigo 549.º, n.º 1, disponha que os processos especiais se regulam “pelas disposições gerais e comuns”, em que se inclui, obviamente, o artigo 266.º, é certo que, primeiramente, manda aplicar a estes processos as “disposições que lhes são próprias”, destas não constando, contrariamente ao que sucede no processo comum (cf. artigos 583.º e 584.º), qualquer referência à reconvenção. E tal omissão não pode ser vista como luz verde para a aplicação subsidiária das disposições gerais e comuns e, muito menos, do que, neste particular, “se acha estabelecido para o processo comum”, sob pena de se desvirtuar a tramitação própria desses processos (AECOP), que é simplificada e tendencialmente célere, conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, mormente quando aí se refere que se avança “com medida legislativa que, baseada no modelo da acção sumaríssima, o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de acções, em que é frequente a não oposição do demandado.”

Ora, a necessidade de reconvir para invocar a compensação, limitaria o direito de defesa do réu, não faltando quem, numa interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa, defenda que, pelo menos nestes processos, a compensação pode ser deduzida por via de exceção.

Além disso, parece estranho obrigar à dedução de reconvenção na ação declarativa, mas permitir de seguida, na execução baseada na sentença aí proferida, a dedução de embargos de executado, com fundamento no contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, conforme expressamente previsto na alínea h) do artigo 729.º, novidade deste Código introduzida precisamente por não ser admissível a reconvenção em sede de oposição à execução.

Para agravar o cenário, já de si confuso, logo surgiu quem viesse defender a interpretação restritiva desta alínea h), em linha com o que está previsto na alínea g) e invocando o que se dispõe no n.º 1 do artigo 573.º: toda a defesa deve ser deduzida na contestação. Rebatem outras vozes, em que me incluo, que há exceções, conforme prevê o n.º 2 deste mesmo artigo, e que “onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir”: a compensação pode, pois, constituir fundamento de embargos de executado mesmo que o contracrédito seja anterior ao momento do encerramento da discussão na ação declarativa.

Assim, reintroduzida que esteja a réplica para resposta à matéria de exceção, não se vê obstáculo legal a que, “quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos” [na expressão da parte final do n.º 3 do artigo 530.º], a compensação possa ser deduzida por via de exceção ou por via reconvenção, opção que o réu poderá fazer, ciente das vantagens e desvantagens, em especial no tocante ao caso julgado (cf. artigo 91.º), tanto mais que o valor da causa e a taxa de justiça devida são iguais em ambas as hipóteses (cf. artigos 299.º, n.º 2, e 530.º, n.ºs 1 a 3).

Mostra-se, pois, conveniente uma clarificação do regime que ponha cobro a estas dúvidas e incongruências. Sendo opção do legislador que a compensação de créditos deve ser sempre, independentemente do valor do contracrédito do réu, invocada por via de reconvenção - o que tem evidentes vantagens, mormente a que emana do artigo 93.º, n.º 1, atinente à competência para as questões reconvencionais -, talvez não seja ajustado manter, pelo menos em termos tão latos, a compensação de créditos como fundamento de oposição à execução por embargos.

Caso se pretenda consagrar o ónus de reconvir, poderá ser introduzida, no artigo 729.º, uma norma idêntica à que consta do n.º 3 do artigo 860.º, prevendo-se que a oposição fundada em contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, não é admitida quando o executado não tenha oportunamente peticionado o reconhecimento desse crédito em reconvenção.

9. Outra incumbência do Grupo de Trabalho – descrita na alínea g) do ponto 1 da parte decisória do Despacho – consiste em “(R)eformular o regime da injunção e da respetiva oposição, de modo a assegurar o controlo oficioso de cláusulas contratuais abusivas e o efeito preclusivo de fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de execução fundada no título formado no procedimento de injunção, à luz dos constrangimentos decorrentes da jurisprudência constitucional”.

As alterações no regime da injunção [constante do Capítulo II do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09, aplicável não apenas nos casos previstos no artigo 1.º deste diploma legal, mas também às transações comerciais previstas no Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10-05 (cf. artigo 10.º deste último)], em articulação com o regime da ação executiva para pagamento de quantia certa, há muito que se impõem, sendo, pois, de saudar que, finalmente, se esteja a avançar nesse campo.

Mas trata-se de um campo minado pelos riscos de inconstitucionalidade, conforme no próprio Despacho é reconhecido, pelo que será indispensável caminhar com cautela, tendo presente a jurisprudência do Tribunal Constitucional, em que avulta o Acórdão n.º 264/2015, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição a execução instaurada com base em requerimentos de injunção a qual foi aposta a fórmula executória” – DR n.º 110/2015, de 08-06-2015.

Uma questão que se espera possa merecer resposta firme do legislador é a de saber o que sucede no caso de uso indevido do procedimento de injunção, isto é, quando o credor dele lança mão sem que estejam verificados os pressupostos legais. Por exemplo, quando o requerente pretende exigir o cumprimento de obrigação pecuniária não emergente de contrato (cf. artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09) ou nas situações que estão expressamente excluídas do âmbito de aplicação Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10-05 (diploma que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, prevendo, além do mais, o direito do credor a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida - cf. artigo 10.º deste Decreto-Lei).

A jurisprudência a este respeito não é pacífica. Se há quem entenda, com bons argumentos, que o uso indevido do procedimento de injunção consubstancia uma exceção dilatória inominada, conducente à absolvição do réu da instância, não falta também quem defenda que se está perante um erro na forma do processo (artigo 193.º), insanável para uns, mas perfeitamente sanável para outros, já que os autos são apresentados à distribuição e passam a seguir, consoante os casos, os termos da AECOP ou da ação declarativa com processo comum.

Parece importante um reforço da inadmissibilidade legal do uso da injunção fora das situações a que se destina, sob pena de abusos que podem, além do mais, afetar o regular funcionamento do Balcão Nacional de Injunções, que deverá estar atento a essas situações [cf. artigo 11.º, n.º 1, al. h), do Capítulo II do referido Decreto-Lei n.º 269/98].

Por outro lado, será oportuna a resposta à questão de saber, se verificados os pressupostos legais da AECOP, não é admissível o recurso à via da ação declarativa comum (configurando um erro na forma de processo) ou se, pelo contrário, o recurso à AECOP ou ao processo comum declarativo são, por assim dizer, “vias alternativas”, isto é, uma opção do credor [o que também sucede quando o credor, não obstante possa intentar uma ação executiva, opta por recorrer ao processo declarativo – cf. artigo 535.º, n.ºs 1 e 2, al. c)], como vem sendo tradicionalmente considerado [posição que assenta numa interpretação histórica, teleológica e sistemática do diploma que criou esse processo especial, considerando, além do mais, o que dispunha a alínea d) do artigo 449.º do CPC de 1961, introduzida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, e as possibilidades agora consentidas pelo artigo 597.º na tramitação das ações de valor não superior a metade da alçada da Relação].

Aguarda-se ainda para ver se será dado um passo maior no caminho da desjudicialização, com a imposição do recurso obrigatório ao procedimento de injunção, o que limitará o direito de ação (cf. artigo 2.º, n.º 2).

10. Em matéria de recursos, apontam-se no Despacho dois objetivos a cargo do Grupo de Trabalho, sendo o primeiro o de “(R)econfigurar os ónus do apelante, e do apelado, no caso de impugnação da matéria de facto, com supressão do prazo acrescido para essa impugnação” – alínea h).

Quanto à supressão do prazo acrescido para interposição de recurso e resposta quando tenha por objeto a reapreciação da prova gravada (n.º 7 do artigo 638.º), trata-se de opção do legislador que porventura suscitará algumas objeções (compreensíveis) da parte dos Senhores Advogados, mas que se mostra alinhada com outros normativos legais, como os n.ºs 3 e 4 do artigo 155.º (atinentes à gravação da audiência final), 569.º, n.º 1 (prazo de 30 dias para a contestação) e 607.º, n.º 1 (prazo de 30 dias para a sentença).

No mais, as alterações há muito que se impõem.

Com efeito, os Tribunais da Relação e o Supremo Tribunal de Justiça têm divergido a respeito da interpretação do artigo 640.º, fazendo o Supremo uma leitura menos exigente do ónus a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto. Assim, na 2.ª instância, encontram-se inúmeras decisões afirmando que se o recorrente não fizer constar das conclusões as menções inscritas no n.º 1 do artigo 640.º terá de rejeitar-se o recurso nessa parte, não se conhecendo do seu objeto. Já no Supremo Tribunal de Justiça, tem vindo a prevalecer o entendimento de que apenas a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, bastando que a especificação dos meios de prova ou a indicação das passagens das gravações figure no corpo das alegações.

Espera-se que este aspeto duvidoso venha a ser clarificado, num sentido ou no outro.

11. Ainda a respeito do regime dos recursos, refere-se na alínea i) do ponto 1 da parte decisória do Despacho, o propósito de “(R)edefinir a articulação entre os recursos de revista normal e excecional”.

O problema prende-se com a chamada “dupla conforme” consagrada no n.º 3 do artigo 671.º, restringindo a admissibilidade do recurso de revista normal. Este regime é claramente desajustado e inoperacional, desde logo tendo em atenção as indicações que o recorrente deve fazer na sua alegação para que a revista excecional possa ser admitida – cf. n.º 2 do artigo 672.º. - e a intervenção da Formação de três Juízes Conselheiros para apreciação da verificação dos pressupostos de admissibilidade da revista excecional, a qual pode determinar, quando considerar que estes não se verificam, que o processo seja apresentado ao relator para que proceda ao exame preliminar de admissibilidade do recurso de revista nos termos gerais.

O recorrente, mesmo quando entenda que deve ser admitida revista normal, está obrigado, “à cautela”, a fundamentar a revista excecional, o que pode ser tarefa inútil. Por outro lado, perante um tal requerimento de interposição de recurso, como deverá proceder o Juiz Desembargador, na Relação? Apreciar se a revista normal é ou não admissível? Ou, pura e simplesmente, determinar que os autos sejam remetidos ao Supremo, para que a Formação se pronuncie preliminarmente sobre a admissibilidade da revista excecional?

É manifesto que importa resolver esta indefinição. Porventura será vantajoso um regime a dois tempos, em que, após o trânsito em julgado da decisão de não admissão da revista normal, o recorrente possa ainda, num prazo curto, requerer a admissibilidade do recurso como revista excecional.

12. Finalmente, no Despacho, inclui-se na missão do Grupo de Trabalho um propósito mais vago, o de “(P)propor, no tocante ao processo declarativo, quaisquer outras modificações específicas, ordenadas para assegurar a eficiência e a agilização do procedimento ou para garantir a sua compatibilidade com os princípios do processo equitativo” – alínea j). O Grupo de Trabalho tem, pois, margem para outras alterações, com vista à agilização processual e a dar expressão prática aos princípios do processo equitativo.

Não sendo altura para avançar com modificações de fundo, talvez o processo legislativo possa também servir para (re)lançar o debate sobre alguns temas, preparando o terreno para futuras alterações. Admite-se que certos pontos críticos do Código possam não precisar de medidas legislativas, face às soluções casuísticas encontradas por via da gestão processual, cooperação e adequação formal (artigos 6.º, 7.º e 547.º), mas é já possível identificar algumas normas merecedoras de atenção pelas perplexidades ou dúvidas que suscitam.

Se não for ainda ocasião para repensar o instituto do caso julgado, será oportuno alterar, pelo menos, o artigo 91.º? Devendo o juiz, no dispositivo ou segmento decisório da sentença, formular um juízo de procedência ou improcedência da ação, da reconvenção ou da exceção perentória em causa, não deverá a decisão das exceções perentórias (“questões que o réu suscite como meio de defesa”) formar caso julgado material, sem que para isso seja preciso que alguma das partes requeira o julgamento com tal amplitude?

Menos duvidosa parece ser a conveniência da alteração do artigo 102.º, atinente à incompetência relativa, no sentido de passar a incluir a infração das regras de competência fundadas na forma do processo, isto porque a competência dos Juízos Centrais Cíveis prevista no artigo 117.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 62/2013, de 26-08 (LOSJ) não abrange os processos especiais.

Ainda a respeito da competência relativa, importa equacionar a alteração dos n.ºs 1 e 3 do artigo 310.º, em especial a revogação deste último, não se vislumbrando razão válida para o entorse às regras de competência. Sendo o valor da causa indevidamente “inflacionado” e resultando da sua fixação definitiva que o tribunal é incompetente, os autos deveriam ser sempre remetidos ao tribunal competente, não se vendo razão para, como agora acontece, limitar essa consequência aos casos em que uma parte impugnou o valor da causa atribuído pela outra, suscitando o incidente de verificação do valor da causa.

Se, atento o disposto no artigo 306.º, n.º 1, o juiz deve oficiosamente fixar o valor processual da causa, verificando a sua conformidade com a lei, sendo para o efeito irrelevante o acordo, expresso ou tácito, das partes a esse respeito (carecendo, pois, também de ajuste a primeira parte do artigo 308.º), não se percebe que não possa extrair todas as consequências dessa fixação, repondo a legalidade, tanto mais que a incompetência em razão do valor da causa é do conhecimento oficioso do tribunal (cf. artigo 104.º, n.º 2).

De ponderar ainda a alteração do n.º 3 do artigo 593.º, pondo fim à “audiência prévia potestativa”, convocada, a requerimento da parte, para reclamar dos despachos previstos nas alíneas b) a d) do n.º 1 deste artigo (mormente do despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova) e na qual poderá ser alterado o requerimento probatório (cf. artigo 598.º, n.º 1). Com efeito, parece preferível consagrar a faculdade da parte, no prazo de 10 dias, apresentar reclamação dos aludidos despachos e alterar o requerimento probatório, o que será decidido por despacho do juiz, após o necessário contraditório, sem necessidade de audiência prévia.

Razões de economia impõem que termine, não sem antes deixar duas notas finais a respeito do regime das declarações de parte – cf. artigo 466.º. Parece seguro afirmar que, já tendo sido admitidas antes da audiência final, deverão ter lugar no início da mesma, à semelhança do que está previsto para os depoimentos de parte, sem prejuízo de eventual alteração da ordem de produção de prova, quando tal se justifique (artigo 604.º, n.º 8). Porém, não falta quem defenda que se devem realizar apenas no fim da audiência final, antes das alegações orais. Será, pois, de clarificar o momento em que devem ter lugar – cf. artigo 604.º, n.º 3.

Ainda a respeito das declarações de parte, interrogo-me se não será preferível limitar o momento processual até ao qual pode ser requerida a sua prestação, como sucede com os restantes meios de prova. Tal permitirá a adequada programação dos atos a realizar na audiência final, afigurando-se suficiente a válvula de escape do artigo 411.º para o caso de, em momento ulterior, se mostrar necessário ouvir as partes.

Certa do interesse que a revisão em curso suscitará, faço votos para que a missão deste Grupo de Trabalho “chegue a bom porto”.

Laurinda Vitória Gemas é Juíza Desembargadora no Tribunal da Relação de Lisboa