Prorrogation of jurisdiction; choice of court agreements; material scope of choice of court agreements; particular relationship; preliminary contracts; sales distribution contracts; international jurisdiction: Brusels I-A Regulation.
The formal and substantive validity of choice of court agreements, especially in the European Union, is subject to specific requirements. This study attempts to establish the material limits of these choice of court agreements and the particular legal relationship covered by them, mainly in situations where the choice of court agreement is part of a preliminary contract concluded in the run-up to the future conclusion of other contract(s) between the same parties, in particular commercial distribution contracts. Furthermore, if such choice of court agreements do not cover disputes arising from such future contractual relationship or are void for other reasons, we intend to assert direct international jurisdiction within the framework of the Brussels I-A Regulation.
1. Introdução. O problema
Imagine-se que duas empresas — uma com sede em Portugal e outra na Espanha —, subscreveram dois documentos (preliminares) que outorgaram com vista à eventual concretização de um
futuro contrato de concessão comercial; contrato, este, que veio, posteriormente, a ser celebrado e executado, sem que tivesse sido redigido a escrito, e a desenvolver-se sem qualquer outorga de outro documento.
Figure-se que o primeiro dos documentos respeita a um
contrato de transferência material ou física de produtos químicos da empresa espanhola para a portuguesa, a fim de esta neles efetuar testes e ensaios, no sentido de avaliar as possibilidades de, no futuro, efetuar a distribuição de tais produtos químicos em Portugal. O segundo dos documentos é um
acordo de confidencialidade, pelo qual a empresa portuguesa se obriga a manter secretas todas as informações técnicas comunicadas, bem como os resultados dos ensaios químicos / físicos e a não utilizar tais informações secretas para além do estrito fim para que foram comunicadas e não as divulgar a terceiros.
Estes documentos preliminares celebrados na fase das
negociações prévias dirigidas à celebração de um futuro contrato de concessão comercial contêm dois pactos de jurisdição, com o seguinte teor:
No referido acordo de transferência de produtos, as partes estipularam o seguinte, em língua espanhola:
“
Para la resolución de cualquier controvérsia que pueda derivarse del presente contrato o de sus anexos, ambas partes podrán llegar a un acuerdo respecto al sometimiento a un arbitrage privado o institucional o, en caso contrario, se submeterán a los tribunales de la ciudad de (…),
com renuncia expresa a cualquier outro fuero que pudiera corresponderles”.
No acordo de confidencialidade, por sua vez, as partes estatuíram o seguinte:
“Las partes, de común acuerdo, deciden submeter sus controvérsias a la competência de los Juzgados y Tribunales de …. (España) bajo la legislación español”.
Após estes preliminares e as subsequentes negociações e tratativas terem sido frutíferas, as partes celebraram um contrato de concessão comercial, provido de cláusula de exclusividade para o território português, o qual — repita-se — não foi reduzido a escrito, embora tivesse sido cumprido, por ambas as partes, durante vários anos até um determinado momento temporal.
Dado, porém, que a sociedade espanhola decidiu, unilateralmente e alguns anos depois, contratar outros distribuidores dos seus produtos em Portugal, a empresa portuguesa resolveu o contrato por incumprimento e pediu a reparação dos danos emergentes, lucros cessantes e a condenação da empresa espanhola numa indemnização por clientela, por esta, entretanto, angariada.
Como se antevê, a questão litigiosa que se coloca é precisamente a de saber se aqueles
pactos de jurisdição inseridos nos referidos acordos que pautaram o início das negociações, as
tratativas e os
preliminares de um contrato de execução continuada (ou, melhor, um contrato-quadro de concessão comercial), cuja realização veio, afinal, a ser concretizada, podem determinar o foro competente para a apreciação dos litígios resultantes do
posterior contrato de concessão comercial não reduzido a escrito e assim afastar a competência dos tribunais estaduais (
in casu, os tribunais judiciais portugueses).
Vale dizer: perquire-se se é possível extrair dessas declarações negociais primevas, destinadas a regular os
preliminares ou as
tratativas de um futuro negócio jurídico —
in casu, um contrato de concessão comercial / distribuição comercial —, que poderia vir a ser celebrado (como, aliás, aconteceu) e do
pacto privativo de jurisdição dos tribunais portugueses nelas constantes, a vinculação das partes e
a sua vontade inequívoca de os litígios emergentes do mencionado e posterior contrato de concessão comercial / distribuição comercial, que veio efetivamente a ser celebrado e executado até há algum tempo atrás, serem submetidos à
jurisdição dos tribunais espanhóis.
2. Excurso. Razões de ordem
Como decorre da simples leitura dos factos relatados, um elemento comum volitivo as duas sociedades então partilhavam e expressamente assumiram:
i) As partes encontravam-se num processo de negociação, cujo objetivo final era a distribuição comercial e angariação de clientes, em Portugal, dos produtos da empresa espanhola.
- A transferência de amostras de produtos químicos destinava-se à realização de testes e ensaios, a cargo da empresa portuguesa, tendo em mira avaliar o interesse das duas sociedades em alcançar um acordo de concessão / distribuição comercial entre elas;
- Durante as referidas negociações, tratativas ou preliminares, ambas as partes se obrigaram a permutar informações de carácter sensível e comercial.
No excurso seguinte irei debruçar-me sobre as várias dimensões juridicamente problematizantes convocadas pelo caso
sub iudice na temática dos
pactos de jurisdição ou
cláusulas de eleição de foro; em concreto, sobre os pactos (privativos) de jurisdição que constam dos dois documentos que referimos, os quais permitem, em abstrato, postular um conjunto de perguntas para as quais se exigem respostas adequadas e equilibradas, em particular:
- Os critérios de determinação e interpretação da vontade das partes no quadro da estipulação de pactos (privativos ou atributivos) de jurisdição.
- A problemática do alcance material deste tipo de pactos a complexos contratuais (de execução instantânea ou duradoura), ou seja, a contratos distintos uns dos outros, mas que se inserem em relações de coligação ou união de contratos; e, outrossim,
- O alcance material destes pactos celebrados no quadro de relações pré contratuais por ocasião de negociações preliminares ou tratativas destinadas a programar a celebração de um futuro contrato. Isto no sentido de saber se estas estipulações se comunicam ou vinculam os contraentes, se e quando estes vierem a celebrar o contrato de que aquelas negociações e os contratos adrede celebrados foram os preliminares. Se, ao cabo e ao resto, estes pactos devem ser tidos como incluídos nos contratos que, eventualmente, vierem a resultar daquelas negociais prévias.
- Na hipótese de o(s) pacto(s) de jurisdição assinados pelas partes não abranger(m) os litígios emergentes da execução do contrato de concessão comercial, determinar se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes apreciar e julgar os danos alegadamente decorrentes do incumprimento deste contrato por parte da empresa espanhola.
3. Os pactos de jurisdição e a lei processual que lhes é aplicável; o caso sub iudice
Seguidamente, analisaremos os
requisitos de admissibilidade dos pactos de jurisdição, à luz do direito da União Europeia.
Em termos de razões de ordem, isto é assim não só porque as partes estão domiciliadas em Estados-Membros da União Europeia, mas também porque se tentará relacionar estes
requisitos de admissibilidade e os
limites materiais da vinculação de tais pactos ao caso
sub iudice; caso que, como vimos, apresenta uma
fase pré contratual de negociações preliminares ou prévias, com comunicação de informações técnicas e produtos químicos,
seguida pela conclusão de um contrato (de distribuição / concessão comercial provido de uma cláusula de exclusividade), que, na perspetiva da empresa portuguesa, não foi cumprido pela parte contrária, tendo desse alegado incumprimento resultado danos que esta pretende reparar com a propositura de ação judicial.
3.1. Generalidades
A
competência do tribunal constitui um
pressuposto processual a aferir face à relação material controvertida (
causa de pedir) e ao
pedido formulado pelo autor, na petição inicial devidamente
interpretada pelo julgador. As normas de competência internacional direta
[1] são aquelas que atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em situações transnacionais ou transfronteiriças.
Estamos perante uma
situação jurídica transnacional, em que há elementos de estraneidade, mormente os domicílios e a nacionalidade das partes contratantes / litigantes. E, de igual sorte, uma situação jurídica plurilocalizada, com pontos de contacto relevantes com o ordenamento jurídico espanhol e português. Circunstância que suscita a convocação e ponderação das regras da competência internacional direta, em particular o regime da competência internacional da União Europeia.
3.2. A prevalência do direito da União Europeia no quadro dos pactos de jurisdição
O artigo 25.º, n.º 1, § 1.º, do Regulamento n.º 1215/2012 estatui sobre os pactos de jurisdição e estabelece o seguinte:
“
Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo”
[2].
Conforme resulta do preceito, o seu âmbito de aplicação restringe-se aos
pactos atributivos, ou seja, aos pactos que atribuem competência aos tribunais de um Estado membro. Coloca-se, assim, a questão de saber qual é o regime que aplicável aos
pactos privativos (ou derrogatórios) de jurisdição, ou seja, aos pactos que retiram competência aos tribunais de um Estado-Membro
[3][4].
Há que ter presente que, se o pacto retirar competência aos tribunais de um Estado-Membro e a atribuir aos tribunais de um outro Estado-Membro, o citado artigo 25.º Regulamento (UE) n.º 1215/2012 ainda é susceptível de ser aplicado, dado que, para além do efeito derrogatório do pacto, se trata de um pacto que atribui competência aos tribunais de um Estado-Membro (qual pacto derrogatório e atributivo
intraeuropeu). No caso
sub iudice, as partes não retiraram competência aos tribunais de um
Estado-Membro, tendo-a atribuído aos tribunais de um
Estado terceiro (qual pacto derrogatório
intraeuropeu e atributivo
extraeuropeu). Tal não sucedeu
[5].
Este regime prevalece face às regras internas (nomeadamente as portuguesas), atenta a regra do
primado do direito da União Europeia e da sua prevalência sobre o direito nacional
[6].As disposições do Regulamento (UE) n.º 1215/2012
[7] (Regulamento Bruxelas I-
bis), incluindo a disposição do artigo 25.º, têm, assim, prioridade sobre as normas do Código de Processo Civil, designadamente as do artigo 94.º do CPC
[8]. Vale isto por dizer que a validade do pacto de jurisdição — constante de uma cláusula contratual geral integrada num contrato —, há de ser ponderada unicamente nos termos em que o consente o que está descrito no artigo 25.º do Regulamento Bruxelas I-
bis, sendo inaplicável o regime jurídico interno das cláusulas contratuais gerais e estando os Estados-Membros proibidos de acrescentarem outros requisitos de validade a essa convenção.
Na situação em análise, tendo em conta a factualidade anteriormente descrita — sendo certo que, além do mais, é irrecusável que as partes estão domiciliadas em Estados-Membros da UE e o pacto de jurisdição atribuiu a competência aos tribunais de um (então) Estado-Membro (tribunais espanhóis) — e atendendo ao mencionado enquadramento, podemos considerar, por um lado, que as partes fizeram constar, embora com uma terminologia ligeiramente diferente, em dois dos contratos preliminares em causa, ou seja,
na fase pré contratual, uma cláusula de atribuição de foro, outorgando a competência aos tribunais espanhóis para conhecer de qualquer litígio emergente desses contratos preliminares.
Deve, desde já, dizer-se que a validade dos pactos atributivos de jurisdição concluídos ao abrigo do artigo 25.º deste Regulamento Bruxelas I-
bis é insensível a qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado a que o direito interno confira relevo
[9].
A aplicação do artigo 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 permite uma derrogação dos critérios gerais em matéria de competência, em homenagem ao
princípio da autonomia da vontade das partes. De tal sorte que, da derrogação dos critérios gerais em matéria de competência, decorre que as partes, independentemente do seu domicílio — e não se colocando qualquer vício ou imperfeição formal relativamente ao pacto atributivo de jurisdição — podem convencionar que um tribunal (ou tribunais) de um Estado-Membro da União Europeia tenha competência para decidir quaisquer litígios surgidos ou a surgir entre elas
de uma determinada relação jurídica, em termos tais que à luz deste Regulamento Bruxelas I-
bis não cabe aferir, como já notámos, da eventual aplicação do disposto em normas de direito nacional, português ou espanhol.
De entre os requisitos essenciais para que um pacto de jurisdição concluído ao abrigo do artigo 25.º do Regulamento Bruxelas I-
bis seja substantivamente válido está o de que impõe
seja designado, com suficiente determinação, duas coisas:
— a relação jurídica litigiosa (atual ou futura); e
— o tribunal em que as questões emergentes da relação jurídica designada hão de ser apreciadas e julgadas
[10].
É também sabido que, no comércio internacional, ao estipularem uma cláusula atributiva de jurisdição (
in casu, aos tribunais espanhóis
[11]), o que as partes procuram é precisamente atribuir a um determinado foro, desde logo por razões de
segurança jurídica, a competência para a resolução dos
litígios conexionados com o relacionamento contratual que entre si
jáestabeleceram
[12].
3.3. Os limites “internos” formais e substanciais aos pactos de jurisdição
Em regra, o Regulamento Bruxelas I-
bis exige, no seu artigo 25.º, como requisito central, o
acordo ou consentimento dos subscritores da cláusula atributiva de jurisdição. O
consentimento deve manifestar-se de forma
clara e precisa[13]. Quanto à
forma, o pacto pode ser celebrado:
- por escrito;
- verbalmente com confirmação escrita;
- segundo usos estabelecidos entre as partes;
- segundo usos do comércio internacional; ou, ainda, por meio
- de comunicação eletrónica que permita um registo duradouro.
No caso
sub iudice, não resta dúvida que as partes subscreveram dois documentos dos quais constam cláusulas atributivas da jurisdição aos tribunais espanhóis. Donde, também não há dúvida que houve a existência efetiva de consentimento expresso de forma clara e precisa relativamente a
essas relações pré contratuais.
Mas é evidente que há dúvida sobre o
alcance material — se foi, ou não, dirigido a outras realidades contratuais futuras e aos litígios que delas possam vir a resultar — desta forma precisa de manifestar o consentimento sob o rito legalmente admissível na realização destes dois pactos de jurisdição. E esta revela-se a dúvida fundamental.
Abrangem tais pactos apenas a
fase pré contratual das negociações, preliminares ou tratativas ou, também, atingem a
fase contratual, no caso o contrato de concessão comercial / distribuição que foi, posteriormente, celebrado e cumprido por ambas as partes até ao momento em que a empresa espanhola decidiu romper a cláusula de exclusividade?
É que
o contrato de concessão comercial / distribuição comercial não foi celebrado por escrito,
nem houve confirmação escrita deste,
comunicação eletrónica ou
usos estabelecidos entre as partes ou no comércio internacional que permitam fazer derivar deste último contrato de distribuição / concessão comercial a existência de pacto privativo de jurisdição que atribua competência exclusiva aos tribunais espanhóis para apreciar e julgar quaisquer litígios resultantes deste último contrato
[14]. Se os pactos de jurisdição que as partes firmaram nesses dois documentos não abrangerem os litígios futuros derivados de uma eventual e futura relação contratual duradoura que elas ainda não haviam anuído, então ocorre, desde logo, a ausência da observância deste requisito formal.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 25.º do Regulamento Bruxelas I-
bis, o acordo efetivo das partes não é,
por si só, suficiente para a celebração de um acordo válido de eleição do foro; pelo contrário, o cumprimento dos
requisitos formais nele enumerados é também um pré-requisito para a eficácia.
Devido às consequências de grande alcance do pacto atributivo de jurisdição – que se afasta das regras de competência geral e especial aplicáveis de outro modo –, as disposições relativas aos requisitos formais devem ser interpretadas de forma restritiva para proteção das próprias partes
[15].
Neste contexto, os
requisitos formais (e também, diga-se, os requisitos materiais) estão também sujeitos a uma
interpretação autónoma ao abrigo do direito da União Europeia
[16], a fim de assegurar a necessária aplicação uniforme das regras
[17]. Por esta razão, as disposições do artigo 25.º, n.º 1, devem ser entendidas como
taxativas, o que impede os Estados-Membros de prescreverem, adicionalmente, os seus próprios requisitos formais
[18].
3.4. A vinculação subjetiva do pacto de jurisdição
Em regra, apenas as partes se acham vinculadas por um pacto de jurisdição, pois a
natureza contratual do pacto, aliada às necessárias exigências de previsibilidade e certeza jurídicas, bem como a afirmação da competência do foro do domicílio do demandado na ausência de consenso noutro sentido, impõe que assim seja. O
acordo ou
consentimento é requisito central da regulação jurisdicional.
No caso
sub iudice não se coloca a questão de saber quem, ou quem mais, estará vinculado ao pacto de jurisdição contido nos referidos dois documentos pré contratuais subscritos pelas partes.
Vale dizer: não se coloca o problema da vinculação dos
adquirentes da posição contratual ou dos direitos ou obrigações que são objeto imediato ou conteúdo da relação jurídica assim pré contratualmente estabelecida; nem quanto aos que sucedem, total ou parcialmente, na situação ativa ou passiva em que se encontravam os originários contraentes.
Tão pouco se coloca a questão de cláusulas de
contratos de seguro atributivas de jurisdição produzirem efeitos em relação a terceiros beneficiários do seguro; ou de
trusts que vinculem os beneficiários no que diz respeito às relações internas do
trust; ou ainda,
cadeias de contratos ou
pactos societários (sócios atuais / sócios futuros / credores da sociedade / acordos parassociais)
[19].
3.5. Os limites objetivos da vinculação ao pacto de jurisdição à luz do artigo 25.º do Regulamento Bruxelas I-bis e o caso sub iudice; alguns critérios interpretativos
Decisivo no caso
sub iudice parece-nos ser, isso sim, a
determinação dos limites externos ou materiais dos pactos de jurisdição, no sentido de saber as condições que é indispensável reunir para a sua admissibilidade à luz do Regulamento Bruxelas I-
bis, lei processual aplicável no caso
sub iudice.
Lembremo-nos que o artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I-
bis exige que o pacto de jurisdição diga respeito a
quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada relação jurídica.
Esta suficiente determinação ou concreção da relação jurídica objeto do pacto serve os interesses da
certeza e
segurança jurídica[20]. Este ponto é decisivo na resposta adequada ao caso
sub iudice[21]. Vejamos.
Observe-se, desde logo, que a questão de saber se o litígio em causa se enquadra, ou não, no âmbito material de aplicação do pacto de jurisdição deve ser estabelecida através de uma tarefa interpretação,
scilicet, da
interpretação da declaração negocial. A interpretação de um pacto de jurisdição (tal como a de uma convenção de arbitragem) segue as regras da
lei material aplicável à própria cláusula de eleição do foro[22].
Tal como nas convenções de arbitragem
[23] — para além da interpretação da vontade das partes —, a
unidade económica, a
incindibilidade dos contratos, a
coerência e a
utilidade económica são critérios auxiliares na delimitação material ou objetiva dos pactos de jurisdição. De acordo com um acórdão da Câmara dos Lordes britânica
[24], de 17.10.2007, presume-se que os empresários, em particular, celebram acordos tais como convenções de arbitragem e pactos de jurisdição para alcançar algum propósito comercial racional. E que, ao interpretar uma cláusula compromissória, é necessário partir do pressuposto de que as partes, como
empresários racionais, provavelmente pretendiam que qualquer litígio decorrente da relação jurídica em que haviam estipulado fosse decidida pelo mesmo tribunal. Consequentemente, qualquer cláusula deverá ser interpretada de acordo com esta presunção judicial (presunção
hominis), a menos que a linguagem usada pelas partes deixe claro que certas questões litigiosas devem ser excluídas (§ 13 do acórdão) — isto é assim desde que, saliente-se, ao abrigo da lei material portuguesa, curando-se de um
negócio formal, essa vontade tenha um mínimo de correspondência no texto, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238.º, n.º 1, do Código Civil)
[25].
Além disso, à luz da interpretação segundo a
boa fé, o intérprete deve examinar o contexto em que a cláusula de eleição de foro foi redigida, tendo em conta as
consequências que as partes terão, de forma razoável e legítima, contemplado ou tido em conta. Por outro lado, tais pactos de jurisdição devem ser interpretados como
partes dos contratos em que foram inseridos e não de forma isolada ou atomística.
De resto, o sentido e alcance de uma cláusula de eleição de foro deve sujeitar-se a uma
determinação de efeito útil ou
favorávelao
efeito útil deste tipo de pactos, no sentido do
favor negotii contido, por exemplo, nos artigos 292.º e 293.º do Código Civil português.
Dito de outra maneira, face ao direito português aplicável à interpretação destes pactos: tal pacto de jurisdição deve valer com o sentido que um
declaratário normal, colocado na posição do real declaratário,
possa razoavelmente deduzir do comportamento do declarante, devendo a interpretação adotada ter — exatamente porque se trata de negócio formal — um
mínimo de correspondência no texto do documento que a corporiza.
De acordo com tais princípios, a intenção comum das partes é de extrema importância, mesmo quando não está refletida na redação da cláusula,
maxime, se se tratar de um
negócio formal, como a validade formal dos pactos de jurisdição o exige. Se, mesmo considerando a intenção das partes, o significado da cláusula permanecer ambíguo, a cláusula deverá ser interpretada de acordo com padrões geralmente aceitos entre nós.
Além disso, uma cláusula de eleição de foro inserida num contrato pode abranger litígios sob outro contrato, contanto que os acordos formem um
esquema contratual unificado e
incindível.
Não é isso que se verifica no caso
sub iudice: quando as partes subscreveram esse pacto de jurisdição estavam apenas a regular os litígios decorrentes da entrega dos produtos químicos, bem como as condições e limites da eventual utilização e divulgação das informações técnicas confidenciais comunicadas pela espanhola à empresa portuguesa.
Estes dois contratos devem assim ser considerados como criando
relações jurídicas diferentes para o efeito de vincularem as partes ao mesmo pacto de jurisdição relativamente a litígios futuros decorrentes de um eventual contrato de concessão comercial que viessem eventualmente a celebrar. Cremos que não se verifica a
clareza,
certeza e
previsibilidade desta vinculação em relação a litígios emergentes deste outro contrato
[26].
3.6. Pactos de jurisdição inseridos em contratos preliminares na fase preparatória da celebração de outro(s) contrato(s) e o caso sub iudice
Não faz qualquer sentido sustentar a aplicabilidade de cláusulas de eleição do foro, constantes de
contratos preparatórios aos litígios emergentes da possível,
embora eventual e contingente, celebração de um contrato de execução duradoura — como é o de concessão comercial / distribuição comercial —, precisamente aos litígios decorrentes deste último contrato
cuja celebração estava apenas a ser eventualmente cogitada e cujo conteúdo ou programa não fora, tão pouco, pré negociado nessa época.
Aliás, estes contratos de transferência de produtos químicos para fins de exame e de comunicação de informações técnicas
não preveem, tão pouco, qualquer tipo de programa contratual ou conteúdo concreto a inserir num futuro contrato de concessão comercial que pudesse vir a ser celebrado.
As partes, com esses dois documentos e os pactos de jurisdição neles inseridos, não celebraram qualquer
acordo-quadro que pudesse regular as suas futuras relações jurídicas, a médio ou logo prazo. Nada disso. O contrato de concessão comercial / distribuição comercial foi celebrado posteriormente. Os contratos que incluem a cláusula de eleição de foro e o contrato, posteriormente celebrado, ao abrigo do qual surgiu o litígio
não são interdependentes, incindíveis e não estão funcional e economicamente interligados.
Nem sequer se pode constatar uma
indivisibilidade jurídico-económica dos dois contratos na fase pré contratual relativamente ao contrato posteriormente celebrado de concessão comercial. Não existe qualquer risco de, à luz de uma interpretação objetivista (
impressão do declaratório: artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil), se alterar a vontade (objetiva) das partes ou a
coerência ou utilidade económica das estipulações que efetuaram, tendo em vista o propósito que então as animou: um
conhecimento recíproco mais profundo das duas empresas suscetível de gerar, nos seus administradores, a confiança necessária para a celebração de um
futuro contrato (quadro) de concessão comercial. O
fracionamento do contencioso não é, ou não foi, decerto, uma preocupação das partes.
Na verdade, seria altamente improvável que toda e qualquer decisão eventualmente proferida em
litígio pré contratual apreciado e julgado pelos tribunais espanhóis pudesse ser, total ou parcialmente, contraditória ou tornar-se incompatível com uma futura e eventual decisão respeitante a litígio decorrente da relação contratual, entretanto informalmente e posteriormente estipulada, decorrente da relação de concessão comercial (
v.g., incumprimento, cumprimento defeituoso, invalidade, relação de “liquidação” decorrente de denúncia ou resolução contratual, etc.).
Embora ligados — a uma fase de negociações preliminares, pré contratuais pode (e é normal) seguir-se a celebração do contrato visado por tais negociações
[27] —, a cláusula de eleição do foro respeita, porém, a
contratos preparatórios que não desfrutam de qualquer
ligação funcional ou
unidade económica relativamente a um contrato (
fase decisória) que ainda não havia sido celebrado,
nem se sabia se o iria ser. O que impede a extensão dessa cláusula de eleição de foro ao contrato de execução duradoura que resultou da
fase negociatória. Embora cronologicamente ligados, trata-se de relações jurídicas completamente distintas
[28], cuja natureza e regime jurídico é substancialmente diferente, ainda que tenham como partes as mesmas entidades.
Não é aceitável, mesmo no domínio dos atos e negócios jurídicos mercantis, que o consentimento prestado por ocasião e por causa da celebração de um determinado contrato se estendesse a todos os demais negócios que viessem a ser concluídos entre as mesmas partes. Isto mesmo que esse primevo contrato (ou contratos) exibisse(m) explicitamente a pretensão de
pré determinar todas as futuras relações jurídicas entre as partes. Tal resultado poderia consubstanciar um inelutável e censurável favorecimento da parte negocialmente mais forte e capaz de impor uma tal cláusula geral.
Last but not the least, no pacto de jurisdição inserido no acordo de transferência de produtos celebrado entre as partes estas estipularam uma cláusula de eleição de foro especialmente restritiva, segundo a qual “Para la resolución de cualquier controvérsia
que pueda derivarse del presente contrato …” – o sublinhado é nosso. As partes não declararam que o foro espanhol seria, igualmente, aplicável a todos e quaisquer litígios que resultassem de outros contratos que estas viessem a celebrar. O n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil tem aqui plena aplicabilidade interpretativa
no sentido de excluir inequivocamente a extensão desta cláusula de eleição de foro ao contrato de concessão comercial posteriormente concluído entre as mesmas partes.
Já quanto à outra cláusula de eleição de foro constante do contrato de confidencialidade, embora não tenha uma redação tão restritiva, ela não poderá, entre outros motivos (que melhor detalharemos
infra), ser aplicada aos litígios emergentes do cumprimento, cumprimento defeituoso, incumprimento, validade ou relação de “liquidação” emergente da denúncia ou resolução do posterior contrato de concessão comercial. Isto porque o seu objeto é bem delimitado, material e temporalmente: a
tutela dos segredos comerciais ou industriais da empresa espanhola na decorrência da comunicação de informações técnicas durante todo o tempo em que não forem acessíveis ao público, o que poderá evidentemente perdurar para além da extinção do contrato de concessão comercial durante muitos anos.
Cabe, assim, ao tribunal onde a ação foi proposta a tarefa de interpretar a cláusula atributiva de jurisdição para o efeito de determinar que litígios estão cobertos pelo seu (suficiente) âmbito
ratione materiae.
E o resultado interpretativo somente poderá ser este: um dos pactos em causa apenas vincula as partes relativamente aos litígios surgidos na
fase negociatória; e o outro circunscreve-se somente aos
litígios muito específicos em razão da matéria, quais sejam os decorrentes da violação de obrigações de manter segredos comerciais / industriais durante todo o tempo em que não sejam acessíveis ao público ou aos meios interessados.
3.7. A determinação clara e precisa da concreta relação jurídica objeto do pacto de jurisdição e o caso sub iudice
A determinação dos litígios que as partes pretendem atribuir ao foro entre elas acordado é, na verdade, deixada à interpretação do acordo de eleição do foro pelo tribunal nacional. No entanto, o âmbito de um acordo de eleição do foro já está limitado pelo artigo 25.º, n.º 1,
aos litígios que têm a sua origem na relação jurídica por ocasião da qual o acordo foi celebrado.
Segundo jurisprudência constante do TJUE, o conceito de cláusula atributiva de jurisdição deve ser interpretado como um
conceito autónomo do direito da União e dar ao
princípio da autonomia da vontade, no qual se fundamenta o artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1215/2012, a sua plena aplicação
[29].
Assim, uma parte
não pode ser surpreendida pelo facto de a competência de um determinado tribunal ser atribuída a todos os litígios que possam surgir da relação com a sua parte contratante. O acórdão do TJUE, de 21.05.2015, proc. C-352/13 (
Cartel Damage Claims (CDC) Hydrogen Peroxide SA c. Akzo Nobel NV e outras), é lapidar, pois no§ 68 do acórdão, afirma-se o seguinte:
“Uma cláusula atributiva de jurisdição só pode dizer respeito a litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma
determinada relação jurídica, o que limita o alcance de um pacto atributivo de jurisdição
apenas aos litígios que têm a sua origem na relação de direito na altura em que esse pacto foi celebrado. Esta exigência tem por objetivo evitar que uma parte seja surpreendida pela atribuição, a um foro determinado, dos litígios que surjam nas relações havidas com a outra parte contratante e que encontrariam a sua origem
noutras relações para além das surgidas na altura em que a atribuição de jurisdição foi acordada” (os itálicos são nossos).
Aliás, a versão em língua inglesa do artigo 25.º, n.º 1, deste Regulamento Bruxelas I-
bis só admite a referência clara e específica ao objeto do litígio subtraído à jurisdição dos tribunais estaduais, pois usa a seguinte expressão: “
particular legal relationship”.
É legítimo que as partes pretendam
concentrar e
consolidar todos os litígios decorrentes da celebração e execução de um contrato num único tribunal e evitar múltiplos litígios em foros diferentes. Mas isto só significa, no máximo, que elas o pretendem fazer relativamente a
relações contratuais específicas e não a
quaisquer relações contratuais que venham, eventualmente e no futuro, a desenvolver[30], ainda quando possam ter a sua origem remota num primeiro acordo (pré contratual).
Esta densificação e determinabilidade da concreta relação jurídica objeto do pacto de jurisdição tem, afinal, por objetivo
evitar que uma parte seja surpreendida pela atribuição, a um determinado foro, dos litígios que possam surgir nas relações havidas com a outra parte contratante e que se alicerçariam ou justificariam noutras relações para além das surgidas na época em que o pacto de jurisdição foi estipulado[31]. Um dos objetivos da proibição da prorrogação de foro, e que se traduz numa insuficiente determinação da relação jurídica objeto do pacto de jurisdição, consiste precisamente na circunstância de a parte posteriormente demandada
não dever ser surpreendida com um foro que não cogitaria competente na época em que celebrou esse pacto
[32].
Visa-se com esta limitação dirigida à
concreção e
determinabilidade da cláusula de eleição do foro impedir que uma parte se comprometa de uma
maneira global e
indeterminada para os litígios que ela possa vir a ter com a outra parte, independentemente da fonte ou da natureza desses litígios
[33]. De tal forma que importa assegurar que estas cláusulas de eleição de foro se alicercem numa cuidada ponderação pelas partes das vantagens e dos inconvenientes que delas em concreto possam advir. De tal forma que “a necessidade de individualização daquela relação constitui uma garantia da parte mais fraca, principalmente quando o pacto se refere a litígios futuros e eventuais”
[34]. Faz-se assim necessário que, respeitando o pacto de jurisdição, que não a
litígios futuros emergentes de relações jurídicas coetâneas ou contemporâneas à da data em que foi estipulado, mas, pelo contrário, a
litígios futuros emergentes de relações jurídicas futuras, essa relação jurídica futura tenha a sua natureza perfeitamente identificável no momento em que o pacto de jurisdição for celebrado
[35]. Esta exigência, como já se está a perceber, não se verifica nos casos
sub iudice.
Se uma de escolha de foro não determina suficientemente a relação jurídica que é o seu objeto — no caso
sub iudice, a extensão dos pactos de jurisdição celebrados por ocasião dos dois negócios preliminares, negociações ou tratativas que poderão conduzir à eventual celebração de um outro contrato —, então
essa cláusula não produz os efeitos de prorrogação de competência a que tenderia, independentemente de quaisquer vicissitudes respeitantes a esse
outro(s) negócio(s) futuro(s) que as partes tinham em mente quando iniciaram essas negociações.
O
Court of Appeal de Inglaterra e País de Gales, num acórdão de 18.03.2015, no caso
Deutsche Bank AG v Petromena ASA[2015] EWCA Civ 226, §§ 85 e 86 — ainda quando o Reino Unido integrava a União Europeia —, também decidiu
[36] que a especial adjetivação da frase “determinada relação jurídica” (
particular legal relationship) mostra que um litígio resultante de uma segunda relação jurídica não é suscetível de ser incluído num acordo para a resolução de litígios numa relação anterior e diferente.
Se o
critério da suficiente determinação da relação jurídica, inscrito no artigo 25.º do Regulamento Bruxelas I-
bis, não for respeitado, tal induz em erro o outro contraente sobre a regulamentação dos seus direitos de ação judicial e tutela jurisdicional efetiva. O que consubstancia uma
violação do dever de lealdade e um exercício ou invocação abusiva por parte do outro contraente.
Estas afirmações estão ancoradas em múltipla doutrina e jurisprudência, nacional e estrangeira, relativa ao critério da suficiente determinação da relação jurídica objeto de pacto de jurisdição. Por exemplo — e com muito interesse para o caso
sub iudice —, já foi decidido, no
Oberlandsgericht (tribunal de 2.ª instância) de Bamberg (Alemanha), em 24.04.2013 (proc. 3 U 198/12)
[37], negar a extensão de uma
cláusula atributiva de jurisdição contida num contrato de compra e venda ao litígio sobre a validade de um contrato-quadro entre as mesmas partes: no caso, tratava-se de um litígio relativo a um
contrato de concessão comercial(
Vertragshändlervertrag).
Tendo em conta estes elementos e considerações e a disposição em questão não cremos que o pacto de jurisdição em causa inserido em dois documentos que
regulam as relações preliminares ou
negociações que as partes decidiram estabelecer,
tendo em vista a celebração futura e eventual de um contrato de concessão / distribuição comercial, deva ser interpretada no sentido de que se refere a
todos os litígios que opõem ou vierem a opor as partes, tanto na fase dessas
negociações preliminares (fase
pré contratual) quanto, em
momento posterior, se e quando celebraram verbalmente o referido contrato e durante a fase dessa execução contratual.
Aliás, tal como se entende no domínio do alcance material de uma
convenção de arbitragem, quando a vontade das partes de remeterem a árbitros ou a tribunais diferentes do que aqueles que seriam competentes segundo as regras legais gerais não é descortinada com toda a certeza ou segurança, deve decidir-se a favor da atribuição de competência à justiça dos tribunais do Estado
[38] que seriam competentes de acordo com as referidas regras legais gerais.
É, na verdade, muito perigoso e atentatório do princípio jurídico da
confiança e da
lealdade — na falta de previsão expressa da extensão de um pacto de jurisdição a outros litígios futuros decorrentes de outras relações contratuais que as partes possam vir a entretecer — ver aí uma lacuna de regulamentação contratual cujo preenchimento seria feito
in favorem iurisdictionis foedus ou
in favor arbitrandum.
A esta orientação somente excetuamos as situações de
contratos indivisíveis ou
interligados, em que, ou bem se integram numa e
mesma operação económica[39], ou bem em que há um
contrato principal e outros contratos que participam da função e da utilidade económica dos primeiros ou desenvolvem e concretizam um
contrato-quadro do qual são
acessórios[40], ou bem que os contratos são bilateralmente interdependentes e as partes previram para todos eles pacto de jurisdição
[41].
Ora, está bem de ver que os pactos de jurisdição inseridos nestes
acordos preliminares sobre aspetos específicos da
fase de negociações prévias, que poderiam, ou não, conduzir à celebração de um contrato de concessão comercial ou outros tipos no quadro da distribuição comercial, não devem ser entendidos como aplicáveis a todos os contratos e operações económicas a estabelecer
no futuro entre as mesmas partes.
Não estamos, na realidade, perante um
contrato-quadro do qual derivam, a jusante, um conjunto dos contratos em que o mesmo pacto de jurisdição (ou convenção de arbitragem) seria naturalmente convocável, no desenvolvimento e dentro da cobertura desse mesmo
contrato quadro ou de contratos intimamente ligados (grupos de contratos ou contratos acessórios adicionais ou providos de uma forte conexão ou unidade) e celebrados entre as mesmas partes
[42].
Nada disto ocorre no caso
sub iudice e noutros similares. Os vínculos recíprocos emergentes dessas negociações, da troca de informações técnicas e da análise dos produtos que pudessem vir a ser comercializados pela empresa portuguesa (concessionária) não permitem,
de antemão, determinar
com suficiente precisão as futuras relações jurídicas litigiosaseventualmente emergentes de outro contrato (
scilicet, o de concessão comercial) que ainda somente estava em cogitação e cujo programa contratual era completamente omisso.
Por outro lado, o
contrato de concessão comercial / distribuição comercial celebrado oralmente:
—
não deriva de um contrato-quadro anterior no qual esteja estipulado um pacto de jurisdição, pois é, ele próprio, um contrato-quadro que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa
[43];
—
não é um contrato acessório ou adicional aos dois acordos preliminares sobre aspectos decisivos na ponderação de cada uma das partes em avançar com as negociações para a fase decisória e de celebração de um contrato de execução duradoura ou continuada;
—
não é indivisível dos dois acordos subscritos pelas partes de entrega de materiais e de manutenção dos segredos comerciais / industriais;
—
não é económica e juridicamente interligado com os referidos acordos preliminares ou deles interdependente; e, enfim,
—
não é complemento ou execução desses acordos preliminares, os quais se precipitam apenas na regulação dessa
fase negociatória e de preservação de segredos comerciais, neste último caso por todo o tempo em que as informações se mantiverem secretas, independentemente de vir a ser celebrado um futuro e eventual contato de concessão comercial.
Estamos, por conseguinte, perante um caso de cisão da competência jurisdicional nos termos fixados em cada um dos contratos preliminares, remetendo, por um lado, para a apreciação dos tribunais espanhóis os litígios que possam emergir desses dois acordos e outorgando, por outro, aos tribunais portugueses a competência para apreciar e julgar todas as questões litigiosas que possam derivar do contrato de concessão comercial / distribuição comercial.
4. A determinação do tribunal competente segundo as regras do Regulamento Bruxelas I-bisno caso concreto
Afastado o alcance material (
ratione materiae) do pacto de jurisdição estabelecido naqueles dois
documentos pré contratuais, resta responder à questão de saber
qual o tribunal internacionalmente competente para apreciar e julgar o litígio onde se formulem
pedidos de indemnização relativos, por um lado:
— às
perdas e danos respeitantes à denúncia intempestiva, por parte do concedente, de um contrato de concessão comercial, celebrado entre duas sociedades que têm sede e operam, cada uma delas, num Estado‑Membro diferente, para a comercialização de produtos no mercado nacional de um Estado‑Membro, em cujo território a concessionária tem a sede e estabelecimento e, por outro, respeitantes
— à
indemnização de clientela devida a clientes angariados por esta última na sequência do cumprimento desse contrato.
4.1. A responsabilidade contratual emergente do litígio e a determinação da competência internacional direta
Não parece existir dúvida que a ação a intentar ou já intentada deve ser qualificada como
contratual ou
decorrente de responsabilidade contratual. Isto é assim porque ela é consequência de uma violação das obrigações previstas no contrato. Por conseguinte, a mera ação do autor não determina se o objeto da ação deve ser considerado contratual ou extracontratual; o que qualifica a ação é a própria existência de uma relação contratual entre as partes, conquanto não reduzida a escrito, e o facto de que o que é pedido pelo autor ser a consequência de uma violação do contrato.
Importa, desde logo, observar que os critérios de conexão com o órgão jurisdicional competente, previstos no artigo 7.°, ponto 1, alínea
b), do Regulamento n.° 1215/2012 (Regulamento Bruxelas I-
bis) só são aplicáveis na medida em que o órgão jurisdicional nacional em que está (ou venha a estar) pendente o litígio entre as partes que estabeleceram entre si relações comerciais estáveis chegue à conclusão de que essas relações se baseiam num “
contrato de venda de bens” ou num “
contrato de prestação de serviços”, na aceção desta disposição.
Essa qualificação exclui a aplicação da regra de competência prevista no artigo 7.°, ponto 1, alínea
a), do referido regulamento. Com efeito, tendo em conta a hierarquia que a alínea
c) desta disposição estabelece entre as alíneas
a) e
b) da mesma, a regra de competência internacional direta prevista nessa alínea
a) só é suscetível de ser aplicada como alternativa e, supletivamente, em relação às regras de competência que figuram na referida alínea.
4.2. A determinação da competência internacional nos contratos de concessão comercial
Não subsiste dúvida que está em causa um contrato de
concessão comercial (ou,
hoc sensu, de distribuição comercial, a qual se efetua através de esquemas contratuais diversos, um dos quais é o contrato de concessão comercial
[44]). A este propósito, importa interpretar o artigo 7.°, ponto 1, alínea
b), primeiro e segundo travessões, do citado Regulamento n.° 1215/2012, para determinar se um contrato de concessão comercial como o
sub iudice constitui um “
contrato de venda de bens” ou um “
contrato de prestação de serviços”, na aceção dessa disposição.
É, para este efeito, decisivo, levar em conta a
obrigação ou prestação característica desses contratos enquanto critério de conexão para determinar o tribunal competente
[45].
Um contrato cuja obrigação característica é a
entrega de um bem deve ser qualificado de “
venda de bens”, na aceção do artigo 7.°, ponto 1, alínea
b), primeiro travessão, do Regulamento n.° 1215/2012. O caso
sub iudice não apresenta qualquer obrigação ou prestação deste tipo.
Ao invés, o conceito de “serviços” implica, pelo menos, que a parte que os presta realize uma
atividade determinada em contrapartida de uma remuneração. É, na verdade, a
prestação de um serviço que desencadeia o pagamento de um
preço. O TJUE tem entendido que o pagamento do serviço não tem de ser estritamente em dinheiro ou moeda com curso normal no Estado-Membro; isto para além de o programa contratual ser muito mais vasto e complexo do que o do contrato de compra e venda
[46]. Isto porque, no caso da concessão comercial, especialmente no caso da distribuição seletiva e exclusiva, como é o caso
sub iudice, o distribuidor / concessionário faz parte de uma rede oficial de distribuição ou na cadeia de distribuição do concedente, aqui onde o traço essencial consiste, não só na aquisição de produtos para revenda, mas, sobretudo, a promoção e a sua comercialização em conformidade com as indicações do concedente
[47], aqui onde sobrelevam as características de duração, colaboração e confiança
[48]. Por conseguinte, a sua remuneração pode ser efetuada por outros meios, tais como descontos, acesso a ofertas, publicidade, etc.
Convém não esquecer que, neste tipo de rede de distribuição, os membros da parte distribuidora são selecionados com base em critérios diferentes. No caso da distribuição exclusiva, os distribuidores são selecionados com base em critérios quantitativos
[49]— cláusula que também terá sido introduzida no contrato de concessão comercial entre as partes em litígio. Por outras palavras, o fornecedor atribui um número de distribuidores por área geográfica, o que permite a venda exclusiva do seu produto numa determinada área ou território. Esta atribuição exclusiva de um território de vendas pode implicar restrições ao abrigo do
direito europeu da concorrência quando o fornecedor e o distribuidor detêm quotas de mercado significativas.
4.3. O contrato de concessão comercial enquanto esquema contratual subsumível à “prestação de serviços”
Aquela atividade traduz, no campo das condutas humanas, a prática de
atos positivos[50] (atos materiais ou atos jurídicos), que não omissões ou abstenções de fazer ou obrigações de tolerar (obrigações de
pati). Por conseguinte, todos os contratos em que são transferidos bens, mas em que o objeto do contrato não é apenas este, mas é substituído por uma relação mais ampla entre as partes, não se enquadrariam nesta noção de venda. É o caso da distribuição / concessão comercial
[51].
Neste sentido, os contratos de distribuição / concessão comercial podem ser perfeitamente enquadrados nesta noção de
prestação de serviços, independentemente de se tratar de um contrato de distribuição exclusiva ou seletiva, de franquia ou de agência.
No contrato de distribuição / concessão comercial, a entrega dos bens é um aspeto da relação contratual,
mas não é o único objetivo. A distribuição traduz, sobretudo, uma relação estreita e de colaboração entre as partes, em que existe um fornecimento contínuo e necessário do fornecedor ao distribuidor, o que permite a este último alcançar uma posição de vantagem (competitiva) no mercado com os produtos que vende.
Além disso, consoante o tipo de distribuição, tal pode significar que os serviços do distribuidor incluem a oferta de serviços pré-venda e pós-venda aos clientes. Serviços que conferem valor acrescentado aos bens que vende num determinado mercado. Do nosso ponto de vista, outro aspecto fundamental para diferenciar se se trata de um simples
contrato de compra e venda ou de um
contrato de distribuição /
concessão comercial é o tipo de produto que é comercializado pelo comprador: se se trata de um produto muito específico suscetível de ser adquirido somente por segmentos especializados de potenciais clientes, o comprador não só vende como também deve desenvolver uma série de directrizes que são impostas pelo vendedor/fornecedor dos bens.
Nesse sentido, o contrato
sub iudice do qual resulta o alegado incumprimento do concedente, empresa espanhola, pode ser qualificado de “contrato de prestação de serviços”, na aceção do artigo 7.°, ponto 1, alínea
b), segundo travessão, do citado Regulamento (UE) n.° 1215/201.
Quid iuris, quanto à inserção de um contrato de concessão comercial no segundo travessão da referida alínea
b) do ponto 1 do citado artigo 7.º? Cremos que este tipo de contratos inominados se insere neste segmento do elemento de conexão aí referido.
Na verdade, num contrato de concessão comercial, este elemento de conexão corresponde à
prestação característica efetuada pelo concessionário. Este, ao assegurar a distribuição dos produtos do concedente, participa no desenvolvimento da sua difusão e na desejada angariação de clientes para o concedente.
Graças à garantia de aprovisionamento de que beneficia por força do contrato de concessão e, eventualmente, à sua participação na estratégia comercial do concedente, nomeadamente nas ações promocionais — elementos que só o tribunal que assim se julgue competente poderá verificar —, o concessionário está em condições de oferecer aos clientes serviços e outras vantagens económicas que um simples revendedor não pode oferecer, conseguindo, assim, conquistar, em proveito dos produtos do concedente (e da empresa deste), uma maior quota do mercado local, ao angariar e manter clientes enquanto adquirentes dos produtos do concedente
[52]. Por maioria de razão, este efeito é mais intenso quando o contrato de distribuição / concessão comercial está subordinado a uma
cláusula de exclusividade dirigida a uma área de geográfica significativa, como acontece no caso
sub iudice.
De resto, o TJUE já decidiu que, para efeitos da determinação da competência judiciária, um contrato de concessão (comercial) exclusiva ou quase exclusiva está, em princípio, abrangido pelo conceito de “
contrato de prestação de serviços”
[53].
4.4. O lugar do cumprimento do contrato sub iudice
Cumpre, por conseguinte, determinar o
lugar do cumprimento da obrigação característica desse contrato e, logo, o tribunal estadual competente para conhecer dos litígios relativos ao mesmo — se são os tribunais espanhóis ou os portugueses.
Ora, o contrato de distribuição exclusiva foi celebrado entre uma sociedade com sede na Espanha e outra sociedade com sede em Portugal, para a comercialização de produtos no mercado português. O lugar do cumprimento da obrigação é aquele que garante o
elemento de conexão mais estreito entre esse contrato e o órgão jurisdicional competente, verificando‑se esse elemento de conexão mais estreito, regra geral, no
lugar da prestação principal dos serviços[54]. Esse lugar não pode deixar de corresponder ao território ou local onde o concessionário angariava os clientes e vendia os produtos do concedente, em exclusivo, e onde participava e executava a estratégia comercial do concedente, de maneira a manter e aumentar a procura dos produtos fabricados e comercializados pelo concedente.
Decorre do exposto que o artigo 7.°, ponto 1, do Regulamento n.° 1215/2012 (Regulamento Bruxelas I-
bis) deve ser interpretado no sentido de que o tribunal competente, por força dessa disposição, para conhecer de um pedido de indemnização relativo à resolução de um contrato de concessão comercial, celebrado entre duas sociedades que têm sede e operam em dois Estados‑Membros diferentes, para a comercialização de produtos no mercado nacional de um Estado‑Membro, em cujo território uma dessas sociedades tem a sede ou estabelecimento, é o tribunal do Estado‑Membro onde se encontra o
lugar da prestação principal dos serviços, tal como decorre das cláusulas do contrato assim como, na falta dessas cláusulas, do efetivo cumprimento desse contrato e, caso seja impossível determiná‑lo nesta base, o do
domicílio do prestador.
Ora, quer o lugar da prestação principal dos serviços, o do efetivo cumprimento desse contrato — com a angariação e manutenção de clientes por conta do concedente —, quer, ainda, o local do domicílio do prestador coincidem com o
território português. Motivo pelo qual, não valendo nesta situação contratual litigiosa o pacto de jurisdição previsto nos dois documentos pré contratuais assinados pelas partes,
são competentes os tribunais portugueses para apreciar e julgar os pedidos condenatórios formulados pela concessionária, empresa portuguesa.
5. Conclusões
De tudo quanto detalhadamente se expôs, é adequado retirar as seguintes e sucintas conclusões:
I. Os pactos de jurisdição, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1215/2012 (Bruxelas I-
bis), devem dizer respeito a
quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada ou específica relação jurídica. E essa
concreta relação jurídica deve ser
suficientemente determinada e específica. Tarefa interpretativa, esta, que é feita à face do direito material português, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea
b), do Regulamento (CE) n.º 593/2008, sobre a
lei aplicável às obrigações contratuais (
Roma I).
II. Isto porque, de harmonia com a jurisprudência constante do TJUE, uma parte subscritora de tais pactos
não pode ser surpreendida pelo facto de a competência de um determinado tribunal ser atribuída a todos os litígios que possam surgir da relação com a sua parte contratante, devendo limitar-se o alcance objetivo ou material de tais pactos aos litígios que têm a sua origem na relação de direito – ou que dela são incindíveis ou intimamente relacionados ou interligados – na altura em que esses pactos foram celebrados, não se estendendo a outras relações para além das surgidas na altura em que a eleição do foro foi estipulada.
III. A parte não pode ser surpreendida com um foro que não cogitaria como competente na época em que celebrou esse pacto: no caso
sub iudice, a futura (e eventual) concessionária apenas gerou e investiu confiança na atribuição aos tribunais espanhóis dos litígios eventualmente emergentes da
fase pré contratual consubstanciada no acesso a certas informações confidenciais ou secretas e a certos produtos químicos que lhe foram fornecidos para testes e ensaios pela empresa espanhola, futura concedente. Nada mais.
IV. Para o efeito regem os artigos 236.º e 238.º, ambos do Código Civil, sobretudo este último, uma vez que o pacto de jurisdição assume a veste de
negócio formal. O contrato de concessão comercial, válida e ulteriormente celebrado, não observou a forma escrita.
V. Ora, se é inegável que uma cláusula de eleição de foro pode abranger vários litígios sobre outro(s) contrato(s), faz-se, no entanto, necessário que os acordos formem um
esquema contratual unificado.
Não é isso que se verifica no caso
sub iudice, visto que quando as partes subscreveram esse pacto de jurisdição estavam apenas a regular os litígios decorrentes da
entrega dos produtos químicos, bem
como as condições e limites da eventual utilização e divulgação das informações técnicas confidenciais comunicadas pela empresa espanhola à empresa portuguesa.
VI. Aliás,
o primeiro destes acordos contém um pacto de jurisdição que, inegável e
literalmente, somente se aplica aos litígios emergentes
dessa específica entrega de produtos químicos para análise e realização de testes.
De harmonia com a
impressão do declaratário e a
vontade normativa (e objetiva)
das partes, o segundo dos pactos de jurisdição somente visa atingir os litígios decorrentes da comunicação e utilização das informações técnicas secretas (
know how), as quais foram comunicadas à empresa portuguesa (futura concessionária) até ao momento em que, num futuro mais ou menos longínquo, estas venham a tornar-se acessíveis ao público ou aos meios interessados, perdendo a natureza de segredo comercial / industrial; nada mais.
VII. O objeto e finalidade deste outro e segundo pacto é bem mais limitado e concreto: tutelar os segredos comerciais / industriais da empresa espanhola resultantes da comunicação de tais informações durante todo o tempo em que foram mantidas secretas.
VIII. Com tais
contratos preparatórios no quadro de uma fase de negociações — contratos, estes, providos destes dois pactos de jurisdição —, as partes, em circunstâncias como as descritas, apenas visam obter um conhecimento recíproco mais profundo das duas empresas
suscetível de gerar, nos seus administradores ou gerentes e se for caso disso,
a confiança necessária para
a celebração de um futuro e eventual contrato de concessão comercial / distribuição comercial.
IX. Esses dois pactos de jurisdição respeitam apenas (e somente querem atingir) os litígios decorrentes destes contratos preparatórios ou preliminares (
fase negociatória), os quais não exibem qualquer
ligação funcional,
incindibilidade ou
unidade económica relativamente a um contrato quadro de concessão comercial (
fase decisória), que ainda não tinha sido celebrado e que nem se cogitava se, com suficiente e razoável certeza, iria ser celebrado.
X. Os vínculos recíprocos emergentes dessas negociações, da troca de informações técnicas e da análise dos produtos que pudessem vir a ser comercializados pela empresa portuguesa, na qualidade de futura concessionária não permitem,
de antemão, determinar com
suficiente precisão as futuras relações jurídicas litigiosas eventualmente emergentes de outro contrato (
scilicet, o de concessão comercial) que ainda somente estava em cogitação e cujo programa contratual era completamente omisso.
XI. Confrontamo-nos, por consequência, com um caso de
cisão da competência jurisdicional nos termos fixados em cada um dos contratos preliminares: remete-se, por um lado, para a apreciação dos
tribunais espanhóis os litígios que possam emergir desses dois acordos preliminares e outorga-se, por outro e por força da lei (
in casu, do Regulamento Bruxelas I-
bis), aos
tribunais portugueses a competência para apreciar e julgar todas as questões litigiosas que possam derivar do contrato de concessão comercial / distribuição comercial.
XII. Afastada, assim, a aplicação do pacto de jurisdição no caso
sub iudice e noutros semelhantes,
os tribunais portugueses (para além dos tribunais espanhóis) são competentes para apreciar e julgar o litígio emergente do alegado incumprimento do contrato de concessão comercial por parte da empresa espanhola e dos danos alegadamente sofridos pela empresa portuguesa, incluindo a indemnização de clientela, ao abrigo do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea
b), 2.º travessão, do Regulamento Bruxelas I-
bis, já que o contrato de concessão comercial / distribuição comercial deve ser subsumido à
prestação de serviços aí referida.
XIII. Dado que, de acordo com a jurisprudência uniforme do TJUE, é preciso ter em conta (para localizar e conexionar o litígio com um ou vários dos Estados-Membros) a
obrigação ou
prestação característica do contrato, os
serviços prestados (pela concessionária) traduzem esta
prestação característica.
XIV. Sendo a obrigação / prestação característica aquela que é efetuada pelo concessionário, o TJUE tem, e bem, entendido de maneira uniformizada — dado que o Processo Civil é instrumental do direito substantivo e das posições ou pretensões jurídicas materiais — que
o lugar do cumprimento da obrigação característica se localiza no lugar da prestação dos serviços, lugar que, no caso analisado,
coincide com o território português, aí onde a concessionária vinha angariando clientes, atuando promocionalmente e vendendo os produtos da concedente, na sequência da celebração do referido contrato de concessão comercial / distribuição comercial.
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Car Trim GmbH c. KeySafety Systems Srl)
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Premium Nafta Products Limited and others v. Fili Shipping Company Limited and others,[2007] UKHL 40
ac. do TJUE, de 10.03.1992, proc. C-214/89 (
Powell Duffryn plc c. Wolfgang Peterei)
ac. do TJUE, 14.12.1976, proc. C-24/76 (
Estasis Salotti di Colzani AIMO e Gianmario Colzani c. RÜWA Polstereimaschinen GmbH)
[1] É uma competência (internacional)
direta, pois destina-se a efetuar um juízo de verificação da competência dos tribunais nacionais, ou seja, se a jurisdição do Estado é, ou não, competente nos litígios ou controvérsias que lhe são submetidos, na medida em que estes exibem, igualmente, elemento(s) de conexão com jurisdição(ões) estrangeira(s). Este juízo de verificação da competência (internacional) direta ocorre no momento em que o direito de ação é exercido, portanto, diante da propositura da ação, apresentação da defesa, manifestação da parte contrária ou por terceiros interessados,
a partir do primeiro momento em que, segundo a tramitação aplicável, o juiz pode conhecer deste pressuposto processual. Já quanto à competência (internacional)
indireta, esta traduz a ideia de que os tribunais nacionais verificam a competência do tribunal estrangeiro na qual foi proferida a decisão, se e quando – também de acordo com o mecanismo processual de reconhecimento condicionado ou automático – for solicitado o reconhecimento e a execução da sentença, estadual ou arbitral, estrangeira. Cura ela dos
limites da tolerância para com o exercício do poder jurisdicional por um tribunal estrangeiro –
Daniel Gruenbaum, “Competência internacional indireta (Artigo 963, I, CPC 2015)”, in Revista de Processo, n.º 266 (2017), p. 99 e ss. (p. 100). Neste caso, trata-se de saber se, de uma maneira geral, os tribunais do país em que a decisão foi proferida eram competentes em face das regras de competência internacional, ou, em outras palavras, se estas regras atribuíam o litígio aos tribunais desse país ou a outro país; sendo que esta questão da competência (internacional) indireta, resolve-se segundo as regras do Estado em que se pede o
exequatur ou, sendo o
reconhecimento automático, no momento próprio em que a recusa de reconhecimento (e execução) pode ser solicitada no Estado do destino.
[2] O n.º 1 do artigo 25.º deste Regulamento Bruxelas I-
bis prevê que uma cláusula de eleição de foro não deve ser nula quanto à sua validade material nos termos da lei do país do tribunal escolhido. A lei material destes tribunais inclui as suas regras de conflito de leis (considerando n.º 20 deste Regulamento). Tendo em conta o que precede, a primeira etapa da análise de uma cláusula atributiva de jurisdição consiste em determinar a lei (material) que rege a cláusula. O Regulamento
Roma I sobre a lei aplicável às obrigações contratuais não se aplica às cláusulas de jurisdição e de arbitragem (artigo 1.º, n.º 2, alínea
e)), pelo que a lei aplicável deve ser determinada de acordo com as normas de conflitos de leis locais. Se existir uma escolha de lei expressamente aplicável à cláusula de jurisdição, esta é eficaz? Se existir apenas uma escolha geral da lei aplicável ao acordo como um todo, essa escolha aplica-se à cláusula de eleição de foro, apesar de uma cláusula de jurisdição ser tratada como um acordo independente das outras cláusulas do contrato e a sua validade não pode ser contestada apenas com base no facto de o contrato subjacente não ser válido (artigo 25.°, n.° 5)? Se o tribunal escolhido decidir que a sua lei rege a cláusula atributiva de jurisdição, pode aplicar essa lei. Poderá surgir a questão de saber o que fazer se o tribunal escolhido decidir que se aplica a lei de outro país. Se a lei estrangeira em questão incluir as suas regras de conflito de leis, o tribunal deve então decidir qual a lei aplicável à cláusula ao abrigo dessa lei estrangeira. Se as normas de conflitos de leis estrangeiras apontarem para a lei do tribunal escolhido, poderá haver um
reenvio total, ou seja, uma circularidade na escolha da lei, uma vez que as normas de conflitos de leis do tribunal escolhido apontam para uma lei estrangeira, mas as normas de conflitos de leis dessa lei estrangeira apontam novamente para a lei do tribunal que as partes escolheram. Cfr., igualmente,
Rui Dias, Pactos de Jurisdição Societários, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 319-323.
[3] Numa situação puramente interna, o artigo 25.º deste Regulamento Bruxelas I-
bis não é aplicável pelo simples facto de as partes,
com domicílio no mesmo Estado‑Membro, terem designado um órgão jurisdicional ou órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro para conhecerem dos litígios surgidos ou a surgir entre as mesmas. Trata-se de situações em que o elemento de estraneidade pode resultar do objeto do litígio quando a situação em causa é suscetível de suscitar questões relativas à determinação da competência dos órgãos jurisdicionais na ordem jurídica internacional, designadamente a localização dos factos controvertidos num Estado terceiro ou a nacionalidade estrangeira da demandada com domicílio (desconhecido), aos quais se poderá acrescentar o lugar da execução da obrigação. Pelo contrário, de acordo com a orientação prevalecente na doutrina, a mera
vontade das partesnão implica que a situação em causa num litígio entre elas revista,
per se, um caráter internacional ou transfronteiriço. Quer dizer: o único elemento de estraneidade exigido pelo legislador da União não poderá, em princípio, ser
a escolha, pelas partes, de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro. Desde logo, se assim fosse, uma cláusula de eleição de foro revestida deste circunstancialismo teria por efeito derrogar regras nacionais em matéria de competência e de eleição de foro (
v.g., o artigo 94.º do CPC). Ora, parece que as partes não estão autorizadas a derrogar regras de competência nacionais sem qualquer limite ou critério de conexão. Por outro lado, a clarificação relativa à lei aplicável à validade do conteúdo do pacto de jurisdição introduzida no artigo 25.° do Regulamento Bruxelas I-
bis não é, no entanto, suscetível de justificar a aplicabilidade do mesmo, sob pena de adotar uma interpretação baseada no resultado da sua aplicação. Cfr., entre outros, P. Mankowski, in T. Rauscher / S. Leible,
Europäisches Zivilprozess‑ und Kollisionsrecht: EuZPR/EuIPR. Kommentar, Vol. I, Brüssel Ia‑Verordnung, 5.ª ed., Köln, Otto Schmidt, 2021, Artigo 25 Brüssel Ia-Verordnung, anotações à margem n.ºs 32 e 35; Bernard Audit / Louis d’Avout,
Droit international privé, 9.ª ed., Paris, Librairie générale de droit et de jurisprudence, 2022, n.º 675, pp. 587-588. Atente-se, porém, recentemente, em sentido oposto — atribuindo uma maior relevância à autonomia da vontade — o acórdão do TJUE, de 8.02.2024 (
Inkreal s. r. o. c. Dúha reality s. r. o.), proc. C-566/2022, aí onde se considerou válido um pacto de jurisdição entre partes domiciliadas num mesmo Estado-Membro que designaram como competente um tribunal de outro Estado-Membro. O critério adotado neste acórdão constitui, ao que se crê, mais um passo no sentido de superação das fronteiras estatais, que se projeta em domínios em que prevalece a autonomia da vontade e em que a escolha dos tribunais de um Estado-Membro sem qualquer relação aparente com o litígio responde normalmente aos interesses legítimos das partes. Além disso, na prática, a escolha de um tribunal desse outro Estado-Membro será normalmente acompanhada da escolha da sua lei material como lei aplicável ao contrato. Esta orientação parece alicerçar-se no considerando n.º 15 do Regulamento
Roma I (Regulamento (CE) n.º 593/2008), relativo à lei aplicável às obrigações contratuais, de acordo com o qual “caso seja escolhida uma lei e todos os outros elementos relevantes da situação se situem num país que não seja o país da lei escolhida, a escolha da lei não prejudica a aplicação das disposições da lei desse país não derrogáveis por acordo”. De harmonia com esta decisão do TJUE, subordinar a aplicação do artigo 25.º do Regulamento Bruxelas I-
bis à determinação de que o contrato tem ou apresenta
vínculos ou conexões adicionais (para além do acordo de atribuição de competência) com o Estado-Membro do tribunal escolhido prejudicaria o objetivo de
segurança jurídica e de
previsibilidade, dificultando a determinação da competência do tribunal designado, bem como criando o risco de processos paralelos e de decisões contraditórias.
Repare-se que, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, da
Convenção de Haia sobre os Acordos de Eleição de Foro, em vigor desde 1.10.2015, um processo tem natureza internacional exceto se as partes residirem no mesmo Estado Contratante e a sua relação e todos os elementos pertinentes da causa, independentemente da localização do tribunal eleito, estiverem associados unicamente a esse Estado. Ainda que a internacionalidade de uma situação possa evoluir com o tempo, em particular se a situação se internacionalizar na
fase contenciosa, o certo é que a apreciação do carácter internacional ou transfronteiriço de uma situação litigiosa deve ser efetuada pelo juiz atendendo ao
momento da celebração da convenção de eleição do foro, e não à data da instauração da ação no órgão jurisdicional designado pelas partes – assim, entre nós, Sofia Henriques,
Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE) n.° 44 de 2001, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 60-61; A. Ferreira Pinto, “Contratos de
swap concluídos entre entidades com sede em território nacional – jurisdição e lei aplicável”, in J. Lobo Moutinho / Sofia Henriques / E. Vaz Sequeira / P. Garcia Marques (org.),
Homenagem ao Professor Doutor Germano Marques da Silva, vol. II, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2020, pp. 799 ss. (p. 805); contra, Alfonso-Luis Calvo Caravaca / Javier Carrascosa González,
Tratado de Derecho internacional privado, vol. I, Valencia, Tirant lo Blanch, 2020, p. 122 ss. Entre nós, cfr. o acórdão do STJ, de 4.02.2016 (Lopes DoRego), proc. n.º 536/14.6TVLSB.L1.S1, disponível em
www.dgsi.pt., onde foi decidido,
inter alia, o seguinte: “… mesmo que se entenda que não deve bastar, como elemento exclusivo de estraneidade, a mera celebração de um pacto de jurisdição, este ficará sujeito à disciplina do artigo 23º [do então Regulamento n.º 44/2001] desde que a relação controvertida, valorada globalmente, apresente indícios minimamente consistentes de transnacionalidade, que obstem à sua qualificação como relação jurídica meramente interna”. Nesse acórdão, o STJ entendeu serem suficientes “como elementos de estraneidade do litígio sujeito a pacto de jurisdição o local possível de cumprimento de obrigações contratuais, a submissão, no exercício da autonomia da vontade das partes, da substância do litígio a um direito material estrangeiro e a conexão”. Foram, portanto, identificados pelo STJ outros
elementos materiais de internacionalidade na relação contratual controvertida entre as partes, os quais obstaram à sua qualificação como
relação jurídica puramente interna. Cfr. a anotação a este acórdão de Rui Dias, “Autonomia privada e pactos de jurisdição — acórdão do STJ de 4 de fevereiro de 2016 (proc. n.º 536/14)”, in
Cadernos de Direito Privado, n.º 55 (2016), p. 47 e ss.
Seja como for, tendo em conta a especificidade do quadro de integração da União, nomeadamente o âmbito particular da cooperação judiciária em matéria civil, justifica-se que o Tribunal de Justiça rejeite expressamente que as disposições da referida Convenção da Haia de 2005 sobre os acordos de eleição do foro constituam um ponto de referência hermenêutico na aplicação do artigo 25.º. Com efeito, esta Convenção limita a sua aplicação às situações internacionais, pelo que não abrange as situações em que "as partes residem no mesmo Estado contratante e a relação entre elas e todos os outros elementos pertinentes do litígio, independentemente do lugar do tribunal escolhido, estão ligados unicamente a esse Estado" (§§ 36 a 38 do citado acórdão, de 8.02/2024, do TJUE, proc. C-566/2022).
Esta situação é diferente daquela que interroga a questão da aferição da
data relevante para apreciar a validade e o alcance de um pacto de jurisdição. Neste particular, o momento relevante para apreciar a validade e o alcance de um acordo de eleição do foro coincide com a data em que a ação é ajuizada – tb. neste sentido, cfr. Vesna Lazić / Peter Mankowski,
The Brussels I-bis Regulation Interpretation and Implementation, Cheltenham, Northampton, Edward Elgar, 2023, § 5.017, p. 316.
[4] É, porém, certo, como já salientou Paula Costa E Silva, “A longa
vacatio legis da Convenção de Bruxelas - Anotação aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 1997 e de 5 de Novembro de 1998”, in
Revista da Ordem dos Advogados, ano 58, vol. III (1998), p. 1233 ss. (p. 1237 ss.), disponível no seguinte endereço eletrónico: https://portal.oa.pt/upl/%7B104b4283-439d-4bec-877d-b8adcac59cf6%7D.pdf, que “a distinção dos pactos de jurisdição em privativos e atributivos é geograficamente situada, porque caberá a cada Estado determinar as competências próprias, quer sejam legais, quer sejam convencionais. Assim, é da perspectiva do Estado português que o pacto se qualifica como privativo (quando retira jurisdição aos tribunais portugueses) ou atributivo (quando atribui jurisdição aos tribunais portugueses)”.
[5] Se tal tivesse ocorrido, o artigo 25.º Regulamento (UE) n.º 1215/2012 não seria aplicável. Nessa eventualidade, seria aplicável a
Convenção sobre os Acordos de Eleição de Foro, que se encontra em vigor, como já referimos, desde 1.10.2015, uma vez que foi ratificada pela União Europeia (
Diário da República, I Série, n.º 194, de 10 de outubro de 2016, p. 3527). De harmonia com o estabelecido no artigo 6.º desta Convenção, o tribunal de um Estado Contratante (que pode ser também um Estado-Membro do Regulamento n.º 1215/2012), que não seja o tribunal eleito, deve suspender ou declarar-se incompetente para apreciar um processo a que seja aplicável um acordo exclusivo de eleição do foro, salvo se, entre outras circunstâncias, o acordo for nulo nos termos do direito do Estado do tribunal eleito (e não, note-se, segundo a
lex fori). Se o pacto atribuir somente uma
competência concorrente aos tribunais de um Estado terceiro, esta Convenção não é, em princípio, aplicável e os tribunais competentes ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 (Bruxelas I-
bis) continuam a ser competentes, como se o pacto nunca tivesse sido celebrado. Esta Convenção prevalece sobre o citado Regulamento (UE) n.º 1215/2012 sempre que, pelo menos, uma das partes que celebraram o pacto atributivo
intraeuropeu tenha residência num Estado terceiro que seja um Estado Contratante da referida Convenção. Os pactos atributivos
extraeuropeus são regulados exclusivamente, nos Estados Contratantes da referida Convenção (incluindo os Estados membros do citado Regulamento n.º 1215/2012), por esta Convenção (e, designadamente, pelo disposto no seu artigo 5.º, quando a ação seja proposta no tribunal escolhido, e 6.º, quando a acção seja instaurada num outro tribunal). Se o Estado do tribunal designado pelas partes for um Estado Contratante da mencionada Convenção, a validade do pacto é analisada pelo que se dispõe no seu artigo 6.º e, portanto, pela lei do tribunal escolhido. As mesmas soluções valem para a hipótese em que ambas as partes do pacto privativo de jurisdição têm domicílio num Estado-Membro e em que, apesar disso, atribuem competência aos tribunais de um Estado terceiro (por exemplo, aos tribunais da Califórnia). Se este Estado terceiro for um Estado Contratante da referida Convenção e se a ação for proposta nos tribunais de um Estado-Membro do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 (com base no critério do domicílio do demandado: artigo 6.º, n.º 1, do citado Regulamento n.º 1215/2012), este demandado não pode deixar de poder alegar nos tribunais desse Estado a celebração daquele pacto atributivo
extraeuropeu e de pedir a aplicação do disposto no artigo 6.º da referida Convenção. Nada disto, porém, ocorre no caso
sub iudice.
[6] Artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e artigo 59.º do CPC.
[7] Relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, diretamente aplicável (e vigente desde 10.01.2015 – artigos 66.º e 81.º).
[9] Entre outros, cfr. ac. do STJ, de 9.05.2019 (Nuno Pinto De Oliveira), proc. n.º 3793/16.0T8VIS.C1.S1 - 7.ª Secção, loc. cit.
[10] Rui Dias,
Pactos de Jurisdição Societários, 2018, cit., p. 216.
[11] E,
uno actu, privativa de jurisdição dos tribunais portugueses.
[12] Rui Moura Ramos, “Aplicação de cláusulas atributivas de jurisdição em acções de responsabilidade emergente de práticas consideradas de abuso de posição dominante” in
Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 147.º (Março-Abril 2018), p. 265 ss. (p. 274), ano 148.º (2018-2019), p. 115 ss. (p. 123 e ss.).
[13] Entre outros, cfr. os acórdãos do TJUE, de 10.03.1992, proc. C-214/89 (
Powell Duffryn plc c. Wolfgang Peterei), § 24;
idem, de 14.12.1976, proc. C-24/76 (
Estasis Salotti di Colzani AIMO e Gianmario Colzani c. RÜWA Polstereimaschinen GmbH), §§ 8 a 10 do acórdão.
[14] Como veremos adiante, o estabelecimento da competência internacional direta ao abrigo do Regulamento Bruxelas I-
bis não está dependente de ter, ou não, havido contrato entre as partes. Isto não significa que não possa existir uma relação contratual na aceção do n.º 1 do artigo 7.º. A relação contratual pode existir com base em
acordos tácitos. O que é relevante é o facto de as partes expressarem inequivocamente a sua vontade. Com efeito, a violação de um acordo tácito implicaria a responsabilidade contratual. O que é importante é identificar a obrigação contratual não cumprida. Por conseguinte, é o tribunal nacional onde a ação foi instaurada que deve identificar essa obrigação com base nos acordos que as partes possam ter celebrado entre si de
forma tácita, mas
inequívoca. Cfr. o acórdão do TJUE, de 4.07.2016, proc. C-196/15 (
Granarolo SpA c. Ambrosi Emmi France SA), § 24 do acórdão. Assim, o TJUE afirma que a relação contratual tácita entre as partes não pode, em caso algum, ser
presumida. Essa relação deve ser alegada e provada. Os elementos que podem ser utilizados para provar uma relação contratual de longa duração quando não existe um contrato assinado por ambas as partes podem ser, por exemplo, a duração da cooperação entre as partes, a relação baseada em princípios como a confiança ou a boa fé, a frequência da relação e a sua evolução ao longo do tempo, etc. – cfr. o citado acórdão de 4.07.2016, § 26.
[15] O artigo 25.º, n.º 1, frase 3, alínea
a), promove a celebração efetiva de acordos de eleição do foro através de um requisito formal simplificado. Para tal, devem ser dados dois passos sucessivos:
— deve existir (1) um acordo verbal sobre o local de jurisdição,
— o qual (2) é posteriormente confirmado por escrito por, pelo, menos uma das partes.
O primeiro requisito só está preenchido se as partes tiverem chegado a um consenso de vontade relativamente ao local de jurisdição através de declarações orais; por conseguinte, não é suficiente se o consenso só for alcançado através de uma declaração escrita de uma parte e de uma declaração oral da outra parte. Uma carta de confirmação comercial, nos termos do direito português, não pode preencher o requisito formal do artigo 25.º, n.º 1. O segundo requisito de uma confirmação escrita deve ser feito por uma das partes envolvidas no acordo oral prévio sobre o local de jurisdição. Qualquer uma das partes pode efetuar a confirmação escrita. Já de harmonia com a redação da disposição, deve ser suficiente que a confirmação escrita provenha de uma, independentemente de qual, das partes. Por conseguinte, é irrelevante o facto de o confirmante ter proposto o acordo oral, ter insistido nele ou ter apenas concordado com a oferta da outra parte; é também irrelevante o facto de o acordo sobre a competência ser vantajoso ou estar associado a desvantagens para o confirmante. Além disso, é necessário que a confirmação escrita siga o acordo oral prévio dentro de um prazo razoável. Embora não exista qualquer indicação nesse sentido na redação da disposição, o
interesse das partes na clareza e a ligação necessária entre o acordo oral e a confirmação escrita impedem uma espera mais longa.
Repare-se, ainda, que a existência de uma objeção de uma das partes não elimina a eficácia da confirmação anteriormente efetuada por essa parte ao pacto de jurisdição, mas pode tornar-se significativa como indicação de que não existia realmente um acordo prévio sobre a jurisdição. Nada disto ocorreu no caso
sub iudice:
a empresa portuguesa nunca confirmou (
v.g., por escrito, mensagem eletróncia, etc.),
seja por ocasião das negociações prévias, seja em momento posterior atualmente, a competência dos tribunais espanhóis em caso de litígio respeitante ao contrato de concessão comercial / distribuição comercial.
[16] Observe-se, porém, que a questão de saber se o pacto atributivo de jurisdição a favor de um tribunal ou dos tribunais de um Estado-Membro é nulo quanto à sua validade substantiva é decidida segundo a lei do Estado-Membro do tribunal ou tribunais designados no pacto,
incluindo as regras de conflitos de leis desse Estado-Membro. O que, no dizer de Rui Torres Vouga, “Novo Regime Jurídico dos Pactos de Jurisdição”, in
Revista do CEJ (1.º semestre, 2018), p. 77, “inclui todas as questões que afectam a força vinculativa desta convenção: i) fundamentos de nulidade
ex lege, incluindo a falta de requisitos formais e, especificamente, fundamentos de invalidade dos pactos de jurisdição destinados a proteger as partes mais fracas (cfr. as disposições visando proteger os segurados, os consumidores e os trabalhadores contidas nas secções 3 [artigo 15.º], 4 [artigo 19.º] e 5 [artigo 23.º] do Capítulo II do Regulamento n.º 1215/2012) ou ii) políticas fortes, fundamentos de resolução do pacto e, eventualmente, iii) todas as questões relativas à formação e existência do pacto, em especial o necessário consentimento das partes (visto que, se, antes de mais, não existir o acordo das partes, ele não possui naturalmente nenhuma força vinculativa, tal como não tem nenhuma força vinculativa um pacto que, embora exista, é nulo e de nenhum efeito)”. Seja como for, as
nulidades processuais eventualmente subjacentes à validade do pacto de jurisdição, assim qualificadas ao abrigo da lei materialmente aplicável
(maxime, a lei interna de Estado-Membro), não têm aptidão para afastar a validade do pacto de jurisdição celebrado pelas partes à luz do artigo 23.º do Regulamento Bruxelas I-
bis.
[17] Entre nós, já Luís De Lima Pinheiro,
Direito Internacional Privado – Competência Internacional, vol. III, Tomo I, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2019, pp. 234-235; Miguel Teixeira De Sousa,
Pactos de Jurisdição e swaps: demasiado “nacionalismo” e pouco “europeísmo”?, Post publicado em 26.04.2014 no
blog do IPPC, disponível no seguinte endereço eletrónico:
https://blogippc.blogspot.com.2014/04/pactos-de-jurisdicao-e-swaps-demasiado.html ; acórdão do STJ, de 9.05.2019 (Nuno Pinto De Oliveira), proc. n.º ,.º 3793/16.0T8VIS.C1.S1 loc. cit.;
idem, de 9.05.2023 (Isaías Pádua), proc. n.º 2038/20.2T8LRA.C1.S1, loc. cit.;
ibidem, de 12.10.2023 (Fernando Baptista), proc. n.º 1558/22.9T8PNF.P1.S1, loc. cit.
[18] Reinhard Gaier, in Volkert Vorwerk / Christian Wolf,
BeckOK ZPO, 50.ª ed., München, C. H. Beck, 2023, Brüssel Ia-VO Artigo 25 [Zulässigkeit und Form von Gerichtsstandsvereinbarungen], anotação à margem n.º 32
[19] Sobre isto, cfr. Rui Dias
, Pactos de Jurisdição Societários, 2018, cit., p. 248 ss.; Sofia Henriques,
Os Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE) n.º 44/2001, 2006, cit., pp. 78-79.
[20] Ac. STJ, de 9.05.2019 (Nuno Pinto De Oliveira), proc. n.º º 3793/16.0T8VIS.C1.S1 - 7.ª Secção, loc, cit.
[21] Repare-se que, sendo a decisão proferida por um tribunal de um Estado-Membro em violação de um pacto de eleição de foro – circunstância não arguida ou suscitada oficiosamente segundo a
lex fori (
v.g., artigo 97.º, n.º 1, do CPC, que impede o conhecimento
ex officio da violação de pacto de jurisdição) –, o tribunal de outro Estado-Membro onde a execução da decisão seja requerida não pode proceder à revisão da competência do tribunal de origem, ao abrigo do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Regulamento Bruxelas I-
bis. O mesmo acontece ao abrigo da Convenção de Lugano II, de 2007 (artigo 35.º, n.º 3), quando se pretender obter a declaração de executoriedade no tribunal de 1.ª instância do Estado contratante do destino (
id est, o Estado onde se pretenda ver a decisão reconhecida e/ou executada coercitivamente).
[22] Subsumindo-se, como veremos melhor,
infra (na decorrência da jurisprudência do TJUE), o contrato de concessão comercial a um
contrato de prestação de serviços, o artigo 4.º, n.º 1, alínea
b), do Regulamento (CE) n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (
Roma I), daqui decorre que a lei material aplicável ao contrato é
a lei do país em que o prestador de serviços tem a sua residência habitual; ou seja, dado que a concessionária tem a sede em Portugal, é aplicável a lei portuguesa – sobretudo os artigos 236.º e 238.º, ambos do Código Civil – no que tange à
interpretação das declarações negociais constantes do pacto de jurisdição inscrito nos dois documentos (contrato transferência de materiais” e “acordo de confidencialidade”).
[23] François-Xavier Train, “L’extension de la clause compromissoire”, in
Revue de l’arbitrage, n.º 2 (2017), p. 389 ss. (p. 417 e ss.).
[24] No caso
Premium Nafta Products Limited and others v. Fili Shipping Company Limited and others (United Kingdom House of Lords, 2007, 40), disponível, entre outros, no seguinte endereço eletrónico: https://publications.parliament.uk/pa/ld200607/ldjudgmt/jd071017/ship-1.htm.
[25] Numa mais recente decisão do
Court of Appeal de Inglaterra e do País de Gales, de 9.10.2019, no caso
BNP Paribas S.A. v Trattamento Rifiuti Metropolitani S.p.A. [2019] (EWCA Civ 768),
maxime, §§ 68, 70, este tribunal de 2.ª instância enumerou alguns critérios interpretativos da vontade negocial das partes que estipulam cláusula atributiva de jurisdição. Assim, o sentido e alcance destas cláusulas deve ser determinado principalmente a partir dos termos da própria cláusula e do próprio acordo contratual, aplicando-se os seguintes princípios orientadores:
(a) O objeto mais óbvio de uma cláusula de eleição de foro redigida de forma genérica num contrato é o facto de se destinar a abranger as pretensões feitas ao abrigo desse contrato e não de outro contrato, mais especialmente de outro contrato que contenha a sua própria cláusula atributiva de jurisdição ou outra disposição de resolução de litígios;
(b) Quando as disposições contratuais globais (ou o programa contratual global) das partes contêm dois pactos de jurisdição concorrentes, o ponto de partida é que um pacto de jurisdição inserido num contrato não se destina provavelmente a abranger litígios mais naturalmente considerados como decorrentes de um contrato conexo;
(c) Presume-se que é improvável que empresários sensatos pretendam que ações semelhantes sejam objeto de pactos de jurisdição inconsistentes;
(d) Deve, em primeiro lugar, presumir-se que os pactos de jurisdição concorrentes devem ser interpretados com base no facto de cada um deles tratar exclusivamente da sua própria matéria e de não se sobreporem, desde que os termos usados pelas partes e as circunstâncias envolventes o permitam;
(e) A linguagem e os termos usados pelas partes e as circunstâncias envolventes podem, no entanto, tornar claro que um litígio é abrangido pelo âmbito de ambos os pactos. Nesse caso, o resultado poderá ser a aplicação de uma das cláusulas de eleição de foro e não a exclusão da outra;
(f) No entanto, a possibilidade de
fragmentação pode ser inerente ao esquema dos acordos celebrados entre as partes e as cláusulas de eleição de foro claras e precisas devem ser aplicadas mesmo que isso possa resultar num
grau de fragmentação na resolução de litígios entre as partes;
(g) Quando as cláusulas de eleição de foro fazem parte de uma série de acordos, elas devem ser interpretadas à luz do programa contratual adrede estipulado,
no seu conjunto, tendo em conta o esquema global desses contratos e lendo as frases e expressões no contexto desse esquema global.
[26] Cfr., na jurisprudência britânica, em casos de transações financeiras complexas e contratos de
swap, a decisão do
Court of Appeal, de 7.05.2019, no caso
BNP Paribas SA v. Trattamento Rifiuti Metropolitani SpA [2019] EWCA Civ 768, § 107, disponível no seguinte endereço eletrónico:
https://www.bailii.org/ew/cases/EWCA/Civ/2019/768.html; veja-se Jo Braithwaite,
The Finantial Courts,
Adjudicating Disputes in Derivatives Markets, Cambridge, Cambridge University Press, 2021, p. 53.
[27] A
fase negociatória, constituída pelos actos tendentes à celebração do contrato, e a
fase decisória, constituída pela conclusão do acordo, são das fases distintas no
iter negotii. A última pode nem ocorrer. Ora, no momento da estipulação do pacto de jurisdição (
scilicet, na fase negociatória), as partes no caso
sub iudice não podem (não poderiam) objetivamente esperar ou confiar que a fase decisória chegue (ou chegasse) a bom termo para ambas e o contrato de concessão comercial venha (viesse) a ser celebrado. Todo este
iter pressupõe negociações avançadas.
[28] Embora a
relação pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) exija que elas se comportem com lealdade, probidade, correcção e boa fé, pois pode surgir confiança razoável de que o contrato que negoceiam será concluído, não pode esquecer-se que a relevância da fase pré contratual, designadamente para efeitos indemnizatórios, pressupõe a não conclusão ou a recusa de celebração do contrato e a rutura das negociações, não obstante a criação de legítimas expectativas de consumação do negócio. Nestas hipóteses, nem sequer há a
fase decisória e a
celebração de um contrato (de execução instantânea ou duradoura), relativamente à qual se possa equacionar a extensão do pacto de jurisdição a litígios que
nela possam vir a surgir. E, não se esqueça, à responsabilidade pré-contratual não pode ser aplicável,
qual tale (senão mediante adaptações caso a caso), o regime do contrato visado, porque este não foi concluído) – cfr. Luís Menezes Leitão,
Direito das Obrigações, vol. I.,
Introdução da Constituição das Obrigações, 16.ª ed., Coimbra, Almedina, 2022, p. 353 e ss.
[29] Assim, acórdão do TJUE, de 18.11.2020, proc. C-519/19 (
Ryanair DAC c. DelayFix), § 38 do acórdão, citando jurisprudência anterior.
[30] Entre outros, Reinhard Gaier, in Volkert Vorwerk / Christian Wolf,
BeckOK ZPO, 50.ª ed., cit., 2023, Brüssel Ia-VO Artigo 25, anotação à margem n.º 70; Astrid Stadler / Christian Krüger, in Hans-Joachim Musielak / Wolfgang Voit,
ZPO, Z
ivilprozessordnung, 20.ª ed., München, C. H, Beck, 2023, EuGVVO Artigo 25 [Zulässigkeit und Form von Gerichtsstandsvereinbarungen], anotação à margem n.º 15.
[31] Cfr. já neste sentido, o acórdão do TJUE, de 10.03.1992, proc. C-214/89 (
Powell Duffryn plc c. Wolfgang Peterei), § 31 do acórdão.
[33] Em sentido análogo, cfr. Sofia Henriques,
Os Pactos de Jurisdição, cit., 2006, p. 77.
[34] Já, assim, Miguel Teixeira De Sousa / Dário Moura Vicente,
Comentário à Convenção de Bruxelas, Lisboa, Lex, 1994, p. 39.
[35] Em sentido análogo, Sofia Henriques,
O Pactos de Jurisdição, 2006, cit., p. 78.
[36] Referindo-se ao acórdão tirado pelo TJUE, no citado caso
Powell Duffryn plc c. Wolfgang Peterei.
[37] In
Praxis des Internationalen Privat-und Verfahrensrecht (2015), pp. 154-158 (p. 156, § 44 do acórdão); Hannes Wais, “The concept of a particular legal relationship in Article 23 Brussels I Regulation and application of Article 5 No. 1 Brussels I Regulation in matters relating to a non-competition clause”, in
Praxis des Internationalen Privat-und Verfahrensrecht (2015), p. 127 ss.
[38] Vito D’Ambra, “El arbitrage en Italia”, Arbitraje internacional & medios alternativos de solución de litigios: retos y realidades. Impresa ed., Buenos Aires, Argentina, Ediciones Onbc y Association Andrés Bello, 2010, p. 19 ss. (p. 27).
[39] Tb. Lino Diamvutu, “Perspectivas de reforma da lei sobre a arbitragem voluntária angolana”, in A. Menezes Cordeiro (coord.),
Arbitragem Comercial, Estudos Comemorativos dos 30 anos do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Coimbra, Almedina, 2019, p. 641 ss. (p. 645); Lino Diamvutu, O
Favor Arbitrandum,
Ensaio de uma Teorização, Coimbra, Almedina, 2020, p. 213 ss., p. 219 ss.
[40] Neste sentido, a propósito da extensão
ratione materiae de uma convenção de arbitragem, acórdão do STJ, de 9.07.2015 (Mário Mendes), proc. n.º 1770/13.1TVLSB.L1.S1, in dgsi.pt.
[41] Veja-se uma situação paralela na jurisprudência portuguesa, no acórdão da Relação de Coimbra, de 19/12.2012 (Albertina Pedroso), proc. n.º 477/11.8TBACN.C1, in
www.dgsi.pt, num caso em que os juízes se confrontaram com três
contratos bilateralmente dependentes, mas apenas num deles constava a cláusula compromissória. Esta Relação entendeu, entre outras coisas, o seguinte: “A existência de partes distintas nos contratos e de pactos de atribuição de competência nos demais contratos, afasta a possibilidade de se concluir que a intenção das partes foi estender a competência do tribunal arbitral constante da cláusula compromissória dum deles, à apreciação de todos os litígios decorrentes dos mesmos”. Assim, sendo o tribunal judicial competente em razão da matéria para conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes, e existindo uma união de contatos bilateralmente dependentes, será o tribunal (estadual) competente para o conhecimento de questões relativas ao único dos três contratos cujos litígios as partes haviam estipulado submeter ao tribunal arbitral.
[42] Por exemplo, um contrato é
complemento ou execução de outro ou repete as disposições de contratos anteriores onde consta o pacto de jurisdição (ou a convenção de arbitragem), ou quando há
indivisibilidade de contratos ou
contratos interligados. No já referido acórdão do STJ, de 4.02.2016 (LopesDo Rego), foi entendido, e bem, que o pacto de jurisdição (atributivo da competência aos tribunais do Reino Unido) respeitava a vários contratos cuja
funcionalidade prática ou económica os conexionava funcionalmente com os mútuos bancários internacionais anteriormente celebrados com instituições financeiras dos Países Baixos e da Itália, já que visavam precisamente prevenir os riscos de flutuação das taxas de juros convencionadas nos referidos financiamentos. Tais contratos visam garantir a entidade financiada contra possíveis flutuações das taxas de juro, vigentes em cada momento.
[43] A. Pinto Monteiro,
Contratos de Distribuição Comercial, Coimbra, Almedina, 2002, p. 108.
[44] Já, nesse sentido, A. Pinto Monteiro,
Contratos de Distribuição Comercial, 2002, cit., p. 104.
[45] Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 25.02.2010, proc. C-381/08 (
Car Trim GmbH c. KeySafety Systems Srl), §§ 31 e 32;
idem, de 15.06.2017, proc. C-249/16 (
Saale Kareda c. Stefan Benkö), § 40 e jurisprudência aí mencionada;
ibidem, de 8.03.2018, proc. C-64/17 (
Saey Home & Garden, NV/SA c. Lusavouga‑Máquinas e Acessórios Industriais, SA), § 36.
[46] Acórdão do TJUE, de 4.07.2016, proc. C-196/15 (
Granarolo, cit.), § 40 do acórdão.
[47] A. Pinto Monteiro,
Contratos de Distribuição Comercial, 2002, cit., p. 105, p. 110.
[48] Guillermo Conde Gómez,
El Contrato de distribuición comercial en exclusiva en la propuesta de anteproyecto de Ley de Código Mercantil, UNED, 2020, p. 213 ss., disponível no seguinte endereço eletrónico: http://e-spacio.uned.es/fez/eserv/tesisuned:ED-Pg-DeryCSoc-Gconde/CONDE_GOMEZ_Guillermo_Tesis.pdf.
[49] J. L. Díaz Echegaray, “El contrato de distribución exclusiva o de concesión”, in A. Bercovitz Rodriguéz-Cano / M.ª Calzada Conde,
Contratos mercantiles, 5.ª ed, vol. I, Navarra, Thomson Reuters Aranzadi, 2013, pp. 735 e ss.; Oreste Cagnasso, “Concessione di vendita e franchising”, in
Contratti Commerciali(a cura di Gastone Cottino), Padova, Cedam, 1991, p. 379 ss. (pp. 383-386); entre nós, por todos, A. Pinto Monteiro,
Contratos de Distribuição Comercial, 2002, cit., pp. 105-106.
[50] Neste sentido, entre outros, cfr. o citado acórdão do TJUE, de 15.06.2017 proc. C-249/16 (
Saale Kareda c. Stefan Benkö), § 35 do acórdão.
[51] Isabel Antón Juarez, “Los retos de la litigación transnacional en la Unión Europea: ¿ Se há extendidodemasiado la “noción de matéria contractual” em el Reglamento Bruselas I?”, in
Cuadernos de Derecho Transnacional (março 2018), vol. 10, n º 1, pp. 525 ss. (p. 530).
[52] Acórdão do TJUE, de 19.12.2013, proc. C-9/12 (
Corman‑Collins SA c. La Maison du Whisky SA), § 38 do acórdão.
[53] Citado acórdão do TJUE, de 19.12.2013, proc. C-9/12 (
Corman‑Collins SA c. La Maison du Whisky SA), §§ 27, 28 e 41 do acórdão;
idem, de 8.03.2018, proc. C-64/17 (
Saey Home & Garden, NV/SA c. Lusavouga‑Máquinas e Acessórios Industriais, SA), §§ 41 e 42 do acórdão.
[54] Acórdão do TJUE, de 11.03.2010, proc. C-19/09 (
Wood Floor Solutions Andreas Domberger c. Silva Trade SA), §§ 33 e 34 do acórdão.