ANO 2013 N.º 2
ISSN 2182-9845
Maria Raquel Guimarães
A Bibliometria, as avaliações de desempenho científico e, de uma forma geral, os métodos de apreciação mais ou menos objectivos ou subjectivos do trabalho de investigação produzido pelos juristas são temas que recentemente têm preocupado aqueles que, nas universidades, nos centros de investigação, enquanto docentes, investigadores ou alunos pós-graduados, têm vindo a dedicar as suas carreiras ao estudo do Direito. A importação de métodos, de fórmulas e de sistemas próprios das ciências exactas para o mundo do juristas parece impor-se inelutavelmente e a necessidade de adaptação da forma como temos trabalhado ao longo de muitas décadas surge como uma realidade sem retorno.
Recentemente, tive a oportunidade de assistir às jornadas organizadas pela FCUP dedicadas ao tema “A Bibliometria na Gestão da Ciência” (25.09.2013), onde vários especialistas, bibliotecários, gestores de bases de dados e “índices” de citações e publicações e professores com responsabilidades na gestão universitária e até nas políticas científicas nacionais fizeram as suas intervenções. Apesar da diversidade dos pontos de vista com que o tema foi tratado e das diferentes experiências que os oradores partilharam, todos tiveram o cuidado de ressalvar do âmbito da aplicação das regras traçadas, das realidades expostas e das verdades anunciadas da investigação científica actual algumas das chamadas “ciências sociais e humanas” e, particularmente, o Direito.
É inegável que a Web of Science ou a Scopus são bases de citações que pouco dizem aos juristas nacionais e, em geral, aos juristas latinos, cujo reconhecimento passa por outro tipo de publicações — maioritariamente nas suas línguas nacionais e, portanto, improvavelmente “citáveis” “à escala global” — e passa também pela citação e “apropriação” pela jurisprudência, dados não sistematizados ou incipientemente tratados entre nós. É, não obstante, também verdade que o “modo de fazer as coisas” próprio das ciências exactas tem vindo a ser adoptado por outras áreas do saber e tem, paulatinamente, alterado as metodologias de trabalho e, consequentemente, a própria avaliação do trabalho produzido. O facto de todos os que investigam serem chamados a responder aos mesmos inquéritos para efeitos de apuramento do trabalho efectuado e sua subsequente ponderação e avaliação, serem seleccionados para financiamentos, concursos e projectos com base em ponderações de mérito também uniformizadas, sem qualquer distinção que atenda às especificidades das diferentes áreas científicas, acaba por conduzir a um “afeiçoar” da organização do trabalho do jurista-investigador às regras internacionais que norteiam a investigação científica.
Hoje, os investigadores das faculdades de direito encontram-se organizados em centros de investigação que agregam especialistas estrangeiros e concorrem a financiamentos nacionais e internacionais. São frequentes os intercâmbios Erasmus de docentes, os grupos de trabalho — ainda que meras estruturas que reúnem os contributos individuais de cada um para um projecto comum —, as obras colectivas, os cursos de ensino pós-graduado onde se intercala o direito com a medicina, a matemática, a engenharia, a sociologia...
Também a adopção de um sistema de revisão dos artigos submetidos para publicação na RED tem na sua base uma prática comum nas publicações periódicas de áreas como as da medicina, engenharia ou economia. A revisão anónima de artigos jurídicos e a emissão de sugestões de correcção, de bibliografia ou de organização, também feita anonimamente, é pouco usual entre nós, diferentemente do que acontece nos países anglo-saxónicos. Acostumados a um trabalho solitário de investigação, os juristas portugueses escreviam frequentemente a convite das publicações existentes que seleccionavam os seus autores com base no prestígio pessoal e da instituição de origem. Com a proliferação das faculdades de direito privadas mas também públicas, com a “democratização” dos mestrados e dos cursos de especialização, com o aumento significativo de estudantes de pós-graduação estrangeiros, assistiu-se a um alargamento da produção de escritos jurídicos, com formatos e desígnios diversos e de desigual qualidade.
Torna-se hoje necessário avaliar o mérito científico de estudos cada vez mais especializados, elaborados por uma comunidade de juristas muito mais alargada, onde dificilmente todos se conhecem. O anonimato dos autores, por um lado, e o anonimato dos revisores, por outro lado, permite uma imparcialidade e uma objectividade no julgamento dificilmente alcançável noutros moldes, imparcialidade e objectividade essenciais também na perspectiva dos autores — com as suas sensibilidades e susceptibilidades — a quem são sugeridas alterações ou revisões. A possibilidade de melhorar um artigo antes da sua publicação de acordo com as indicações de dois especialistas nas matérias investigadas, embora configure uma experiência realmente nova entre nós e exija um absoluto rigor na escolha dos revisores e na apreciação por estes feita, parece-nos ser algo de muito positivo e que deve ser incentivado. Significa, ainda assim, um trabalho acrescido relativamente ao trabalho de edição das publicações “tradicionais”. Pressupõe a criação de um corpo alargado de revisores especializados, pressupõe algum tempo adicional entre o momento da submissão de um artigo e a sua publicação, pressupõe uma gestão mais complexa dos processos de publicação. Ganha-se um texto mais reflectido, mais preparado para o contraditório que sempre é exercido pelos leitores, uma vez realizadas as revisões sugeridas ou, simplesmente, ganha-se o conforto da aprovação sem reservas, nos casos em que um contributo é admitido sem mais. Em qualquer das hipóteses, a qualidade da publicação é assegurada e os intervenientes no processo ganham novas perspectivas e adquirem novos conhecimentos.
Apesar das diferenças que nos separam das demais ciências, das especificidades de um saber que é condicionado por uma cultura, uma história, uma geografia e uma língua, não podemos deixar de adoptar as experiências e os processos que outros já demonstraram ser os mais enriquecedores e justos, e que em nada colidem com as particularidades da ciência jurídica.