Inconstitucional; Agenda do Trabalho Digno; proibição de terceirização; irrenunciabilidade dos créditos laborais; atividade sindical na empresa; arbitragem para apreciação dos fundamentos da denúncia da convenção coletiva.
Este texto visa dar resposta a algumas questões de constitucionalidade que a reforma de 2023 (a Agenda do Trabalho Digno) do Código do Trabalho suscita. Analisaremos o artigo dos Professores Romano Martinez e Gonçalves da Silva e tentaremos contribuir para a análise de algumas das medidas mais controversas da reforma – a proibição de terceirização (artigo 338.º-A), a irrenunciabilidade dos créditos laborais (artigo 337.º, n.º 3), a atividade sindical na empresa (artigo 460.º, n.º 2), e a arbitragem para apreciação dos fundamentos da denúncia da convenção coletiva (artigo 500.º-A).
1. Introdução
2. Proibição de terceirização após despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho
3. Irrenunciabilidade dos créditos do trabalhador
4. Atividade sindical na empresa
5. Arbitragem para apreciação de denúncia da convenção coletiva
6. Conclusão
Bibliografia
Jurisprudência
1. Introdução
Este texto visa refletir sobre algumas questões que a reforma de 2023 (Agenda do Trabalho Digno – Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril) do Código do Trabalho
[1] suscita. O nosso propósito é, embora de forma modesta, contribuir para o aprofundamento do estudo da conformidade constitucional da nova reforma, sem descurar o enquadramento lógico-sistemático da mesma no Código do Trabalho. A reforma em causa, embora inovadora em muitos aspetos
[2], encerra algumas questões estruturantes altamente controversas e de difícil resolução uma vez que tenta conciliar direitos conflituantes cujo equilíbrio importa acautelar.
Iremos concentrar-nos nos novos artigos 338.º-A (proibição de terceirização), 337.º, n.º 3 (irrenunciabilidade dos créditos do trabalhador), 460.º, n.º 2 (atividade sindical na empresa) e 500.º-A (arbitragem para apreciação dos fundamentos da denúncia da convenção coletiva), tomando como referência o artigo
[3] dos Professores Romano Martinez e Gonçalves da Silva, uma vez que corresponde à tomada de posição mais abrangente e recente da doutrina sobre este tema
[4].
2. Proibição de terceirização após despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho
O novo artigo 338.º-A prevê o seguinte:
1. Não é permitido recorrer à aquisição de serviços externos a entidade terceira para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou por despedimento por extinção do posto de trabalho.
2. A violação do disposto no número anterior constitui contraordenação muito grave imputável ao beneficiário da aquisição de serviços.
Romano Martinez e Gonçalves da Silva consideram que a norma é inconstitucional i) por violação do núcleo essencial do direito à liberdade de iniciativa económica (artigo 61.º, n.º 1, da Constituição, doravante “CRP”), do direito à liberdade de escolha de profissão (artigo 47.º, n.º 1, CRP) e do direito à propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1, CRP), “preceitos que radicam, em última instância, na dignidade da pessoa humana”; e ii) por violação do Princípio da Igualdade na medida em que discrimina o empregador que, por maior capacidade económica, consegue circum-navegar o regime do despedimento coletivo ou do despedimento por extinção do posto de trabalho através de “revogações, pagando uma compensação mais «generosa»”
[5].
Antes de mais, somos obrigados a notar que os autores defendem, simultaneamente, três teorias distintas e mutuamente exclusivas acerca do que constitui uma ofensa ao núcleo essencial: sugerem que o núcleo essencial se descobre i) interpretando o conteúdo da garantia constitucional
[6], noutras situações ii) sugerem que se atinge o núcleo essencial quando existe uma restrição “sem o bem jurídico que o sustente”
[7] e, noutras ainda, iii) quando, simplesmente, existe uma restrição
[8]. Salvo o devido respeito, parece-nos que a construção dos autores falha em cinco pontos fundamentais.
Em primeiro lugar porque, salvo melhor opinião, é lógica e dogmaticamente contraditória. Repare-se que a primeira teoria presume uma noção absoluta de núcleo essencial
[9], mas a segunda e a terceira teorias sugerem uma noção relativa
[10]. Como melhor explica Jorge Miranda, na defesa da teoria absoluta, o núcleo essencial deve “funcionar como barreira última e efetiva contra o abuso de poder, como barreira que o legislador, seja qual for o interesse (permanente ou conjuntural) que prossiga” não pode ultrapassar
[11]. Ora, quando os autores se propõem a analisar o conteúdo do direito à liberdade de iniciativa económica em busca da prova que a conduta proibida pelo artigo 338.º-A integra o conjunto de situações que,
em caso algum, pode ser limitado, então, por definição, não podem lançar mão de expedientes como a procura de um motivo justificativo ou a noção de bem jurídico
[12].
Em segundo lugar porque a tese de Romano Martinez e Gonçalves da Silva de que se deve procurar um bem jurídico no núcleo essencial não geraria apenas um controlo de conformidade constitucional redundante
[13], arriscando, também, a ineficácia: as normas que restringissem direitos sem respaldo jurídico-constitucional seriam sempre legítimas… pois não haveria núcleo essencial para ofender.
Em terceiro lugar porque não vemos como, partindo de uma teoria absoluta, foi possível chegar à conclusão que o artigo 338.º-A atinge o núcleo essencial de três direitos com um conteúdo tão distinto
[14]. Esta dificuldade parece ser, implicitamente, reconhecida pelos próprios autores, pois analisaram o conteúdo do princípio da liberdade de iniciativa económica, mas avançaram apenas um pequeno detalhe sobre o conteúdo do direito à propriedade privada e o direito à escolha de uma profissão foi analisado,
en passant, numa única frase
[15]. A conclusão de que o artigo 338.º-A viola, simultaneamente, o núcleo essencial das três normas constitucionais
[16] sugere uma de duas hipóteses: ou os autores defendem que basta a mera restrição para ofender o núcleo essencial
[17], ou então avançaram conclusões que, em parte, são desprovidas de fundamentação,
i. e.,defenderam que a norma atinge o núcleo essencial do direito à escolha de uma profissão, mas dispensaram a respetiva prova. Acresce que, ainda que tenhamos em mente que o mesmo direito possa ser pesado numa colisão que opõe dois ou mais sujeitos, não nos parece adequado pensar que uma sanção que visa punir o despedimento materialmente desnecessário deve ser analisada, fundamentalmente, no quadro do direito à escolha da profissão do… empregador
[18].
A quarta razão é que, ainda que se ignorem os problemas
supra, convém pesar certas especificidades do Direito Contraordenacional, nomeadamente que o conteúdo axiológico-socialmente neutro deve dirigir-se não ao ilícito, mas à “
conduta em si mesma, divorciada da proibição legal; sem prejuízo de uma vez conectada com esta, ela passar a constituir substrato idóneo de um desvalor ético-social”
[19]. Repare-se que o artigo 338.º-A não desvalora a terceirização
em si, mas antes o facto de o agente ter despedido quando indicia não ter necessidade material de o fazer. Para mais, é nos claro que a norma protege um bem jurídico,
maxime a segurança no emprego do trabalhador. Se o protege nos limites da Constituição é algo que necessariamente terá de se sindicar, mas não se poderá dizer que o bem jurídico
não existe[20].
Finalmente, também não podemos acompanhar a sugestão de que a proibição de terceirização de serviços após um despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho viola a Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que a instrumentalização deste preceito como um mero
Princípio argumentativo-suplementar acaba por erodir o seu significado enquanto referencial axiológico ordenador do sistema de direitos fundamentais
[21].
Já o argumento de que se viola o Princípio da Igualdade, na nossa opinião, também não será de acolher por três ordens de razão. Em primeiro lugar porque os autores dispensaram a metódica do Princípio da Igualdade – afirmam que há uma distinção que favorece o empregador com maior capacidade económica e sugerem que, por esse facto, se dá por provada a ofensa à Constituição
[22]. Em segundo lugar porque a conclusão não decorre logicamente das suas premissas. Admita-se que, de facto, um empregador com maior poder económico se pode furtar aos riscos inerentes ao regime do despedimento, ao levar a cabo um conjunto de revogações, pagando compensações
mais generosas. Ora, este facto será relevante para o artigo 338.º-A, mas será
igualmente relevante para todo o regime do despedimento
[23],
e. g., o
empregador rico que opta pela revogação do contrato com o trabalhador em vez de abrir um procedimento com vista ao despedimento por facto imputável ao trabalhador furta-se aos vários riscos inerentes à aplicação desse regime, porém, deste facto nunca poderia decorrer que o regime da revogação ou do despedimento seriam inconstitucionais, por violação do Princípio da Igualdade. Parece-nos, aliás, que a tese dos autores é inerentemente contraditória: ou existem dados específicos que ilustram que o custo/benefício é aqui enviesado, ou então não se concebe como um maior investimento (a revogação com uma compensação superior) que promove um rendimento superior (o acesso ao
outsourcing) pode consubstanciar uma perturbação da concorrência
[24]. E, finalmente, porque o receio invocado não encontra sustento em factos, pois, ao contrário do que sugerem, a prática dita que as revogações não são utilizadas pelas grandes empresas, sendo antes um expediente de pequenas ou médias empresas (e até mais de microempresas)
[25].
Chegados a este ponto, cumpre esclarecer que, apesar de discordarmos da fundamentação de Romano Martinez e Gonçalves da Silva, consideramos que o artigo 338.º-A é inconstitucional por violação do Princípio da Proibição do Excesso. Porém, admitimos que se levantam uma série de questões subtis que cumpre responder.
O desvalor que o artigo 338.º-A associa à terceirização parece contradizer o regime do despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho – algo que Romano Martinez e Gonçalves da Silva aludem quando afirmam que o confronto do artigo 338.º-A com o regime do despedimento permite identificar uma “incongruência teleológica”
[26]. De facto, o despedimento coletivo (e por extinção do posto de trabalho) serve inúmeras realidades empresariais e uma das necessidades que a doutrina e a jurisprudência tipicamente concedem é, precisamente, a necessidade de reestruturação
[27]. Porém, na nossa opinião, não há aqui uma literal contradição jurídica por duas razões. Em primeiro lugar porque o
outsourcing é um
meio para obter a satisfação de uma necessidade da empresa, não é a
razão que motiva o despedimento nos termos dos artigos 359.º e 367.º. E, em segundo lugar, porque o Direito Contraordenacional atribui um desvalor ao comportamento do agente de harmonia com vetores de prevenção geral e de prevenção especial
[28], mas não se interessa pelo desvalor jurídico atribuído a certa declaração ou negócio, sendo essa uma competência do Direito Civil
[29]. Logo,
a priori, é constitucionalmente admissível que, por razões de segurança jurídica, a terceirização de serviços não seja suficiente para gerar a ilicitude do despedimento, mas, ainda assim, considerar-se que se deve punir o agente que, com a sua conduta, defraudou o sistema.
Debrucemo-nos agora sobre a natureza e fundamento do artigo 338.º-A. O legislador considerou que o empregador que despede e, posteriormente, contrata insinua, com esse comportamento, que tinha condições para manter o trabalhador, pelo que, face à sugestão de que inexistia a razão material que fazia pender para o seu lado a legitimidade do despedimento, salvo circunstâncias excecionais, a sua conduta será ilícita. Tendo em consideração o enunciado e o fundamento da lei, não parecem existir dúvidas interpretativas de que o artigo 338º-A prevê um ilícito de perigo
[30] e deverá ser pacífico que não é um perigo concreto
[31], nem um perigo abstrato
[32]. Como norma de perigo abstrato-concreto, ao abrigo do artigo 338.º-A, o empregador não incorrerá em responsabilidade contraordenacional se se provar
[33] que, no caso concreto, a sua conduta não era apta a gerar o perigo proibido. Ou seja, a conduta será lícita se a terceirização i) for
imprescindível, i. e. se for indispensável para o normal funcionamento da empresa e ii) se for
imprevisível,
i. e. se, ao tempo do despedimento, não se antevia a necessidade suprida pela terceirização.
Ora, o artigo 338.º-A passa o teste da idoneidade
[34] pois é apto a promover a segurança no emprego do trabalhador,
i. e., pela prevenção geral, reduz o risco de despedimento sem razões que, materialmente, o motivem. Porém, parece-nos que a norma falha o teste da necessidade
[35] – devemos aqui comparar o artigo 338.º-A com medidas alternativas dotadas de uma intensidade de satisfação, pelo menos, equivalentes. Propomo-nos agora a demonstrar que o legislador podia, por exemplo, ter densificado (essencialmente reduzindo) o leque de justificações em que se admite um despedimento por justa causa objetiva, ou até aumentado a intensidade dos poderes de cognição do tribunal, cabendo primeiramente identificar se estas medidas são abrangidas por uma proibição absoluta do meio. Nesta primeira análise aproveitaremos o facto de que o raciocínio se estenderá, por identidade de razão, ao artigo 338.º-A.
A margem de liberdade do legislador ordinário e do intérprete na definição do que pode, legitimamente, constituir justa causa objetiva é uma questão complexa e controvertida na doutrina e na jurisprudência. Não cabendo no objeto deste texto a sua investigação aprofundada
[36], devemos, ainda assim, assinalar que a doutrina e a jurisprudência maioritárias vão no sentido de considerar que, aqui, i) se confrontam o direito fundamental à segurança no emprego (artigo 53.º, CRP), por um lado e a liberdade de iniciativa privada (artigo 61.º, n.º 1, CRP), por outro
[37]; e ii) ao abrigo da lei atual, os poderes de cognição do tribunal limitam-se a um mero “controlo de veracidade” do motivo invocado pelo empregador e à verificação do respetivo nexo causalidade com o despedimento
[38]. Da nossa parte, concordamos que o regime do despedimento por justa causa objetiva deve obediência ao artigo 53.º, da Constituição
[39] e,
de jure constituto, concordamos que os poderes de cognição do tribunal se limitam ao controlo da veracidade e do nexo causal
[40], porém,
de jure condendo, inclinamo-nos para uma posição próxima da defendida por Júlio Gomes – o autor defende que o juiz deve efetuar um juízo de “proporcionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de proceder ao despedimento colectivo, [atendendo] à racionalidade desta decisão, às medidas alternativas apresentadas pelos representantes dos trabalhadores e à reação do empregador face a essas medidas”
[41]. Aqui reside o busílis do nosso argumento: o legislador podia ter vertido no Código a solução de Júlio Gomes, com mais ou menos variações. Ao contrário do que defendem alguns autores
[42], parece-nos que essa solução não ofenderia o núcleo essencial do direito à livre iniciativa económica, bastando, como prova, lembrar que a ordem jurídica já prevê situações em que o administrador não detém o monopólio da análise de mérito das decisões empresarias. Pense-se: i) na noção de insolvência culposa – cabe ao tribunal sindicar, nos termos do artigo 186.º, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante “CIRE” se a atuação dos administradores criou ou agravou a insolvência, exigindo, por definição, um juízo que pesa a adequação da ação e a existência de alternativas razoáveis ao ato praticado
[43]; ii) na responsabilidade do administrador perante os credores,
viz. na tensão da
business judgement rule do artigo 72.º, n.º 2, Código das Sociedades Comerciais, doravante “CSC”
vis-à-vis os deveres de cuidado do artigo 64.º, n.º 1, al. a), CSC. Como ensina Carneiro da Frada, “para o legislador português — e ao contrário do que ocorre noutros entendimentos —, a boa administração se apresenta, por princípio, como questão judicialmente sindicável”. Ou seja, “o administrador não responde pelos resultados da sua gestão, mas a sua forma de administrar pode ser judicialmente sindicada do ponto de vista daquilo que seria uma boa administração”
[44]; iii) na possibilidade de o juiz recusar a homologação de um plano de recuperação de empresa após se sindicar se “o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma”
[45]; ou até, iv) em contexto laboral, no exemplo avançado por Júlio Gomes
[46]: para aferir a licitude da mudança de local de trabalho o tribunal é forçado a identificar objetivamente o interesse da empresa. Não negamos que a sindicabilidade judicial da boa administração é um expediente que deve ser utilizado com parcimónia e no âmbito de exceções especialmente fundamentadas. Porém, se admitimos que as exceções
supra – que visam (salvo a última, claro) tutelar o património dos credores sociais, ou dos sócios da empresa – são constitucionalmente legítimas, então podemos afiançar que,
a priori, poder-se-á sindicar a boa administração do gestor para tutelar os interesses dos trabalhadores. Assim, damos por provada a legitimidade constitucional da alternativa que propusemos.
Dito isto, o artigo 338.º-A é desnecessariamente restritivo. Em primeiro lugar porque os custos financeiros associados a um controlo desta natureza não são de desprezar, quer no que diz respeito à verificação administrativa da terceirização, quer no acrescido esforço judicial – o
outsourcing é uma parte integrante de qualquer economia moderna, pelo que tudo leva a crer que aumentará a litigiosidade.
Em segundo lugar porque a medida é muito mais restritiva do direito à liberdade de iniciativa económica do que a proposta de Júlio Gomes sem oferecer vantagens discerníveis. Repare-se que o artigo 338.º-A foi muito mais longe que a proposta do autor, pois, hoje, o interesse da empresa pode ser extraordinariamente elevado e até justificável, mas, ainda assim, a terceirização continuar a ser ilícita. Para o artigo 338.º-A o ganho potencial ou real da empresa é irrelevante, pois o que afasta o preenchimento do tipo é a inexistência de perigo para o bem jurídico no caso concreto. Acresce que a solução de Júlio Gomes, sendo muito menos agressiva, até salvaguardaria melhor os interesses do trabalhador uma vez que geraria a ilicitude do despedimento.
A terceira razão – e provavelmente a mais preponderante – é que a lei limita a liberdade de contratação acriticamente, sem considerar a natureza da necessidade que a terceirização visa satisfazer. Supondo que uma empresa encerra um departamento jurídico e, posteriormente, procura aconselhamento jurídico por um qualquer motivo ou é processada. Ora, se o serviço terceirizado podia, previsivelmente, ter sido assegurado regularmente pelo trabalhador despedido, então a lei proíbe que a empresa se informe dos seus direitos e deveres e, no limite, proíbe que seja representada em tribunal por advogado. Na verdade, a norma tem um alcance de tal forma vasto que pode até gerar uma espécie de
ouroboros contraordenacional: será aberto novo processo contraordenacional se a empresa voltar a procurar aconselhamento jurídico, desta feita para saber como evitar a contraordenação
[47]. A inconstitucionalidade da norma é aqui patente, uma vez que o direito à defesa ou à informação jurídica nunca poderiam ser atingidos nestes moldes e muito menos quando o legislador tinha à sua disposição soluções que não os restringiam.
Assim, à luz da exposição
supra, a norma é inconstitucional.
3. Irrenunciabilidade dos créditos do trabalhador
Aditou-se ao artigo 337.º um 3º número:
3. “O crédito de trabalhador, referido no n.º 1, não é suscetível de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transação judicial.”
Consideram Romano Martinez e Gonçalves da Silva que a norma constitui uma restrição desproporcional do direito à autonomia privada (artigo 26.º, CRP) e, para o provar, avançam a seguinte fundamentação – a proibição de remissão abdicativa:
“1) Não é adequada para salvaguardar os fins pretendidos, ou seja, outros valores com idêntica ou superior dignidade;
2) Não é exigível, pois não se justifica;
3) E, finalmente, não cumpre a obrigação de respeito pela justa medida, uma vez que não há proporcionalidade entre a restrição – a afetação do princípio da autonomia privada – e a salvaguarda dos créditos laborais”.[48]
Não podemos concordar com esta apreciação.
Antes de mais porque é lógica e dogmaticamente impossível submeter uma norma ao segundo e terceiro
testes da Proporcionalidade, após se falhar o primeiro: os
testes do Princípio da Proporcionalidade são aplicados
sucessivamente[49]. A desnecessidade de submeter uma norma a um
teste após se falhar o anterior não surge por conveniência, apenas para poupar esforços ao intérprete, mas, pelo contrário, é logicamente extraível do conteúdo do Princípio da Proporcionalidade. Repare-se que, no princípio da necessidade, avalia-se se, do leque de hipóteses que seria
igualmente eficaz ou idóneo para atingir o fim, se escolheu o menos agressivo ou com menos custos
[50]. Ora, quando os autores afirmam que a norma falha o princípio da adequação e o princípio da necessidade, simultaneamente, estão a defender que a medida não é apta a prosseguir o seu fim e que existem outros meios que, não o prosseguindo também, são menos agressivos. Ou seja, com o objetivo de determinar a conformidade constitucional de uma norma, os autores convidam-nos a estudar o universo de alternativas arbitrárias e inidóneas
[51].
Analisemos agora cada um dos testes do Princípio da Proibição do Excesso.
Os autores consideram que, na adequação, o interesse salvaguardado deve revestir igual ou superior dignidade ao interesse sacrificado. Salvo melhor opinião, este entendimento falha o sentido do teste por duas razões. Em primeiro lugar porque o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência constitucionais vai no sentido de defender a exigência de uma igual ou superior
dignidade do valor promovido
[52], mas, tanto quanto nos é dado a conhecer, ninguém defende que esse critério é aferido na adequação. Para essa doutrina, a igual ou superior
dignidade é
pressuposto do Princípio da Proibição do Excesso e não se confunde com o conteúdo dos três testes. Para além das evidentes razões de clareza dogmática, esta separação serve uma razão prática: a tese de Romano Martinez e Gonçalves da Silva tornaria incompreensível o princípio da adequação – o teste serviria para impedir medidas arbitrárias e inidóneas, para salvaguardar uma hierarquia de interesses, ou para ponderar essa hierarquia no caso concreto?
[53] A segunda razão é que, ainda que a construção dos autores fosse de perfilhar, não concordamos que o crédito laboral seja, em abstrato, um valor com inferior
dignidade à liberdade para dele dispor. Na verdade, não vemos como poderia ser de outro modo,
i. e., como pode uma renúncia ao direito X ter uma
dignidade superior ao próprio direito?
[54] Mais: ao não ser possível identificar uma especial particularidade constitucional do direito à renúncia de
créditos laborais, os autores sugerem aqui um verdadeiro Princípio Jurídico, nomeadamente que
todos os direitos têm uma
dignidadeinferior à respetiva renúncia. Esta dedução da construção dos autores gera novas inquietações. É que a doutrina tradicional defendia a inalienabilidade de direitos fundamentais
[55] e, hoje, a doutrina maioritária vai no sentido de consentir a renúncia de direitos quando o sujeito dispõe de um modo livre e esclarecido
[56]. Porém, esta teoria esclarece que a liberdade para renunciar se deve ao facto de um direito, pela sua natureza, se encontrar ao serviço de um sujeito,
i. e., a disponibilidade do direito deve ser balizada na autonomia do indivíduo
[57]. Na nossa opinião, a renúncia é uma forma de exercício do direito, é uma parte do seu conteúdo normativo
[58], logo é inconcebível que uma fração do direito possa ter uma
dignidade superior à globalidade normativa que a anima. Romano Martinez e Gonçalves da Silva apenas poderiam ter razão se a fração do direito que escolheram (
in casu, a faculdade de renunciar) fosse valorada autonomamente por uma
lex specialis,
lex posterior, ou
lex superior[59]. Esclarecemos que o teste da adequação tem como objetivo filtrar as atuações arbitrárias ou absurdas, analisando se a medida é apta à satisfação do seu fim
[60]. Lembramos que, apesar de indispensável, a adequação é um teste relativamente simples de ultrapassar
[61] – pense-se no célebre aforismo de Fritz Fleiner sobre a utilização de canhões para atingir pardais
[62]. Concluímos, assim, que a irrenunciabilidade dos créditos do trabalhador é um meio idóneo à salvaguarda dos seus créditos laborais, pelo que se satisfaz o crivo da adequação.
Quanto ao subprincípio da necessidade, a fórmula dos autores de que a proibição “não é exigível, pois não se justifica” consubstancia uma petição de princípio. Da nossa parte, e dispensando a repetição da definição deste subprincípio
[63], consideramos que, uma vez que o receio do legislador se prende com a possibilidade de pressão sobre o trabalhador ou de manipulação dos seus interesses fora da esfera de atuação judicial, então a medida passa o crivo da necessidade,
i. e., poucas serão as alternativas
com a segurança de um controlo jurisdicional e não descobrimos uma menos agressiva.
Finalmente, quanto à proporcionalidade em sentido estrito, salvo o devido respeito, Romano Martinez e Gonçalves da Silva voltam a incorrer em petição de princípio – afirmam que a norma não é proporcional pois “não há proporcionalidade”. Porém, neste campo, admitimos que a questão da conformidade constitucional da norma pode ser legitimamente levantada. De facto, a norma limita a autonomia do sujeito que visa proteger, parte de um certo paternalismo
[64], ao sugerir que, por vezes, o trabalhador não reúne as condições para compreender o alcance dos direitos a que está a renunciar e, como bem apontam Romano Martinez e Gonçalves da Silva, promove a litigiosidade
[65]. Releva também para esta discussão o facto de o Tribunal Constitucional
[66] já se ter pronunciado pela não inconstitucionalidade da remissão abdicativa prevista no artigo 863.º, n.º 1, do Código Civil, quando aplicado ao domínio pós-laboral, argumentando que i) quando a vontade do trabalhador não foi livre e esclarecida, a lei já lhe concede mecanismos para invalidar a sua declaração,
e. g. o artigo 282.º, do Código Civil; e, ii) com a cessação do vínculo laboral, “tende a dissipar-se a situação de subordinação jurídica e económica que justifica a indisponibilidade de (certos) direitos do trabalhador.”
Até à reforma do Trabalho Digno, o entendimento maioritário da jurisprudência
[67] e da doutrina
[68] apontava no sentido de consentir a remissão abdicativa. Desprovida de caráter donativo
[69], para este entendimento, na remissão abdicativa “o empregador paga determinada importância, exigindo em troca a emissão daquela declaração a fim de evitar futuros litígios e, por sua vez, o trabalhador, aceita passar essa declaração em troco da quantia que recebe, evidenciando-se, assim, um verdadeiro acordo negocial com interesse para ambas as partes.”
[70] Convém, porém, não perder de vista a questão que aqui cumpre responder: não cabe no objeto deste trabalho analisar os méritos do entendimento
supra[71] e muito menos descobrir se a solução alvitrada pelo legislador é a que melhor salvaguarda os interesses das partes
[72], mas tão só descobrir se a norma opera nos limites da Constituição. Assim, consideramos que a norma não é desproporcional por seis razões.
Em primeiro lugar porque apesar de ser prática comum que o trabalhador renuncie como contrapartida da satisfação imediata de um crédito
[73] é falso que esteja dependente deste último. Ou seja, se a renúncia abdicativa for admissível, então nada impede que o trabalhador renuncie a
todos os seus créditos. Em segundo lugar porque o interesse do empregador é ostensivo – reduz o montante que deve e confia que a diferença não poderá ser exigida em sede judicial –, mas o interesse do trabalhador é subtil e, na maior parte das vezes, limitar-se-á à satisfação acelerada de uma fração do que lhe era devido
[74]. A terceira razão prende-se com o facto de não poder ser descurada a “pressão económica”
[75] que o empregador pode exercer sobre o trabalhador
[76],
i. e., ainda que extinta a relação laboral
[77], o empregador pode não se encontrar num domínio de plena igualdade face ao trabalhador
[78]. A quarta razão é que a total admissibilidade da remissão abdicativa sugere uma certa contradição valorativa: se a revogação pode configurar um “despedimento negociado”
[79], então ou reconhecemos que, nesta “negociação”, mantém-se a natural desigualdade entre trabalhador e empregador – sendo aceitável questionar a legitimidade da remissão abdicativa –, ou então afirma-se que o único tipo de “despedimento” em que não existe a necessidade de tutelar os direitos e interesses do trabalhador à luz dos vetores de Direito do Trabalho… ocorre quando este define os seus efeitos a sós com o empregador. A quinta razão é que a remissão abdicativa não foi absolutamente proibida, antes sujeita a transação judicial,
i. e., a lei não impede as partes de chegarem a um acordo, nem impede o trabalhador de renunciar aos seus créditos, antes visa garantir que o acordo, efetivamente, foi livre e esclarecido. E, finalmente, porque o entendimento dominante da jurisprudência
[80] e doutrina
[81] constitucionais vai no sentido de considerar que a prova da desproporcionalidade deve ser evidente e certa, concedendo-se ao legislador ordinário uma margem de liberdade significativa. A tudo isto acresce que a irrenunciabilidade de direitos atribuídos por normas injuntivas é aceite em ordenamentos estrangeiros,
e. g., o Direito italiano (artigo 2113.º,
Codice Civile) ou o Direito espanhol (artigo 3.º, n.º 5,
Estatuto de los Trabajadores). Assim, somos da opinião que o artigo 337.º, n.º 3 não viola o Princípio da Proibição do Excesso.
Chegados a este ponto cumpre analisar se a norma é formalmente
[82] inconstitucional por violação do direito à participação na legislação de trabalho (artigo 54.º, n.º 5, al. d) e artigo 56.º, n.º 2, al. a), CRP).
Romano Martinez e Gonçalves da Silva defendem que a norma exigia a participação das comissões de trabalhadores e associações sindicais, pois i) colide com a necessidade de proibir “normas surpresa” que decorre da teleologia dos artigos 54.º e 56.º, CRP; e ii) consubstancia uma “alteração «disruptiva» das relações laborais” que altera “indelevelmente vetores centrais das relações laborais”
[83]. Concordamos com a conclusão dos autores, mas, salvo melhor opinião, por razões diversas. O primeiro argumento não procede porque o artigo em causa não constitui uma “norma surpresa”, confirmação que se obtém após a submissão da lei ao teste do Princípio da Proteção da Confiança
[84]. É que muito dificilmente se poderá defender que o trabalhador inicia o contrato de trabalho investindo numa confiança juridicamente atendível de que, quando terminar a relação laboral, poderá renunciar aos seus créditos. O segundo argumento, de que a norma consubstancia uma alteração disruptiva
da relação laboral, incorre em petição de princípio, uma vez que parte do pressuposto de que a norma incide sobre legislação materialmente laboral e esse é precisamente o critério que tencionavam provar.
A ofensa ao direito de participação na elaboração da legislação do trabalho “depende de duas coisas: por um lado, de que se qualifique a norma em causa como
legislação laboral; por outro, de que, a sê-lo, não tenha sido efetivamente assegurada a participação”
[85]. A doutrina
[86] e jurisprudência
[87] sobre a noção material de legislação laboral são inabarcáveis, mas parece-nos que o melhor indício de que a norma exige participação pública reside na
ratio do artigo 337.º, n.º 3. A proibição de remissão abdicativa visa tutelar a desigualdade entre trabalhador e empregador que se projeta para lá da formal extinção do vínculo contratual, pelo que é a própria lei a reconhecer que são os vetores de Direito do Trabalho que norteiam o seu fundamento. Quando a Constituição confere às associações sindicais e comissões de trabalhadores o direito a participar na elaboração da legislação do trabalho, não atribui um poder de codecisão legislativo
[88], mas promove a aproximação das soluções legais às necessidades dos indivíduos, como vistas pelos próprios, no seio do princípio da democracia participativa
[89]. Não seria irrelevante para o legislador se, por hipótese, as associações sindicais, de forma unânime, considerassem que a proibição da remissão abdicativa geraria uma limitação desnecessária dos direitos do trabalhador, ou se as comissões de trabalhadores alertassem que a proibição promoveria a existência de acordos ocultos entre trabalhadores e empregadores.
Assim, a qualificação do artigo 337.º, n.º 3 como uma norma materialmente laboral resulta diretamente do seu fundamento, atingindo-se a teleologia do artigo 54.º, n.º 5, al. d) e do artigo 56.º, n.º 2, al. a), CRP, pelo que o artigo é formalmente inconstitucional.
4. Atividade sindical na empresa
A reforma de 2023 aditou ao artigo 460.º o seguinte enunciado:
2. “O disposto nos artigos 461º, 464º e 465º aplica-se igualmente a empresas onde não existam trabalhadores filiados em associações sindicais, com as necessárias adaptações.
3. O empregador que impeça injustificadamente o exercício previsto nos números anteriores incorre na prática de uma contraordenação muito grave.”
Com a alteração, os sindicatos
[90] gozam do direito a convocar reuniões no local de trabalho (dentro e fora do horário de trabalho), do direito a instalações e do direito a afixar e distribuir informação sindical, inclusive nas empresas onde não há filiados.
Defendem Romano Martinez e Gonçalves da Silva que a norma é inconstitucional pois alarga o direito a instalações sem limites ou critérios de representatividade. Consideram que, na nova redação, o empregador deve disponibilizar um espaço no interior ou na proximidade da empresa, no limite “a título permanente”, a um número “quase ilimitado” de sindicatos, lembrando que, em 2003, eliminou-se do artigo 8.º, n.º 2, da Lei Sindical o requisito mínimo quantitativo para a constituição de um sindicato. O direito a instalações presume custos para o empregador, restringindo os direitos à liberdade de iniciativa económica e à propriedade privada, pelo que que a norma será inconstitucional “por violação do princípio da proporcionalidade, mais especificamente da proporcionalidade em sentido estrito”
[91].
Os argumentos dos autores são ponderosos, mas, salvo melhor opinião, não podemos concordar. De facto, o alargamento do direito a instalações foi consagrado sem limites ou critérios de representatividade
expressos, mas convém notar que esse facto já resultava previamente da lei, sucedendo o mesmo com outros direitos que permitiam a atividade sindical na empresa. Infelizmente, por vezes, o legislador laboral é tomado por um certo furor legislativo e consagra normas desnecessárias, ineficazes, que sugerem um alcance mais político que jurídico ou com recurso a fórmulas obscuras
[92], pelo que, nestes casos, exige-se do intérprete um esforço interpretativo redobrado. O erro dos autores foi, parece-nos, terem preferido uma interpretação literal da lei onde esta nunca poderia caber. Repare-se que, se lermos o regime da atividade sindical da empresa literalmente, então rapidamente se geram dúvidas de constitucionalidade
[93]. Supondo que um sindicato notifica uma microempresa informando que reunirá, na empresa, fora do horário de trabalho, todos os dias durante um ano. A lei não veda
expressamente este exercício
[94]. Na verdade, o artigo 460.º, n.º 1,
a contrario sensu, permite que o empregador negue o requerimento do sindicato para a utilização de instalações a título permanente, mas, se lida literalmente, a lei sugere que está obrigado a aquiescer a
todos os pedidos que não sejam sobre a disponibilização permanente, no qual se insere, por definição, o direito a instalações a título
semi-permanente[95]. Repare-se também que a impossibilidade de afetar o “funcionamento normal da empresa” é expressamente referida no artigo 465.º quanto ao direito de afixação de distribuição de informação sindical, mas é dispensada quanto ao direito a instalações (artigo 464.º) ou quanto ao direto de reunir na empresa (artigo 461.º)
[96]: supondo que o empregador não pode, por razões práticas, disponibilizar um espaço na empresa, restando-lhe como única hipótese o arrendamento de um espaço na proximidade da empresa; imagine-se, porém, que a empresa está à beira da falência e o gasto com o arrendamento do espaço é financeiramente incomportável. Volta a não existir, na lei, critério
expresso que blinde este exercício. Porém, é evidente que se deve interpretar restritivamente este regime, sob pena até de o exercício destes direitos ser contraproducente e ferir de morte a saúde da empresa que serve de sustento aos trabalhadores. Nestes termos, as razões que fariam pender a balança a favor da inconstitucionalidade,
i. e., a inexistência de critérios
expressos de razoabilidade para o exercício dos direitos previstos nos artigos 461.º, 464.º e 465.º, são exatamente as mesmas antes e depois da reforma de 2023. É certo que o alargamento do exercício destes direitos a sindicatos sem filiados na empresa aumenta a probabilidade de abusos, mas, no plano jurídico, o leque de condutas inaceitáveis não foi alterado. Como procurámos demonstrar, o regime de atividade sindical na empresa, pela sua natureza, exige que se interprete restritivamente a lei, concedendo uma larga margem interpretativa sobre os limites ao exercício destes direitos e nada nos leva a crer que o artigo 460.º, n.º 2 destoa deste registo.
Lembramos, também, que o empregador pode lançar mão de expedientes como o abuso de direito
[97], por forma a impedir o exercício abusivo e desproporcional do direito à atividade sindical. A jurisprudência não é profícua quanto a esta questão – aparentemente porque as partes, casuisticamente ou por IRCT
[98], naturalmente, chegam a entendimentos sobre os limites destes direitos –, mas é pacífico que o exercício de um direito “fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante”
[99] é inaceitável. A “desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem”
[100], continua a ser uma realidade inadmissível por força da figura do abuso de direito.
A tudo isto acresce que o fundamento do artigo 460.º, n.º 2, parece ser que os custos de “expansão” de um sindicato não sejam sempre suportados pela empresa
anterior. Ou seja, visa permitir que a empresa
ainda sem filiados possa suportar o exercício da atividade sindical que dará origem à filiação – repare-se que os direitos previstos no artigo 460.º, n.º 2 são os estritamente necessários à expansão
[101]. Ora, se a
ratio da norma se prende com a
expansão do sindicato, então os limites ao exercício do direito à atividade sindical devem ser funcionalizados a esse interesse. Nestes termos, não serve o exemplo avançado por Romano Martinez e Gonçalves da Silva de que um sindicato sem filiados na empresa possa exigir a utilização de instalações
a título permanente – como uma expansão é, por definição, transitória, nunca será possível, pelo artigo 460.º, n.º 2, exigir a utilização permanente de instalações
[102].
5. Arbitragem para apreciação de denúncia da convenção coletiva
A Reforma de 2023 aditou uma nova arbitragem. O novo artigo 500.º-A reza assim:
1. “Em caso de denúncia de convenção coletiva, a parte destinatária da denúncia pode requerer ao presidente do Conselho Económico e Social arbitragem para apreciação da fundamentação invocada pela parte autora da denúncia nos termos do n.º 2 do artigo anterior.
2. O requerimento de arbitragem deve ser apresentado no prazo de 10 dias a contar da data da receção, pela parte destinatária da comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior.
3. O requerimento de arbitragem suspende os efeitos da denúncia, impedindo a convenção de entrar em regime de sobrevigência, nos termos do n.º 3 do artigo 501.
4. A declaração de improcedência da fundamentação da denúncia, pelo tribunal arbitral, determina que a mesma não produz efeitos.
5. A parte destinatária da denúncia informa o serviço competente do ministério responsável pela área laboral do requerimento referido no n.º 1 e o tribunal arbitral informa o mesmo serviço do teor da decisão arbitral na data da notificação às partes.
6. A arbitragem rege-se pelo disposto nos artigos 512.º e 513.º e por legislação específica.”
Romano Martinez e Gonçalves da Silva consideram que a lei “direciona-se para uma restrição desproporcional do direito de contratação coletiva”, pois “face a mais «um degrau»”, qualquer uma das partes pode, interpondo a ação em tribunal arbitral, gerar a “indefinição e prolongamento de uma fonte que, por natureza, tem vocação temporária e transitória”. Consideram também que a norma não é “
per se violadora da Constituição”, mas que “dependendo do modo como vier a ser concretizada, pode colidir com vetores essenciais, mormente a liberdade coletiva”. Afirmam que o artigo 500.º-A exige uma “interpretação conforme à Constituição”, pois sendo constitucionalmente inaceitável que um tribunal arbitral possa sindicar o mérito dos motivos da denúncia, sob pena de existir um “juiz gestor”, então deverá preferir-se a interpretação de que o tribunal arbitral se limita a sindicar a veracidade dos factos invocados na denúncia
[103].
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com esta construção.
Antes de mais, e começando pela questão da sobrevigência, somos obrigados a notar que o conceito de
direção desproporcionalé juridicamente inaceitável. É que, naturalmente, o Princípio da Proporcionalidade apenas pode servir como controlo de constitucionalidade quando se analisa a colisão em concreto
[104],
i. e., a intensidade de qualquer nova limitação à “liberdade coletiva” deve sempre ser sopesada contra as justificações que, em concreto, motivam a restrição. Como bem aponta Rosário Palma Ramalho a matéria da vigência das convenções coletivas é especialmente delicada, exigindo do legislador ordinário uma especial atenção aos dois valores essenciais que aqui conflituam: a necessidade de garantir a estabilidade dos regimes laborais e a específica dimensão transitória dos regimes coletivos que, quase por definição, convocam a necessidade de estabelecer regimes temporalmente limitados
[105]. Assim, e atendendo à especial necessidade de analisar cada medida no quadro jurídico-sistemático em que se insere, não compreendemos como poderiam Romano Martinez e Gonçalves da Silva adivinhar o universo de circunstancialismo de certa “direção”
[106]. Podemos até acompanhar os autores no plano “político”,
i. e., também nos parece que a crescente tendência para alargar a vigência das convenções coletivas pode não servir os melhores interesses das partes, mas este juízo não se confunde com a análise da conformidade constitucional da norma. É verdade que a possibilidade de paralisar os efeitos da sobrevigência da convenção traduz uma alteração significativa da lei
[107], mas já antes o sistema nutria uma natural aversão ao vazio normativo
[108], circunstância evidenciada por mecanismos como o regime da sobrevigência
[109], a estatuição da denúncia como uma “denúncia construtiva”
[110], ou até pela possibilidade de acesso à arbitragem – necessária e obrigatória
[111]. Mais: a sugestão dos autores de que o prolongamento indefinido da convenção coletiva é inconstitucional tem como corolário que, até à entrada em vigor do Código do Trabalho em 2003 (e posterior aprofundamento pela revisão de 2009), se violava a Lei Fundamental – recordamos que vigorava o “princípio da continuidade”,
i. e., ao abrigo do artigo 11.º, do Decreto-Lei n.º 519/C1/79, de 29 de Dezembro
[112], uma convenção coletiva apenas cessava a sua vigência com a substituição por outro instrumento de regulação coletiva
[113].
Assim, a suspensão do regime da sobrevigência não é suficiente para ferir a norma de inconstitucionalidade por três razões. Em primeiro lugar porque, como vimos, se considerarmos que, até 2003, a lei não era inconstitucional, então,
a fortiori, a mera paralisação do regime de sobrevigência dificilmente poderia sê-lo. Em segundo lugar porque a necessidade de impedir o desaparecimento imotivado dos direitos atribuídos por convenção coletiva é fundamento suficiente para limitar a eficácia temporal da convenção
[114]. E, em terceiro lugar, porque esta surge também como consequência lógica da lei. Ou seja, a bem da verdade, no que ao artigo 500.º-A diz respeito, não é séria a mera discussão dos perigos da “perpetuidade unilateral”
[115]vis-à-vis a necessidade de se evitar o vazio normativo, pois, de regra, será constitucionalmente admissível suspender os efeitos de um ato que se impugna e, a não sê-lo no caso em apreço, ou se evidenciam perigos inerentes à manutenção dos efeitos da denúncia que não conseguimos identificar, ou a própria impugnação é constitucionalmente inaceitável.
Quanto à questão da sindicabilidade dos motivos da denúncia
[116], Romano Martinez e Gonçalves da Silva consideram que “existe um lugar paralelo que seguramente relevará para fixar os limites de apreciação do tribunal arbitral”, nomeadamente os “poderes de cognição do tribunal judicial em matéria de despedimento coletivo.”
[117] Para os autores, este será o critério que define a “interpretação conforme à Constituição”. Não podemos concordar.
Comecemos por identificar o domínio de atuação dos tribunais arbitrais em matéria de contratação coletiva. Como bem explica Remédio Marques esta arbitragem visa produzir “um acto materialmente normativo (modificativo ou constitutivo de normas jurídicas vazadas precisamente na convenção coletiva de trabalho), pelo que esta atividade dos árbitros não é, na essência, uma atividade jurisdicional.”
[118] Na verdade, o facto de não ser uma atividade jurisdicional é precisamente o que leva João Reis
[119] a concluir que a arbitragem regulada pelos artigos 508.º e ss. não contende com o direito de acesso aos tribunais. Para o autor esta visa resolver “conflitos de interesses”, lembrando que o objeto da decisão arbitral nunca poderia ser reproduzido por tribunal judicial. Os autores têm aqui toda a razão. A norma que, num espírito em tudo idêntico ao artigo 505.º, n.º 3, atribuísse à sentença de um tribunal judicial os efeitos de uma convenção coletiva seria ostensivamente inconstitucional
[120]. Nestes termos, cai por terra o raciocínio de Romano Martinez e Gonçalves da Silva de que os poderes de apreciação do tribunal arbitral necessariamente terão de ser balizados por referência aos poderes de cognição dos tribunais judiciais. Poder-se-ia contra-argumentar que, ao não produzir “um ato materialmente normativo”, a arbitragem prevista no artigo 500.º-A visa cumprir uma função jurisdicional. Porém, este entendimento não procede. É que o artigo 500.º-A, n.º 4 esclarece que o tribunal arbitral tem competência para declarar a “improcedência
da fundamentação da denúncia”,
i. e., analisa a fundamentação da denúncia no âmbito do
conflito de interesses e não a perfeição jurídica da mesma. Para mais, a tese oposta não explicaria o enquadramento sistemático do artigo 500.º-A, nem porque é que, nos termos do artigo 500.º-A, n.º 6, a orgânica do tribunal e a escolha dos árbitros seria exatamente a mesma que a dos restantes
tipos de arbitragem
[121].
No quadro do atual regime, parece-nos muito difícil defender que a arbitragem para apreciação da denúncia é inconstitucional. É que os poderes que a lei outorga à arbitragem obrigatória e necessária são poderosíssimos e limitam sobremaneira o direito à contratação coletiva. Comparativamente, verificar se os motivos de uma denúncia foram arbitrários ou se correspondem a um mínimo de lógica empresarial assume-se como uma limitação insignificante do mesmo direito. Repare-se que a declaração de ineficácia da denúncia terá como efeito que a convenção (de regra, acordada pelas partes) continue em vigor e, pelo contrário, as decisões arbitrais emitidas ao abrigo dos artigos 508.º e ss. podem ter um conteúdo que nenhuma das partes deseja
[122]. Aqui reside, portanto, a contradição de Romano Martinez e Gonçalves da Silva: os autores consideram que um tribunal arbitral (obrigatório ou necessário) que assume as vestes de “juiz gestor” e define a
totalidade do regime aplicável às partes é constitucionalmente admissível
[123], mas defendem também que jamais poderia um tribunal arbitral sindicar se os motivos de uma denúncia são compreensíveis no quadro de um mínimo de lógica empresarial.
Da nossa parte, admitimos que temos algumas dúvidas sobre a conformidade constitucional do atual regime de arbitragem obrigatória e necessária
[124], mas, se considerarmos que estas são conforme à Constituição, então não vemos como defender que o artigo 500.º-A é inconstitucional.
6. Conclusão
Apresentaremos agora, sumariamente, algumas conclusões acerca da conformidade constitucional dos artigos que nos propusemos a analisar.
O artigo 338.º-A (proibição de terceirização) é inconstitucional por violação do Princípio da Proibição do Excesso, atingindo-se o subprincípio da necessidade – bastaria, por exemplo, reduzir o leque de justificações para o despedimento ou aumentar a intensidade dos poderes de cognição do tribunal. Estas alternativas são constitucionalmente legítimas e i) oferecem menos custos; ii) tutelariam melhor os interesses do trabalhador pois gerariam a ilicitude do despedimento; e iii) não se atingiria acriticamente a liberdade de contratação – o artigo 338.º-A limita, por exemplo, o direito à defesa ou à informação jurídica.
O artigo 337.º, n.º 3 (irrenunciabilidade de créditos laborais) não fere o Princípio da Proibição do Excesso
. Não viola a adequação pois é idóneo a tutelar os créditos do trabalhador e não viola a necessidade pois poucas serão as alternativas com a segurança de uma medida judicial e não descobrirmos uma menos intensa. O artigo também não viola a proporcionalidade em sentido estrito, pois o intérprete deve ter em mente que i) a remissão abdicativa consentiria que o trabalhador renunciasse a todos os seus créditos, sendo constitucionalmente legítimo considerar que os interesses do trabalhador são, na maior parte das vezes, ténues; ii) o trabalhador pode renunciar por estar ainda sujeito a pressão económica do empregador; iii) a revogação pode configurar um “despedimento negociado”, pelo que parece contraditório afirmar que o único tipo de “despedimento” em que cessa a necessidade de tutelar os interesses do trabalhador à luz dos vetores de Direito do Trabalho ocorre quando este define os seus efeitos a sós com o empregador; iv) o entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência vai no sentido de considerar que a prova da desproporcionalidade deve ser evidente; e v) a irrenunciabilidade de créditos atribuídos por normas injuntivas é aceite no Direito Comparado. Contudo, o artigo é formalmente inconstitucional por violar o direito à participação na legislação do trabalho: a qualificação do artigo 338º-A como uma norma materialmente laboral resulta diretamente do seu fundamento, atingindo a teleologia da democracia participativa que a Constituição visa promover.
O artigo 460.º, º 2 (atividade sindical na empresa) não atinge o Princípio da Proibição do Excesso porque a inexistência de critérios
expressos para o exercício dos artigos 461.º, 464.º, e 465.º já resultava previamente da lei. Ou seja, o regime da atividade sindical na empresa presume uma margem interpretativa considerável acerca dos limites ao exercício destes direitos e nada nos leva a crer que o artigo 460.º, n.º 2 destoa deste registo. Acresce que i) o empregador pode lançar mão de expedientes como o abuso de direito, que, de todo o modo, obstam ao exercício desproporcionado do direito e ii) o artigo 460.º, n.º 2 visa permitir que os custos de
expansão de um sindicato não sejam sempre suportados pela empresa
anterior, pelo que os limites ao exercício
desta atividade sindical na empresa devem ser funcionalizados a este interesse.
No artigo 500.º-A (arbitragem para apreciação dos fundamentos da denúncia de convenção coletiva) o tribunal pode conhecer o mérito da denúncia pois visa resolver um “conflito de interesses”. Temos algumas dúvidas sobre a conformidade constitucional do atual regime de arbitragem obrigatória e necessária pois, na nossa opinião, limita de um modo muito intenso o direito de contratação coletiva. O novo artigo 500.º-A obtém o mesmo benefício (visa evitar o vazio normativo, materialmente, desnecessário), mas, comparativamente, assume-se como uma limitação insignificante do mesmo direito. Assim, assumindo que o regime de arbitragem obrigatória e necessária não era inconstitucional, então também não o será o novo artigo 500.º-A.
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Jurisprudência
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Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: (Fernandes Cadilha), de 24/05/2006, n.º 06S379, (Pinto Hespanhol), de 10/12/2009, n.º 884/07.1TTSTB.S1, (Sousa Grandão), 25/11/2009, n.º 274/07.6TTBRR.S1, (Fernandes da Silva), de 09/07/2015, n.º 53/12.9TTVIS.C1.S1, (Ana Luísa Geraldes), de 03/01/2016, n.º 1521/13.0TTLSB.L1.S1, (António Leones Dantas), de 11/12/2019, n.º 7031/16.7T8FNC.L1.S1, (Júlio Gomes), de 07/09/2022, n.º 16670/17.8T8PRT.P1.S1;
Acórdão da Relação de Guimarães: (João Peres Coelho), de 01/06/2017, n.º 280/14.4TBPVL-E.G1;
Acórdão da Relação do Porto: (Rita Romeira) de 18/01/2021, n.º 1957/19.3T8VFR.P1;
Acórdãos da Relação de Coimbra: (Luís Cravo), de 09/01/2017, n.º 102/11.8TBALD.C2, (Ramalho Pinto), de 10/11/2017, n.º 1556/15.9T8GRD.C1;
Acórdãos da Relação de Lisboa: (Duro Mateus Cardoso), de 20/06/2018, n.º 1551/15.8T8LSB.L1., (Cristina Almeida e Sousa), de 13/11/2019, n.º 9650/18.8T9LSB.L1-3, (Vera Antunes), de 15/06/2023, n.º 147/06.0TCSNT-B.L1-6;
Acórdão da Relação de Évora: (Mário Branco Coelho), de 15/04/2021, n.º 3404/17.6T8STR.E1.
[1] Neste texto, todos os artigos sem a respetiva indicação da fonte referem-se ao Código do Trabalho.
[2] A Exposição de Motivos da Proposta de Lei 15/XV evidencia objetivos ambiciosos, nomeadamente a promoção do “emprego e a sua qualidade, reduzindo a precariedade e incentivando a negociação coletiva”.
[4] Pedro Romano Martinez e Luís Gonçalves da Silva também analisaram o novo artigo 25.º, n.º 7, mas, apesar de discordarmos da construção dos autores, dispensámos a análise deste artigo, pois parece-nos que não gera dúvidas de (in)constitucionalidade – na nossa opinião, é a própria lei que faz fé da sua natureza meramente exemplificativa, esclarecendo que “são
ainda consideradas práticas discriminatórias,
nos termos do número anterior”. Esclarecemos, também, que o presente texto não aspira resolver todas as questões de conformidade constitucional que a reforma pode suscitar.
[5] id., pp. 296-311 e 361.
[6] id., pp. 298-305. Os autores listam as várias manifestações do direito à liberdade de iniciativa económica, terminando a sua análise com a frase: “ora
, como resulta do exposto, o conteúdo nuclear da liberdade de iniciativa económica é manifestamente afetado” (itálico nosso) –
id., p. 305.
[7] Explicitamente em
id., p. 310, tese que voltam a sugerir noutros pontos do texto,
e. g. quando afirmam que não se encontra razão para a restrição (
id., p. 308), ou quando afirmam que não se salvaguardam outros direitos fundamentais (
id., p. 305).
[8] Argumentam que “é, portanto, manifesto que, ao vedar a possibilidade de o empregador recorrer à terceirização de serviços, a proibição está a restringir este direito”,
i. e. o direito à livre iniciativa económica (
Cfr.
id., p. 308). Não descobrimos o ponto que os autores querem aqui deslindar. É que, naturalmente, a existência de uma restrição a um direito nada prova acerca da sua conformidade constitucional – algo que os próprios aludem ao longo do seu texto: afirmam 6 vezes que os direitos fundamentais não são absolutos (
id., pp. 284, 301, 321, 354), 3 vezes que não há direitos ilimitados (
id., pp. 283, 351) e 7 vezes que há limites para os direitos (
id. pp. 301, 320, 325, 337, 351, 352, 354). Ainda considerámos a hipótese de os autores defenderem a teoria dos limites imanentes, mas essa interpretação é afastada pelos próprios quando afirmam seguir a noção de “restrição de direitos” e “limite” de direitos de Jorge Miranda (
id., p. 351).
[9] Muito sumariamente: na teoria absoluta o conteúdo do direito é abstratamente identificável e será possível destilar da interpretação constitucional um conjunto de situações que, por destruir a essencialidade do direito, em caso algum poderá ocorrer; já na teoria relativa o núcleo essencial é atingido quando existe uma
desproporção entre a necessidade de prossecução do fim da norma e a intensidade da restrição. Para um estudo mais aprofundado, analisando as fragilidades de cada teoria, veja-se
Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, 3ª ed., Lisboa, AAFDL, 2021, pp. 779-798.
[10] Na verdade, a primeira teoria é defendida por alguma doutrina,
e. g. Jorge Miranda (veja-se a nossa nota de rodapé 11,
infra), mas não conhecemos autores que defendam que, na ofensa ao núcleo essencial, se deve procurar um
bem jurídico ou que basta existir uma restrição. Sem pretensões de exaustividade, veja-se: na doutrina portuguesa:
Vitalino Canas, O Princípio da Proibição do Excesso na Conformação e no Controlo de Atos Legislativos, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 500 e ss.;
José Joaquim Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 394-395; Jorge Reis Novais,
As restrições aos direitos…,
ibidem., pp. 779-798;
José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 6ª ed., reimpr., Coimbra, Almedina, 2021, pp. 287-288 e 314 e ss.;
Manuel Afonso Vaz, Lei e Reserva de Lei, A causa da Lei na Constituição Portuguesa de 1976, 1ª reimpr., Porto, Católica Editora, 1996, pp. 332-333;
Benedita Mac Croire, Os Limites da Renúncia a Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 259 e ss.; na doutrina espanhola:
Juan Carlos Gavara de Cara, Derechos Fundamentales y Desarrollo Legislativo, La Garantia del Contenido essencial de los Derechos Fundamentales en la Ley Fundamental de Bonn, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1994, pp. 23 e ss.;
Juan Manuel Rodríguez Calero, “La garantia del contenido essencial de los derechos fundamentales en el ordenamiento jurídico español”, Frónesis: revista de filosofia jurídica, social y política, vol. IX, n.º 1, 2002, pp. 29-56;
Antonio Luís Martínez-Pujalte, La Garantía del Contenido Esencial de los Derechos Fundamentales, Cuadernos y Debates, n.º 65, Madrid, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1997, pp. 150 e ss.;
Juan Cianciardo, El Conflitivismo en los Derechos Fundamentales, Pamplona, 2000, pp. 251 e ss.; na doutrina argentina: (sobre a legitimidade da restrição),
Laura Clérico, El examen de proporcionalidade en el derecho constitucional, Buenos Aires, Eudeba, 2009, pp. 86 e 97 e ss.; ou na doutrina alemã:
Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 3ª ed., Frankfurt, Suhrkamp, 1996, pp. 267 e ss.;
Peter Häberle, Die Wesensgehaltgarantie des Artikel 19, Abs. 2 Grudgesetzt, 3ª ed., Heidelberg, C. F. Müller Verlag, 1983, pp. 236 e ss.,
Manfred Stelzer, Das Wesengehaltsargument und der Grundstatz der Verhältnismäßigkeit, Forschungen aus Staat und Recht 94, Wien, Springer-Verlag, 1991, pp. 49 e ss., 83 e ss., 100-103 e 229 e ss.
[12] Parece-nos que entram em contradição em
id. pp. 305, 310, 336. Vemos duas leituras alternativas, mas ambas feridas do mesmo tipo de lapso: i) se os autores defendem, em toda a linha, uma teoria relativa de núcleo essencial, então debruçaram-se sobre o direito à liberdade de iniciativa económica
como se defendessem uma teoria absoluta (
id. p. 305) e prescindiram totalmente da análise de proporcionalidade que lhe serviria de prova –
cfr. id., pp. 298-305; e ii) se visaram aqui apenas reforçar que, para além de violar o núcleo essencial, a norma também não tem bem jurídico, então incorreram na mesma contradição, pois, nesta leitura, a ofensa ao núcleo essencial, por definição, afasta a aplicação do Princípio da Proibição do Excesso – veja-se
Jorge Reis Novais, Limites dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2023, pp. 238-243.
[13] Esta é a crítica que a doutrina tipicamente aponta à teoria relativa – como a ponderação de interesses já ocorre no Princípio da Proibição do Excesso, o controlo do núcleo essencial torna-se inútil. Veja-se, Jorge Miranda,
Manual de Direito Constitucional, vol. II, Tomo IV,
ibidem., p. 348-350.
[14] Não negamos que os três direitos partilham parte do seu conteúdo, mas dificilmente se poderá afirmar que, pela simples via interpretativa, se descobre uma coincidência do “coração do direito” (expressão de Vieira de Andrade, que abandona em edições posteriores do seu manual,
cfr.
José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, reimpr., Coimbra, Almedina, 1987, p. 233) das três normas constitucionais. Lembramos que toda a limitação à liberdade (contratual ou não) restringe o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do artigo 26.º, n.º 1, da CRP, mas, naturalmente, o artigo 338º-A não atinge o seu núcleo essencial – sobre a ubiquidade das restrições ao livre desenvolvimento da personalidade, veja-se
José Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituição portuguesa, vol. II, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 492 e ss..
[15] Afirmam que a liberdade de escolha de uma profissão engloba “a prática de atos jurídicos, sejam atinentes às relações laborais, sejam relativos a quaisquer outras matérias decorrentes da necessidade do exercício profissional” (
id., pp. 307-308). Os autores têm aqui toda a razão, mas ainda que esta passagem ilustre adequadamente que o artigo 338º-A restringiu o direito à escolha e exercício de uma profissão, não concordamos que sirva de argumento à ideia que foi atingido o seu núcleo essencial. Toda e qualquer restrição à satisfação de “matérias decorrentes da necessidade do exercício profissional” atinge o núcleo essencial do direito?
[17] Tese que sugerem defender em
id., p. 305, criticada na nossa nota de rodapé 8
supra.
[18] Esclarecemos que não confundimos aqui o conteúdo do direito à escolha da profissão do artigo 47º, CRP com o direito à segurança no emprego do artigo 53.º, CRP (a este respeito, veja-se
Jorge Miranda, Rui Medeiros, Anotação ao artigo 47.º, in: Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2ª ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, pp. 698-709 e Rui Medeiros, Anotação ao artigo 53.º, in: Jorge Miranda, Rui Medeiros,
Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2ª ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, pp.
760-773. Antes chamamos à atenção que, se partirmos da conceção maximalista de núcleo essencial de Romano Martinez e Gonçalves da Silva –
in casu, como a proibição de terceirização limita a liberdade de iniciativa económica, limita
igualmente todos os direitos que com esta partilham o seu conteúdo, nomeadamente o direito à propriedade privada e à liberdade de escolha de uma profissão –, então temos de considerar que o direito a escolher e exercer a profissão, necessariamente, engloba o direito a não ser despedido sem motivo imperioso. Ou seja, o que pretendemos aqui demonstrar é que nos parece contraditório defender um alcance de núcleo essencial tão vasto quando se tutela o empregador, prescindindo da mesma lógica quando se pesa o interesse do trabalhador.
[19] Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Tomo I, 3ª ed., Coimbra, Gestlegal, 2019, pp. 186-191. No mesmo sentido,
Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2011, pp. 27-28 e, na jurisprudência, os
Acs. do TC n.ºs 461/2011 e 85/2012. Em sentido contrário,
Américo Taipa de Carvalho,
Direito Penal, Parte Geral, 2ª ed., reimpr., Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pp. 235 e ss.
[20] A tese de Romano Martinez e Gonçalves da Silva de que o artigo 338.º-A não “visa salvaguardar o emprego, mas antes sancionar o empregador que pretende reestruturar a sua empresa” não procede. O intérprete deve ter em mente o artigo 9.º, n.º 3, Código Civil e presumir a boa vontade do legislador. A norma pode até ser inconstitucional, mas claramente visa punir um despedimento que se indicia ter sido desnecessário e nada nos sugere que o legislador, em total desprezo da tutela da segurança no emprego do trabalhador, visou apenas e só punir o empregador
pela reestruturação.
[21] Quanto a este receio veja-se
Paulo Otero, Instituições Políticas e Constitucionais, vol. I, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 533-534. Acresce que Romano Martinez e Gonçalves da Silva avocam a Dignidade da Pessoa Humana sem avançar o seu conteúdo jurídico-normativo – a esse respeito, veja-se Jorge Reis Novais,
Princípios Estruturantes de Estado de Direito, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2023, pp. 46-68.
[22] Cfr.
id., pp. 305-306. Na esteira de Vitalino Canas, consideramos que o Princípio da Igualdade convoca a seguinte metódica: i) a determinação do fim prosseguido pela diferenciação ou tratamento igualitário da norma; ii) a identificação das diferentes realidades disciplinadas; iii) o apuramento das razões da diferenciação ou tratamento igual; iv) o confronto das razões com a realidade; e v) o juízo sobre a racionalidade (ou arbitrariedade) do tratamento –
cfr.
Vitalino Canas, “Constituição prima facie: igualdade, proporcionalidade, confiança (aplicados ao “corte” de pensões)”, ePública, vol. I, n.º 1, 2014, pp. 6-26. A existência de um tratamento diferenciado, por si só, nada prova acerca da conformidade constitucional de uma norma, exigindo-se a sua submissão ao teste do Princípio da Igualdade.
[23] Este facto não escapou a Romano Martinez quando reconhece, no seu manual, que o regime da revogação pode assumir-se “como um «despedimento negociado»” na medida em que “o empregador, para efeitos de obtenção do acordo do trabalhador, ajusta o pagamento de uma compensação de valor tendencialmente equivalente ou ligeiramente superior ao das importâncias indemnizatórias devidas em caso de despedimento ilícito ou por causas objetivas” –
Cfr.
Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 10ª ed., Coimbra, Almedina, 2022, pp. 966-967. Para uma análise do “despedimento negociado”, veja-se
Joana Vasconcelos, J., “A revogação do contrato de trabalho”, Direito e Justiça, vol. XI, n.º 2, 1997, pp. 179 e ss..
[24] Melhor argumento seria se afirmássemos que existe uma distinção entre as empresas já constituídas e as que sê-lo-ão, futuramente. O artigo 338.º-A proíbe a terceirização por referência ao
despedimento, logo as empresas que se constituam após a entrada em vigor da norma poderão, com total liberdade, estruturar a sua atividade com recurso ao
outsourcing, mas as empresas que já contrataram trabalhadores estarão impedidas de o fazer. Parece-nos que dificilmente se poderá afirmar que esta situação é proibida pelo Princípio da Igualdade, sendo mais indicado afirmar que pode relevar para o Princípio da Proteção da Confiança,
i. e., argumentar-se-ia que o empregador, quando contratou, confiou que, caso necessitasse, poderia recorrer ao
outsourcing e viu a sua expectativa frustrada pelo artigo 338.º-A. Porém, não nos parece que a norma viole o Princípio da Proteção da Confiança uma vez que é duvidoso que as empresas antevejam a possibilidade de
outsourcing em todas as suas contratações e que depositem uma confiança séria nessa realidade. Ou seja, a existir uma confiança juridicamente atendível, esta nasce com a necessidade de recurso ao
outsourcing e não com a contratação do trabalhador. Para uma análise da metódica do Princípio da Proteção da Confiança, veja-se Jorge Reis Novais,
Princípios Estruturantes de Estado de Direito,
ibidem., pp. 224-235.
[26] id.., pp. 292, 296, 305 e 361.
[27] Por todos, na doutrina,
Maria Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 8ª ed., Coimbra, Almedina, 2021, p. 969; na jurisprudência,
o Acórdão da Relação de Lisboa (Duro Mateus Cardoso), de 20/06/2018, n.º 1551/15.8T8LSB.L1.
[30] Ensina Teresa Pizarro Beleza que os crimes (ou contraordenações) de perigo (por oposição aos crimes de dano, como o homicídio – artigo 131º, CP) serão aqueles que preveem, no tipo, a criação de um perigo de lesão do bem jurídico, não exigindo a verificação da mesma –
cfr.,
Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, 2º vol., reimpr. Lisboa, AAFDL, 2003, pp. 117-121. Ou seja, a norma visa tutelar as “condições de subsistência” ou o “ambiente em redor” dos bens jurídicos – assim,
Rui Patrício, Crimes de Perigo (breves notas, a propósito do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de Abril de 1999), In: Maria Fernanda Palma, Carlota Pizarro de Almeida, José Manuel Vilalonga, (coord.), Casos e Materiais de Direito Penal, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, p. 353.
[31] O crime (ou contraordenação) de perigo concreto é aquele em que o tipo incriminador prevê a situação de perigo, constituindo o evento da ação,
e. g. o crime previsto no artigo 291º, do Código Penal (condução
perigosa de veículo rodoviário). Veja-se,
Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1996, p. 14.
[32] No perigo abstrato, o legislador toma a conduta por perigosa e dispensa-se por completo a prova de que, no caso concreto, se produziu o perigo,
i. e.cria-se uma
presunção inilidível de que a conduta do agente bastou para perigar irremediavelmente o bem jurídico tutelado. Já no perigo abstrato-concreto a
presunção que referimos é
ilidível. Ou seja, se se provar que a conduta do agente não era suscetível de gerar perigo para o bem jurídico, então não há ilícito, por não se preencher o tipo –
cfr. Rui Patrício,
Crimes de Perigo…,
ibidem., pp. 354-358.
[33] É hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência que os crimes de perigo abstrato e os crimes de perigo abstrato-concreto são constitucionalmente admissíveis. No que à jurisprudência constitucional diz respeito, vejam-se os
Acórdãos do TC n.º 426/91, 441/94, 604/97, 95/2011 e 85/2012 (este último sobre um ilícito de mera ordenação social); na doutrina, veja-se Jorge Figueiredo Dias,
Direito Penal,
ibidem., pp. 360-361.
[34] Vitalino Canas,
O Princípio da Proibição do Excesso…,
ibidem., pp. 577-594.
[35] Vitalino Canas,
O Princípio da Proibição do Excesso…,
ibidem., pp. 605-635, 662-665, 672-673.
[37] Assim,
Rui Medeiros, Afonso Patrão, Rita Canas da Silva, “Despedimento Coletivo: sindicabilidade judicial da motivação empresarial”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano LXII, n.º 1-4, 2021, pp. 110-114 e 137-147. Em sentido próximo, Bernardo Gama Lobo Xavier,
O Despedimento Colectivo…,
ibidem., pp. 268-282, 364. Contra, Monteiro Fernandes – para o autor, a legitimidade constitucional do despedimento coletivo decorre da “natureza das coisas”, não porque se protege o valor da segurança do emprego, mas antes para salvaguardar o “respeito pelos limites de racionalidade económica e gestionária, isto é [par]a prevenir o abuso do direito de eliminar postos de trabalho, que é um direito inerente à liberdade de iniciativa económica” –
cfr. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 19ª ed., Coimbra, Almedina, 2019, pp. 767-768. Porém, o ilustre Professor sugere alguma contradição ao afirmar, noutros textos, que o princípio da segurança no emprego, ínsito no artigo 53º, CRP releva na definição do regime de despedimento coletivo, mas que o seu impacto como referencial prioritário da traça legislativa é diminuto,
i.e. o legislador resolve “o confronto das ideias-força da segurança do emprego e da liberdade de empresa pela cedência da primeira em praticamente toda a linha” –
cfr. António Monteiro Fernandes,
Escritos de Direito de Trabalho, Coimbra, Almedina, 2018, p. 336. Parece-nos que a contradição reside no facto de só poder existir uma colisão que exige ponderação se os princípios que colidem forem convocados pelo intérprete. Nestes termos, o autor parece reconhecer que, no despedimento coletivo, o princípio da segurança no emprego do artigo 53.º, CRP consagra um direito ou interesse que pesa a favor do trabalhador, mas, atendendo à preponderância dos interesses que contrapesam a favor da autonomia privada, de regra, o primeiro claudicará. Ora, este é, precisamente, o entendimento dominante da doutrina.
[38] Neste sentido, António Monteiro Fernandes,
Direito do Trabalho,
ibidem., pp. 770-773. Em sentido próximo, veja-se Maria Rosário Palma Ramalho,
Tratado de Direito do Trabalho, Parte II…,
ibidem., pp. 835-836. Este parece ser o entendimento maioritário da jurisprudência,
e. g. o
Ac. do STJ (Fernandes Cadilha), de 24/05/2006, n.º 06S379 ou o Ac. da Relação de Coimbra (Ramalho Pinto), de 10/11/2017, n.º 1556/15.9T8GRD.C1.
[39] Como Monteiro Fernandes, também a Professora Rosário Palma Ramalho considera que “a justa causa para efeitos do artigo 53.º da CRP é, necessariamente uma justa causa subjetiva”, concluindo que os trabalhadores cujos contratos cessam por causas objetivas permanecem protegidos pois “a lei fixa taxativamente as condições em que a cessação pode ocorrer” e porque “estabelece o dever de atribuir uma compensação monetária a estes trabalhadores por ocasião da cessação do seu contrato” –
cfr. Maria Rosário Palma Ramalho,
Tratado de Direito do Trabalho, Parte II…,
ibidem., pp. 835-836. Não obstante o enorme respeito que reservamos aos Professores, parece-nos que estes desconsiderarem que praticamente todas as manifestações de proteção do trabalhador no regime de despedimento coletivo se reportam ao valor ínsito no artigo 53º, CRP. Repare-se que as consequências pela preterição ou defeitos do procedimento de despedimento arriscariam a inconstitucionalidade se dissessem respeito a uma pura igualdade de partes,
i. e. a conformidade constitucional do regime do despedimento coletivo assenta
também no facto de se pesar o direito à segurança no emprego do trabalhador. Acresce que, também no plano internacional, o princípio da segurança no emprego é repetidamente trabalhado quanto aos despedimentos por causas objetivas,
e. g. a Recomendação OIT n.º 166 (1982) – para uma análise mais detalhada da segurança no emprego no plano internacional, veja-se,
David Carvalho Martins, Rita Canas da Silva, “Despedimento por Extinção de Posto de Trabalho – a Revisão de 2012 e o Acórdão do Tribunal constitucional de 2013”, in: João Reis, et al. (coord.), Para Jorge Leite Escritos Jurídico-Laborais, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pp. 512 e ss.
[40] Como Rui Medeiros, Afonso Patrão e Rita Canas da Silva, defendemos que, se o regime é constitucionalmente admissível, então não pode o intérprete substituir-se ao legislador e verificar se existem medidas alternativas ao despedimento – cfr. Rui Medeiros, Afonso Patrão, Rita Canas da Silva, “Despedimento Coletivo…”,
ibidem., pp. 147-165.
[41] Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 991-996. Em sentido próximo, na jurisprudência, veja-se o
Ac. da Relação de Évora (Mário Branco Coelho), de 15/04/2021, n.º 3404/17.6T8STR.E1 ou o Ac. do STJ (António Leones Dantas), de 11/12/2019, n.º 7031/16.7T8FNC.L1.S1.
[42] Rui Medeiros, Afonso Patrão, Rita Canas da Silva, “Despedimento Coletivo…”,
ibidem., pp. 206-210.
[44] Com particular acutilância o autor lembra que a mera procura de informações, por um administrador, tem custos e envolve, necessariamente um juízo empresarial,
e. g. pode ser legítimo não investigar o risco de um portefólio de valor diminuto, mas o administrador poderá ser responsável se agir com a mesma displicência face a um investimento muito significativo. Veja-se o excelente artigo: Manuel A.
Carneiro da Frada, “A business judgement rule no quadro dos deveres gerais dos administradores”,
Revista da Ordem dos Advogados, vol. I, Ano 67, 2007.
[45] Assim reza o artigo 17.º-F, n.º 4, CIRE, que deve ser lido à luz do artigo 10.º, n.º 3, da Diretiva 2019/1023, do Parlamento e do Conselho de 20 de Julho de 2019.
[46] Júlio Gomes,
Direito do Trabalho,
ibidem., p. 994.
[47] Facilmente descobrimos inúmeros outros exemplos: se o trabalhador despedido for um “
faz-tudo” de pequenas reparações e rebentar um cano da água, a empresa não poderá contratar um canalizador, logo a lei exige que a empresa funcione sem água? Se rebentar um fusível do quadro elétrico, sendo ilícito contratar um eletricista, a empresa deve continuar a sua atividade à luz das velas?
[48] id., pp. 320-323 e 361.
[49] Jorge Reis Novais,
Princípios Estruturantes de Estado de Direito,
ibidem., pp. 108-109. Porém, como bem aponta Reis Novais, isto não significa que o intérprete deva desprezar a influência valorativa de um teste a fim de melhor identificar a conformidade com outro. Porém, no plano das conclusões, é impreciso afirmar que certa norma viola os três testes simultaneamente – veja-se a nota de rodapé 51,
infra.
[50] Jorge Reis Novais,
Princípios Estruturantes de Estado de Direito,
ibidem., pp. 114-121.
[51] Obviamente, uma norma
pode violar os três testes da Proporcionalidade (se a norma X não é apta, facilmente se descobrem outros meios menos agressivos). O problema é que o exercício em si torna-se absurdo,
i. e., não faz sentido i) tentar descobrir meios igualmente arbitrários ou inidóneos, mas menos agressivos, ii) pesar o fim X contra o meio Y, sabendo de antemão que estes em nada se relacionam, ou iii) analisar a proporcionalidade entre meios e fins, na convicção de que existiam outros meios que, sendo menos agressivos, teriam a mesma eficácia. Mesmo assumindo a
construção alternativa de princípio da adequação dos autores (criticada
infra) o exercício mantém-se esdrúxulo: avaliam se existem alternativas menos agressivas, no universo de medidas com uma dignidade inferior ao valor sacrificado.
[52] Neste sentido, por todos,
Jorge Silva Sampaio, Ponderação e Proporcionalidade, vol. I, Coimbra, Almedina, 2023, pp. 460 e ss. Contra este entendimento (posição que, no geral, acompanhamos), Jorge Reis Novais,
As restrições aos direitos…,
ibidem., pp. 569 e ss.
[53] Ainda que se ignore o desvio na evolução histórico-dogmática que esta proposta de princípio da adequação presume – a este respeito, veja-se
Tiago Macieirinha, Avaliar a avaliação custo-benefício: um olhar sobre a concepção francesa do princípio da proporcionalidade, in: Paulo Otero, Marcelo Rebelo de Sousa Fausto de Quadros, (org.), Estudos de Homenagem ao Professor Jorge Miranda, vol. IV, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 833 e ss. – a construção de Romano Martinez e Gonçalves da Silva afigura-se inapropriada até de um ponto de vista prático, pois a adequação estará mais próxima da noção de prossecução do interesse público do que da estrita lesão de posições jurídicas – veja-se
Miguel Assis Raimundo, Os princípios no novo CPA e o princípio da boa administração, em particular in: Carla Amado Gomes, Ana F. Neves, Tiago Serrão, (coord.) Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Lisboa, AAFDL, 2015, pp. 155-156.
[54] Não há dúvidas que os autores pesaram a
dignidade do crédito laboral contra a
dignidade da sua renúncia, pois não esquecem que a norma disciplina uma renúncia ao direito
cfr.
id, p. 322.
[55] Para uma análise desta doutrina veja-se
José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., rempr., Coimbra, Almedina, 2003, pp. 1396 e ss., José Carlos Vieira de Andrade,
Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 6ª ed.,
ibidem., pp. 49 e ss., ou Jorge
Reis Novais, “Renúncia a direitos fundamentais”, in: Jorge Miranda (org.),
Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1996, pp. 292 e ss.
[56] Como bem aponta Vieira de Andrade, a renúncia a direitos enquanto problema jurídico coloca-se fundamentalmente no que respeita “aos direitos sobre bens pessoais” (
cfr. José Carlos Vieira de Andrade,
Os Direitos Fundamentais…,
ibidem., pp. 305 e ss.). É, portanto, pacífico que, de regra, se pode renunciar a direitos patrimoniais e para, legitimamente, se proibir a renúncia deverá intuir-se a possibilidade séria de a decisão do particular não ser livre e esclarecida. Tratamos aqui a questão da renúncia porque Romano Martinez e Gonçalves da Silva dispensaram a prova de que o trabalhador não está sujeito a pressões económicas que limitam a sua autonomia, preferindo a sugestão de que uma renúncia é um valor de
dignidade superior ao direito que se renuncia.
[57] A admissibilidade da renúncia a direitos fundamentais assume inúmeras feições doutrinárias e jurisprudenciais, mas tende-se a seguir o sistema exposto
supra,
i. e., a dignidade da pessoa humana será o critério orientador da possibilidade de renunciar. Neste sentido, o enquadramento hierárquico do direito analisado é irrelevante, dado que a admissibilidade constitucional da limitação da renúncia a um direito se prenderá com a noção de vontade livre e esclarecida. Por todos,
Mariana Melo Egídio, “O argumento do princípio da dignidade da pessoa humana: paternalismo jurídico e restrições a direitos fundamentais”, in: Jorge Reis Novais, Tiago Fidalgo de Freitas, (org.), A Dignidade da Pessoa Humana na Justiça Constitucional, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 387-416.
[58] Assim, também, Jorge Reis Novais, “Renúncia a direitos fundamentais”,
ibidem., p. 287.
[59] Ilustremos: se, por exemplo, a Constituição esclarecesse que o “direito ao suicídio” é um
valor com uma dignidade superior ao direito à vida, aí sim, a renúncia teria,
a priori, uma
dignidade superior ao direito. Ora, não o fazendo, então a lógica dita que, a existir um “direito ao suicídio”, este apenas poderá ter uma
dignidade igual ou inferior ao direito à vida. Sucederá o mesmo com qualquer renúncia e, em princípio, com qualquer outro exercício do direito –
e. g., o “direito a vender” uma coisa não sugere uma
dignidade superior ao direito à propriedade. Logo, como intuímos
supra, o problema deverá ser resolvido na tensão entre o direito fundamental e o direito à autodeterminação (cuja manifestação útil encontramos no princípio da dignidade da pessoa humana) – veja-se a nota de rodapé 57,
supra.
[60] Jorge Miranda,
Manual de Direito Constitucional, vol. II, Tomo IV,
ibidem., p. 308.
[62] O autor referia-se ao princípio da necessidade, mas recorde-se que os três subprincípios da proporcionalidade são aplicados sucessivamente. Veja-se Fritz
Fleiner,
Institutionen des Deutschen Verwaltungsrechts, Mohr, Tübingen, 1928, p. 404.
[63] Vide, a nossa nota 50,
supra.
[68] E. g., Pedro Romano Martinez,
Direito do Trabalho,
ibidem., p. 617.
[69] Assim,
Fernando Andrade Pires de Lima, José Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1986, pp. 155-156. Contra esta posição,
Francisco Manuel Brito Pereira Coelho, A Renúncia Abdicativa no Direito Civil (Algumas Notas Tendentes à Definição do Seu Regime), Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, pp 40 e ss. e 103-124.
[71] Contra o entendimento maioritário, argumentava João Leal Amado que os créditos laborais eram “irrenunciáveis, no mínimo, em medida igual àquela em que é insuscetível de cessão”. Explicava que seria “absurdo”, por exemplo, limitar a penhorabilidade do salário, mas permitir-se que o trabalhador renuncie aos seus créditos quando face a quem mais facilmente o poderá pressionar a renunciar.
Cfr.,
João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pp. 323-325. Assim também o
Ac. do STJ (Júlio Gomes), de 07/09/2022, n.º 16670/17.8T8PRT.P1.S1.
[72] Da nossa parte, partilhamos que a norma nos parece infeliz não só por sugerir uma desconexão considerável da realidade prática da vida laboral, mas sobretudo por esquecer que se concebem várias situações em que o trabalhador tem um interesse objetivo na remissão abdicativa – pense-se no caso em que um trabalhador sabe que será despedido por justa causa subjetiva, pelo que prefere revogar o contrato a troco de uma compensação.
[74] Uma vez mais relembramos que este ponto não é líquido,
i. e. concebem-se situações em que o trabalhador tem interesse objetivo na remissão abdicativa. Acresce que a possibilidade de evitar a litigância é um valor juridicamente (e até economicamente) atendível, quer para o empregador, quer para o trabalhador,
i. e. o legislador pode (e deve) pesar o brocardo de que “mais vale um mau acordo que uma boa demanda”. Porém, estas inquietações são contrapostas à legítima consideração do legislador ordinário de que, de regra, existe aqui um diferencial de interesses considerável, pelo que o acordo que acerta estes interesses reclama um controlo mais apertado.
[76] Este considerando é de capital importância para a legitimidade da renúncia do trabalhador, uma vez que esta presume necessariamente o exercício livre e autodeterminado da vontade. A este respeito, veja-se Benedita Mac Croire,
Os Limites da Renúncia…,
ibidem., pp. 117 e ss.
[77] Rejeitamos a ideia de que a extinção do vínculo laboral transforma o salário num direito de crédito como qualquer outro. Neste sentido, detenhamo-nos, por instantes, no fundamento das retribuições intercalares (artigo 390.º). Como bem aponta Rosário Palma Ramalho o direito às retribuições intercalares é uma consequência lógica da eficácia retroativa da declaração de invalidade do despedimento e não se confunde com o direito à indemnização (
cfr. Maria Rosário Palma Ramalho,
Tratado de Direito do Trabalho, Parte II…,
ibidem., p. 963). Porém, se esse fosse o seu
único fundamento, então, por razões de segurança jurídica, o legislador poderia, com grande facilidade, consagrar um sem número de outras soluções. Na nossa opinião, o direito às retribuições intercalares não resulta
apenas da lógica geral do Direito das Obrigações, considerando o
preconceito constitucional do salário,
maxime o que resulta do artigo 59.º, n.º 1, al. a), CRP. Ou seja, para a Constituição, o salário não é um direito de crédito como qualquer outro e a extinção do vínculo laboral, por si só, não despe a retribuição pelo trabalho da respetiva carga axiológico-constitucional.
[79] Vide, nota de rodapé 23,
supra.
[81] Gomes Canotilho defende que o tribunal se limita a sindicar se a “regulação legislativa é
manifestamente inadequada ou se existe um erro
manifestode apreciação por parte do legislador” (itálicos do autor) –
cfr. José Joaquim Gomes Canotilho,
Direito Constitucional e Teoria…,
ibidem., p. 272.
[82] É hoje pacífico que a preterição de participação nos termos do artigo 54.º e 56.º, CRP gera a inconstitucionalidade formal da lei.
Colorandi causa, na jurisprudência os
Acórdãos do TC n.sº 24/92, 93/92, 124/93, 430/93, 345/96, 360/2003 e 774/2019 e, na doutrina,
Bernardo Lobo Xavier, “A Constituição portuguesa como fonte do direito do trabalho e os direitos fundamentais dos trabalhadores”, in: António Monteiro Fernandes, A. (org.), Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea, Coimbra, Almedina, 2004, p. 189.
[84] Para uma análise mais aprofundada deste controlo veja-se Jorge Reis Novais,
Princípios Estruturantes de Estado de Direito,
ibidem., pp. 213-235.
[86] Colorandi causa, Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram que “deve entender-se por legislação do trabalho” aquela que verse qualquer ponto do estatuto jurídico dos trabalhadores e das relações de trabalho em geral” – José Joaquim Gomes Canotilho, Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada,
ibidem., pp. 724-725. Porém, parece-nos que a fórmula dos autores é demasiado abrangente, devendo ser balizada na teleologia da democracia participativa que os artigos visam promover. A este respeito veja-se,
José Manuel Meirim, “A participação das organizações dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho (aproximação à jurisprudência constitucional)”, Revista do Ministério Público, Ano 13, n.º 52, 1992, pp. 11-16 e 28-40,
Jorge Bacelar Gouveia, Os Direitos de Participação dos Representantes dos Trabalhadores na Elaboração da Legislação Laboral, in: Pedro Romano Martinez, (coord.), Estudos do Instituto de direito do Trabalho, vol. I, Coimbra, Almedina, 2001, pp. 130-138 e Rui Medeiros, Anotação ao artigo 56.º, in: Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2ª ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, pp. 806-809.
[88] Rui Medeiros, Anotação ao artigo 56º,
ibidem., pp. 806-809.
[90] Como bem apontam Romano Martinez e Gonçalves da Silva o titular do direito é o sindicato, ficando excluídas as uniões, federações e confederações –
cfr.
id, p. 324.
[93] Na verdade, o próprio artigo 464º não é imune a dúvidas interpretativas. Para uma análise das várias dúvidas que o artigo convoca, com particular atenção nas respostas da doutrina estrangeira, veja-se Catarina
Oliveira Carvalho,
Da Dimensão da Empresa no Direito do Trabalho, Consequências Práticas da Dimensão da Empresa na Configuração das Relações Laborais Individuais e Colectivas, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp. 516-521.
[95] O único critério legislativo expresso que descobrimos decorreria do artigo 420.º, n.º 1 (aplicável,
ex vi, artigo 461º, n.º 2) ao exigir que se indique o número previsível de participantes na reunião. Mas este controlo é, admita-se, paupérrimo, pois não é possível impedir a generalidade das utilizações abusivas das instalações por referência ao calendário mais ou menos preenchido dos trabalhadores.
[96] Já a Lei Sindical (Decreto-Lei n.º 215-B/75 de 30 de Abril) cometia a mesma imprecisão: o artigo 31º afirmava que a afixação de informação sindical não poderia prejudicar a “laboração normal da empresa”, critério dispensado no artigo 30.º quanto ao direito a instalações e nos artigos 25.º e ss. quanto ao direito a reunir na empresa.
[97] Apesar de se referir ao raio geográfico do direito a instalações que a Lei Sindical consentia (dúvida que hoje não se coloca, atendendo à fórmula perentória do artigo 464.º, n.º 1), Menezes Cordeiro chamava a atenção que o dever de disponibilizar instalações teria de ser determinado com recurso a uma “harmonização de interesses a aferir no caso concreto”, à luz dos ditames da boa fé –
cfr.
António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, reimpr., Coimbra, Almedina, 1997, pp. 494-495.
[98] Vejam-se os Relatórios Anuais sobre a Evolução da Negociação Coletiva de 2022 (pp. 203 e ss.), 2021 (pp. 201 e ss.), 2020 (pp. 212 e ss.), 2019 (pp. 179 e ss.), 2018 (pp. 193 e ss.), 2017 (pp. 200 e ss.) e 2016 (pp. 146 e ss.), disponíveis em
https://www.crlaborais.pt/negociacao-coletiva-relatorios, consultados a 15/08/2023.
[101] Poder-se-ia contra-argumentar que o objetivo do artigo 460º, n.º 2 prende-se apenas e só com a ampliação da influência dos sindicatos, mas esta construção não nos satisfaz porque i) não faz sentido estender a esfera de influência dos sindicatos para onde os trabalhadores não a desejam e ii) porque não se compreenderia a limitação dos direitos aos artigos 461.º, 464.º, e 465.º.
[102] Acresce que, ainda que assim não fosse, a circunstância nunca seria suficiente para gerar a inconstitucionalidade da norma, uma vez que os sindicatos têm direito a um espaço “com condições mínimas de trabalho” (António Monteiro Fernandes,
Direito do Trabalho,
ibidem., p. 856), mas nada na lei sugere que este não possa ser partilhado com outros sindicatos. Naturalmente, não se exige a uma empresa com filiados em 500 sindicatos distintos que disponibilize 500 espaços autónomos. Logo, no máximo, poder-se-ia argumentar que a lei reduz a eficácia global da ação sindical ao exigir que a atividade dos sindicatos diretamente interessados no bem-estar dos trabalhadores concorra com a de sindicatos sem influência prática na empresa, mas este já não seria um juízo de conformidade constitucional, antes de perfeição da solução legislativa.
[103] id., pp. 355-359, 362.
[104] A doutrina a este respeito é inabarcável. Por todos, veja-se a análise de Jorge Silva Sampaio,
Ponderação e Proporcionalidade, vol. I,
ibidem., pp. 479 e ss. e
Jorge Silva Sampaio, Ponderação e Proporcionalidade, vol. II, Coimbra, Almedina, 2023, pp. 164-171 e 696 e ss..
[106] Gonçalves da Silva reconhece este facto ao identificar, na sua tese de doutoramento, as múltiplas funções da convenção coletiva –
cfr.
Luís Gonçalves da Silva, Da Eficácia da Convenção Coletiva, vol. I, Lisboa, Universidade de Direito da Universidade de Lisboa – Imprensa FDUL, 2022, pp. 66 e ss. e vol. II, Lisboa, Universidade de Direito da Universidade de Lisboa – Imprensa FDUL, 2022, pp. 1361 e ss.
[107] Antes da reforma de 2023, o recurso à arbitragem necessária exigia a prévia caducidade da convenção coletiva,
i.e. só ocorreria se a convenção tivesse caducado e não fosse celebrada nova convenção nos 12 meses subsequentes (artigos 510.º e 511.º, n.º 1).
[108] Já nas Convenções de OIT (em particular a Convenção n.º 98, de 1949) descobrimos a necessidade de promover a negociação coletiva. A este respeito, veja-se o relatório A Liberdade Sindical e a Negociação Colectiva, Lisboa, Fundação Social Democrata Oliveira Martins, 1979, pp.133 e ss.
[109] A este respeito, veja-se Luís Gonçalves da Silva,
Da Eficácia da Convenção Coletiva, vol. II,
ibidem., pp. 1734 e ss.
[112] Para uma evolução histórica das convenções coletivas em Portugal até ao Código de 2003, veja-se, Luís Gonçalves da Silva,
Da Eficácia da Convenção Coletiva, vol. I,
ibidem., pp. 570-1010.
[113] Tanto quanto nos é dado a conhecer, a doutrina e a jurisprudência aceitavam a conformidade constitucional do anterior regime e só com o código de 2003 e posterior revisão de 2009 é que se se suscitaram algumas dúvidas de constitucionalidade. A este respeito, veja-se o texto de Gonçalves da Silvaque, apesar de mover críticas ao anterior regime, sempre sugere que operava nos limites da Constituição, em
Luís Gonçalves da Silva, “O Código do Trabalho Face À Constituição”, Código do Trabalho Pareceres, vol. III, Ministério da Segurança Social e do Trabalho, 2003, pp. 463-477; veja-se também,
António Monteiro Fernandes, “Notas sobre o controlo de constitucionalidade do Código do Trabalho”, Questões Laborais, Ano X, n.º 22, 2003, p. 243. A questão dos limites do regime da sobrevigência foi também analisada pela jurisprudência constitucional – o
Ac. do TC n.º 306/2003 o Tribunal pronunciou-se pela não inconstitucionalidade do então artigo 557.º (a que corresponde o atual artigo 501º), entendimento que o Ac. do TC n.º 338/10 secundou.
[114] Curiosamente, esta nova solução já quase era sugerida por João Reis quando, em crítica ao antigo regime de arbitragem, afirmava que “se a preocupação essencial do legislador fosse evitar um vazio de estatuto normativo, então deveria impor a arbitragem antes da caducidade da convenção coletiva” –
cfr. João Reis,
Meios de Composição…,
ibidem., pp. 561-562. O autor defendeu semelhante entendimento aquando da entrada em vigor do Código do Trabalho em
João Reis, “A caducidade e a uniformização das convenções colectivas, a arbitragem obrigatória e a Constituição”, Questões Laborais, Ano X, n.º 22, 2003, p. 181.
[116] A nomenclatura escolhida pelo legislador obriga o intérprete a desprezar o oxímoro inerente a uma
denúncia motivada, crítica que Romano Martinez e Gonçalves da Silva também apontam –
cfr.
id. p. 355. Leal Amado afirma que a
contradictio in terminis desta
denúncia fundamentada poderá até poderá sugerir que, em bom rigor, se trata de uma resolução –
cfr.
João Leal Amado, “«Agenda do Trabalho digno»: da resiliência da convenção coletiva à paixão pela arbitragem”, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 152, n.º 4039, 2023, p. 247, (nota de rodapé 10).
[119] João Reis,
Meios de Composição…,
ibidem., p. 630.
[120] Por isso, não procede a leitura de Romano Martinez e Gonçalves da Silva de que a arbitragem para apreciação da denúncia (a par da arbitragem obrigatória e necessária) limita o direito de acesso aos tribunais –
cfr.
id., p. 356.
[121] Para uma crítica ao carácter “excessivamente jurisdicionalizante da arbitragem” veja-se João Reis,
Meios de Composição do Conflito Laboral Colectivo,
ibidem., pp. 645-648.
[122] Explica Jorge Leite que, na arbitragem laboral, “é um terceiro que transfere o poder normativo para uma entidade diferente da dos seus titulares originários sem ou mesmo contra a vontade destes.” –
Jorge Leite, “Código do Trabalho – algumas questões de (in)constitucionalidade”, Questões Laborais, Ano X, n.º 22, 2003, p. 264. Notamos, porém, que o autor se pronuncia pela não inconstitucionalidade da arbitragem obrigatória.
[123] Tanto quanto nos é dado a conhecer esta é a posição perfilhada pelos autores. Quanto a Romano Martinez, veja-se Pedro Romano Martinez,
Direito do Trabalho,
ibidem., pp. 1174-1180; e quanto a Gonçalves da Silva, veja-se Luís Gonçalves da Silva,
“Traços Gerais da Arbitragem Obrigatória”, in: António Moreira (coord.), VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 245-270, ou mais recentemente em Luís Gonçalves da Silva,
Da Eficácia…, vol., II.,
ibidem., pp. 1737 e ss..
[124] Não cabe no objeto deste trabalho a sua análise aprofundada, mas notamos que a questão já foi analisada pela doutrina.
Colorandi causa, autores como João Reis, defendem que, apesar de a Constituição consentir que os conflitos laborais possam ser dirimidos por arbitragem, o atual regime é ferido de inconstitucionalidade por duas razões: em primeiro lugar porque restringe o direito fundamental à negociação coletiva e à liberdade sindical e em segundo lugar porque “uma das condições para restringir um direito fundamental é a necessidade de a CRP habilitar a lei nesse sentido” e o artigo 56.º, n.º 3, CRP autoriza a lei a definir o regime aplicável, mas não a restringir o direito –
cfr. João Reis,
Meios de Composição…,
ibidem., pp. 629-645. Apesar de considerarmos que, no geral, as críticas que o autor aponta no seu livro são meritórias, não podemos acompanhar esta fundamentação. A primeira razão não procede porque nenhum controlo de conformidade constitucional se limita à busca da prova de uma restrição – apresentam-se argumentos ponderosos, mas o Princípio da Proibição do Excesso tem uma metódica específica e o autor dispensou a sua aplicação. Já a segunda razão gera dois problemas: o primeiro é que contradiz a premissa assumida de que, em abstrato, a arbitragem é constitucionalmente admissível (a Constituição nada afirma sobre a possibilidade
de restringir o direito à contratação coletiva por arbitragem) e o segundo é que a teoria do autor seria impossível de aplicar e geraria resultados valorativamente absurdos – neste sentido, para uma crítica da interpretação literal do artigo 18.º, n.º 2, 1ª parte, CRP veja-se Jorge Reis Novais,
As restrições aos direitos…,
ibidem., pp. 367 e ss..