ODR; Online dispute resolution; Regulation (EU) no 524/2013; Regulation (EU) no 2024/3228.
Entrou em vigor, no dia 19 de janeiro de 2025
[1], o Regulamento
(UE) 2024/3228 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 2024, que revoga o Regulamento (UE) n.º 524/2013, e altera os Regulamentos (UE) 2017/2394 e (UE) 2018/1724 no que diz respeito à descontinuação da plataforma europeia de resolução de litígios em linha. Nos termos do artigo 1.º do Regulamento (UE) 2024/3228, o
Regulamento (UE) n.º 524/2013 é revogado com efeitos a partir de 20 de julho de 2025, sendo descontinuada a plataforma europeia de resolução de litígios em linha (plataforma de RLL). A apresentação de queixas nesta plataforma deixa de ser possível a partir de 20 de março de 2025 (artigo 2.º, n.º 1 e 2). Prevê-se que a Comissão informará os utilizadores da plataforma com processos em curso da descontinuação da mesma até 20 de março de 2025, prestando assistência na recuperação dos dados relativos aos seus litígios e no acesso a tais dados
[2]. O mais tardar em 20 de julho de 2025 serão eliminadas todas as informações, incluindo os dados pessoais, relacionadas com os litígios na plataforma de RLL (artigo 2.º, n.º s 3 e 4)
[3].
O Regulamento (UE) n.º 524/2013 criou a plataforma de RLL. Esta plataforma oferece um ponto de entrada único aos consumidores e comerciantes que procurem uma resolução extrajudicial de litígios decorrentes de contratos de compra e venda ou de prestação de serviços em linha
[4]. Nos Considerandos deste Regulamento salienta-se a importância da dimensão digital do mercado interno tanto para os consumidores como para os comerciantes. Mais se nota que, os atores do comércio jurídico, deverão poder realizar transações em linha com toda a confiança, sendo essencial desmantelar as barreiras existentes e aumentar a confiança dos consumidores. Para tal, pode contribuir em grande medida a disponibilidade de um sistema de resolução de litígios em linha (Considerando 6). Com efeito, “a possibilidade de resolver litígios de forma simples e pouco onerosa pode estimular a confiança dos consumidores e dos comerciantes no Mercado Único digital. Todavia, os consumidores e os comerciantes continuam a ter dificuldade em encontrar soluções extrajudiciais, nomeadamente para os litígios resultantes de transações transfronteiriças em linha. Assim, atualmente, esses litígios ficam muitas vezes por resolver” (Considerando 7).
Dado a importância, reconhecida e sublinhada pelo legislador europeu, da existência de um sistema de resolução de litígios em linha, vemos com espanto ser descontinuada a plataforma de RLL, sem que se preveja a constituição de uma nova plataforma, ou se crie um grupo de trabalho para esse fim. Nos Considerandos do Regulamento (UE) 2024/3228 são apresentadas as razões para esta decisão. Começa por notar-se que, nos termos do Regulamento (UE) n.º 524/2013, os comerciantes em linha e os mercados em linha disponibilizem, seu sítio Web, uma ligação facilmente acessível à plataforma de RLL. Essa obrigação, juntamente com as campanhas de informação organizadas pela Comissão e pelas partes interessadas nacionais, atraiu atualmente entre dois e três milhões de visitantes na plataforma de RLL. No entanto, apenas uma minoria de visitantes utiliza a plataforma de RLL para apresentar uma reclamação e apenas 2% dessas reclamações recebem uma resposta positiva dos comerciantes para que o seu pedido possa ser transmitido a uma entidade de RAL inserida na lista da plataforma de RLL. No total, isto representa cerca de 200 litígios por ano em toda a União
[5].
Estamos em crer que uma plataforma de resolução de litígios em linha constitui um instrumento muito importante no âmbito do Mercado Único digital. Os custos associados aos mecanismos tradicionais de resolução de litígios, assim como as dificuldades inerentes ao facto de estarmos, o mais das vezes, perante litígios plurilocalizados, fazem com que muitos litígios relacionados com relações jurídicas em linha não sejam levados a tribunal, ou resolvidos com recursos a mecanismos tradicionais de resolução extrajudicial de litígios, por falta de incentivo económico para o efeito. Este aspeto é sublinhado, como vimos, nos Considerandos do Regulamento (UE) n.º 524/2013. Talvez o regime deste Regulamento precise de ser revisto, mas compreendemos mal que o mesmo seja pura e simplesmente extinto. Dado que o reduzido número de processos tramitados junto desta plataforma (são de facto, muitíssimo reduzidos) se prende, em grande parte, com a falta de resposta positiva dos comerciantes para que o pedido apresentado pelos consumidores seja transmitido a uma entidade de RAL, poderia o legislador pensar na criação de um modelo de RLL obrigatório – ou melhor, na criação de um direito potestativo dos consumidores de recorrer a mecanismos de RLL para a resolução de litígios relacionados com relações jurídicas em linha
[6].
[1] Este diploma foi publicado, no
Jornal Oficial da União Europeia (Série L), no dia 30.12.2024. Nos termos do artigo 5.º, ele entra em vigor no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação.
[2] Nos termos do Regulamento (UE) n.º 524/2013, os dados pessoais referentes a litígios são conservados na base de dados criada ao abrigo desse regulamento pelo tempo necessário para alcançar os fins para os quais foram recolhidos e para assegurar que os titulares dos dados possam aceder aos seus dados pessoais, a fim de exercerem os seus direitos. Em conformidade com o Regulamento (UE) n.º 524/2013, tais dados devem ser automaticamente eliminados, o mais tardar seis meses após a data de conclusão do litígio que tiver sido transmitido à plataforma de RLL.
[3] O artigo 3.º do Regulamento (UE) 2024/3228 determina a supressão do ponto 22 do anexo do Regulamento (UE) 2017/2394, e o artigo 4.º introduz uma alteração ao Regulamento (EU) 2018/1724, cujo ponto 7 do anexo III passa a ter a seguinte redação: “Lista de entidades de resolução alternativa de litígios de consumo elaborada pela Comissão nos termos do artigo 20.º, n.º 4, da Diretiva 2013/11/UE do Parlamento Europeu e do Conselho” (
JO C, C/2024/2482, 23.4.2024, ELI:
http://data.europa.eu/eli/C/2024/2482/oj.).
[4] Pode ver-se o artigo que pulicamos com a Dra. Ana Sofia de Carvalho: “Online Dispute Resolution for Consumer Disputes”,
La justicia digital en España y la Unión Europea: situación actual y perspectivas de futuro (Paloma Arrabal Platero/Pablo García Molina (coord.), 2019, Barcelona, Atelier, p. 383 ss.
[5] No Considerando 5 pode ler-se que “A Comissão publicou um convite à apreciação sobre a adaptação da resolução extrajudicial de litígios aos mercados digitais, que decorreu de 28 de setembro a 21 de dezembro de 2022. A Comissão concluiu que a plataforma de RLL tinha sido utilizada por apenas 5% dos consumidores que responderam a tal convite à apreciação e a maioria dos inquiridos considerava que a plataforma de RLL deveria ser substancialmente melhorada ou descontinuada, uma vez que não era eficaz em termos de custos. Os dados disponíveis indicam claramente que, atendendo a que a transferência anual para uma entidade de RAL não ultrapassa os duzentos litígios, a manutenção da plataforma de RLL não satisfaz os princípios de eficiência e eficácia previstos no Regulamento 2024/2509 do Parlamento Europeu e do Conselho” (Regulamento [UE, Euratom] 2024/2509 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2024, relativo às regras financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União [
JO L, 2024/2509, 26.9.2024, ELI: http://data.europa.eu/eli/reg/2024/2509/oj]).
[6] No direito interno existam casos destes ao nível da arbitragem, casos esses a que a lei indevidamente chama de arbitragem necessária. Na verdade, trata-se do direito potestativo a exigir a constituição de tribunal arbitral. Em tais casos, nem a arbitragem se funda num acordo negocial, nem é imposta, mas a certa pessoa é dada a possibilidade, caso o pretenda, de exigir a constituição de tribunal arbitral. Desde 2011 (pela Lei n.º 6/2011, 10.03) que a Lei dos Serviços Públicos Essenciais (Lei n.º 23/96, 26.07) prevê a “arbitragem necessária” para tais litígios, mas que em verdade se trata do direito potestativo a exigir a constituição de tribunal arbitral para o conhecimento de litígios atinentes a tais bens. Nesse caso, permite-se a propositura da ação nos centros de conflitos de consumo legalmente autorizados.