Primeiramente, o artigo analisa os investimentos em startups para o financiamento da sociedade em qualquer estrutura jurídica. A partir da caracterização legal de startup, examinam-se os instrumentos previstos para o aporte de recursos para impulsionar a atividade econômica, com foco na proteção ao investidor e a não inclusão no capital social dos valores investidos, bem como os riscos e incertezas que o desenvolvimento da startup pode proporcionar. A metodologia é majoritariamente dedutiva, partindo da compreensão de que é mister a modulação regulatória das normas pertinentes ao acesso ao mercado para que startups possam integrar sua estrutura negocial, e, por fim inferir que tais modulações podem ocasionar em vulnerabilidades aos investidores. Na seção 4, o artigo enfatiza as companhias de menor porte, inovação trazida pela Lei Complementar n.º 182/2021, que as considerou como as companhias com receita bruta anual de até R$ 500,000,000,00 (quinhentos milhões de reais). A alteração da Lei n.º 6.404/76 (lei das sociedades por ações) pela Lei Complementar n.º 182/2021, conhecida como Marco Legal das Startups, trouxe simplificação para acesso ao mercado de capitais por startups, para estimular seu crescimento e acesso a investimentos. Dentre as modulações propostas, suscita-se a flexibilização da necessidade de contratação de instituição intermediadora de ofertas públicas de valores mobiliários (underwritter), além da instalação de conselho de fiscalização e forma de publicações. O problema de pesquisa é investigar (i) se tais dispensas e/ou modulações implicariam em maior falta de transparência, acarretando assimetria de informações entre investidor e startups, e (ii) de que forma se pode harmonizar a necessária simplificação de acesso a startups ao mercado de capitais sem oportunizar a prática de ilícitos de mercado e sem vulnerabilizar os demais integrantes.Primeiramente, o artigo analisa os investimentos em startups para o financiamento da sociedade em qualquer estrutura jurídica. A partir da caracterização legal de startup, examinam-se os instrumentos previstos para o aporte de recursos para impulsionar a atividade econômica, com foco na proteção ao investidor e a não inclusão no capital social dos valores investidos, bem como os riscos e incertezas que o desenvolvimento da startup pode proporcionar. A metodologia é majoritariamente dedutiva, partindo da compreensão de que é mister a modulação regulatória das normas pertinentes ao acesso ao mercado para que startups possam integrar sua estrutura negocial, e, por fim inferir que tais modulações podem ocasionar em vulnerabilidades aos investidores. Na seção 4, o artigo enfatiza as companhias de menor porte, inovação trazida pela Lei Complementar n.º 182/2021, que as considerou como as companhias com receita bruta anual de até R$ 500,000,000,00 (quinhentos milhões de reais). A alteração da Lei n.º 6.404/76 (lei das sociedades por ações) pela Lei Complementar n.º 182/2021, conhecida como Marco Legal das Startups, trouxe simplificação para acesso ao mercado de capitais por startups, para estimular seu crescimento e acesso a investimentos. Dentre as modulações propostas, suscita-se a flexibilização da necessidade de contratação de instituição intermediadora de ofertas públicas de valores mobiliários (underwritter), além da instalação de conselho de fiscalização e forma de publicações. O problema de pesquisa é investigar (i) se tais dispensas e/ou modulações implicariam em maior falta de transparência, acarretando assimetria de informações entre investidor e startups, e (ii) de que forma se pode harmonizar a necessária simplificação de acesso a startups ao mercado de capitais sem oportunizar a prática de ilícitos de mercado e sem vulnerabilizar os demais integrantes.
1. Introdução
2. O capital social das startups e a sua necessária definição na legislação brasileira
3. Formas de investimento em startups e a proteção ao investidor
4. A startup constituída como companhia de menor porte e seu acesso ao mercado de capitais
5. Conclusão
Bibliografia
1. Introdução
O presente estudo possui como objetivo analisar as inovações regulatórias advindas da Lei Complementar n.º 182/2021, de 01 de junho de 2021, denominado de Marco Legal das Startups (“Marco Legal” ou “MLS”) sob dois aspectos: (i) a definição do termo
startup, haja vista que, apesar de o MLS ter inaugurado um microssistema regulatório das
startups, não foi o primeiro diploma legal a tratar do assunto
[1]; e (ii) analisar os aspectos práticos acerca do fomento da atividade das
startups, considerando a estrutura de simplificação de acesso às
startups constituídas como companhia de menor porte ao mercado de capitais do Brasil.
Em suas disposições finais, o MLS trouxe alterações à Lei n.º 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações ou “LSA”), com o acréscimo dos arts. 294.º-A e 294.º-B. O primeiro trata da facilitação de acesso ao mercado de capitais brasileiro pelas
startups, e, o segundo, da criação da figura da companhia de menor porte, subtipo de sociedade anônima com menor volume financeiro por auferir receita bruta anual até R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais).
O art. 294.º-A ainda instrui que o órgão regulador do mercado de capitais do Brasil - a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) - deverá regular as condições de simplificação para as companhias de menor porte acessarem o mercado de capitais como fonte de subsídio de sua atividade e perenidade.
A idealização normativa quanto ao acesso simplificado das
startups ao mercado de capitais parte da premissa lógica de que a conformidade com as diretrizes parametrizadas tanto pela Lei n.º 6.385/1976 (lei do mercado de valores mobiliários brasileiro), quanto pela LSA, assim como as Resoluções da CVM, seriam sustentáveis para o modelo e estruturação das
startups, e, por conseguinte, no estado da arte atual do arcabouço regulatório, a inserção no mercado das
startups seria satisfatória. Tal premissa deve ser investigada a partir da análise crítica das suas normativas.
É exatamente sobre a premissa da modulação do tipo societário da companhia (ou sociedade anônima) de menor porte, bem como a proposta de simplificação para seu ingresso no mercado de capitais, especificamente no ensejo das
startups, que o presente trabalho se debruça.
A seção 2 visa analisar as características e distintividades das
startups face ao exercício de empresa pelos demais agentes, especificamente quanto ao estágio, porte e modelo de negócios. O foco desta parte do artigo é o capital social de uma
startup e as exigências de sua avaliação e integralização, chamando a atenção do leitor para as dificuldades de obtenção de recursos por parte dos sócios para dar início ao empreendimento em razão de o produto a ser desenvolvido ainda estar em fase de ideação.
A seção 3 visa analisar o investimento em
startups relacionado com a limitação de responsabilidade dos sócios e as formas típicas de aporte de recursos, a partir do exame pormenorizado dos incisos do § 1º do art. 5.º do MLS. Também se pretende dar ênfase à figura do investidor-anjo e dos direitos que a ele se aplicam no cotejo do MLS com a Lei Complementar n.º 123/2006.
Por fim, num corte temático voltado à captação de investimentos por companhias fechadas que se estruturam como
startup, a seção 4 analisa o tipo companhia de menor porte, bem como as dispensas e/ou modulações propostas pelo MLS, perscrutando as formalidades dispensadas, sua finalidade no mercado e eventuais desdobramentos e consequências advindas.
2. O capital social das startups e a sua necessária definição na legislação brasileira
Pedro Werhs do Vale Fernandes
[2] explica que a expressão inglesa “start-up” indica um produto em seu estágio inicial, mas que o termo vem sendo usado correntemente no mercado para diferenciar o pequeno negócio, criado como tal e sem grandes pretensões de crescimento, das verdadeiras start-ups, empreendimentos que estão temporariamente micro ou pequenos mas que possuem potencial de crescimento. Prossegue o autor informando que os norte-americanos, usualmente, se referem às start-ups como sociedades (i) em início de atividades, que buscam crescimento por meio do desenvolvimento de produto ou serviço inovador ou tecnológico para o qual acreditam existir demanda no mercado, e que, por conta disso, (ii) contam com potencial de alto crescimento e (iii) necessitam de investimento externo para alcançar sucesso, dados seu baixo faturamento inicial e os altos custos envolvidos.
Segundo Eric Ries,
startups são entidades enxutas, com alto potencial de escalonamento e engajadas em inovação
[3]. São enxutas, pois geralmente surgem mediante o racional de uma ideia inovadora e, muitas das vezes, isso é tudo que possuem patrimonialmente como ativo imaterial: o capital “intelectual”
[4], decorrente da atividade inovadora de algum sócio. O predicado “enxuta” possui uma dupla adjetivação: tanto ao se referir à sua exígua disponibilidade patrimonial para a formação do capital social, quanto em relação à sua organização interna, referente à adoção de uma estruturação/constituição mais simplificada.
As
startups são escalonáveis, pois visam atingir grandes margens de lucro em uma progressão em escala geométrica, que se torna possível em decorrência do desenvolvimento do seu objeto inovador, geralmente disruptivo, que rompe com o estado da técnica industrial e científico, lhes conferindo, ainda que provisoriamente, exclusividade na exploração da ideia desenvolvida.
O termo inovação, definido pelo art. 2.º, IV, da Lei n.º 10.973/2004 (Marco Legal da Inovação
[5]), possui tamanha significância e função no mercado interno brasileiro, que foi objeto de Emenda Constitucional n.º 85/2015, para incluir, no
nomen juris do Capítulo IV do Título VIII da Constituição brasileira de 1988, o termo inovação, passando a ser denominado “Da Ciência, Tecnologia e Inovação" ao invés de simplesmente “Da Ciência e Tecnologia”.
Ainda sobre a exiguidade de bens para a formação do capital social de uma
startup, na maioria das vezes esse capital é fruto apenas da atividade intelectual de algum sócio. Por essa razão, deve-se analisar se esse ativo, ainda que intangível e incorpóreo, seria possível de valoração para fins de realização do capital social. Para tanto, convém antes examinar a legislação societária brasileira em relação à formação do capital, especialmente a LSA, já que a ênfase do tema é nas companhias de menor porte.
Rubens Requião
[6], um dos maiores comercialistas brasileiros, em precisa síntese, esclarece que o capital social é distinto do patrimônio social, embora seja o este o fundo inicial da sociedade. Enquanto o capital social é estático e fixado no contrato ou no estatuto, sendo por isso nominal, o patrimônio é dinâmico e tende a crescer com o desenvolvimento da sociedade, podendo também diminuir se a atividade não for exitosa. Dentro do patrimônio está o lucro, que é distribuído periodicamente entre os sócios, ao contrário do capital que não pode ser distribuído como lucro em virtude de sua função de garantia aos credores.
A opinião de Jorge Manuel Coutinho de Abreu
[7] converge com a do jurista brasileiro, pois também aponta a distinção entre capital social e patrimônio social, nos mesmos níveis, e sua coincidência no momento da constituição da sociedade. O jurista atribui ao capital social a função de “realidade artimético-monetária” diante do fato de ser simples cifra ou número e, a seu turno, o patrimônio, “é realidade concreta e complexa de relações jurídicas”. Jorge Manuel Coutinho de Abreu também realça a variação permanente do patrimônio em oposição ao capital, que é constante e somente pode ser aumentado ou reduzido em casos típicos, citando os artigos 87.º, ss. e 94.º, ss. do CSC.
Determina o art. 5.º da LSA que o estatuto da companhia fixará o valor do capital social, expresso em moeda nacional, no caso em Real (R$). O capital social pode ser considerado – em regra – como o somatório do valor das contribuições dos sócios/acionistas para a realização do objeto social, desde que sejam observadas as limitações do art. 7.º da LSA, ou seja, as contribuições devem ser em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro.
[8] No mesmo sentido está a previsão do art. 997.º, inciso III, do Código Civil, aplicável às sociedades de pessoas, isto é, aquelas cujo capital é dividido em quotas.
Ao contrário do direito português, que faz menção expressa à proibição de contribuições de indústria na sociedade anônima (art. 277.º, n.º. 1, do CSC), no direito brasileiro a mesma proibição deflui da redação do citado art. 7.º. Ao não mencionar expressamente a possibilidade de outras contribuições que não sejam em dinheiro ou bens, interpreta-se como um silêncio eloquente do legislador, de modo que a contribuição em indústria ou serviços está implicitamente vedada
[9].
Sobre a contribuição em indústria em Portugal, uma vez mais colhem-se os ensinamentos de Paulo de Tarso Domingues. O autor sinaliza que as entradas em indústria (com trabalho ou serviços por parte dos sócios) são vedadas nas sociedades de capitais, fundamentando sua posição no art. 202.º, n.º 1, CSC, para as sociedades por quotas, no art. 277.º, n.º 1, CSC, para a sociedade anônima, e no art. 408.º, CSC, para as sociedades em comandita, porém para essas relativamente aos sócios comanditários. Arremata o jurista informando que este tipo de entrada só pode ser realizada pelos sócios nas sociedades em nome coletivo e pelos sócios comanditados das sociedades em comandita
[10]. O autor explica que a razão da proibição da entrada em indústria, no âmbito das sociedades anônimas, decorre do art. 46.º da Diretiva Codificadora (UE) 2017/1132. Tal normativa proíbe, em todo o espaço comunitário, a entrada em indústria, mas o legislador ampliou a proibição a todos os tipos de sociedades de capitais
[11].
Ao transferir recursos à companhia, os acionistas permutam os direitos de propriedade sobre tais recursos pelo direito eventual e futuro de crédito contra a sociedade, já que o direito ao dividendo depende tanto da existência de fonte de recurso para sua distribuição (lucro líquido, reserva de lucros ou reserva de capital), como de deliberação da assembleia-geral. Os direitos, inclusive políticos, são consubstanciados em títulos de participação na sociedade, que, no caso das sociedades anônimas, são as ações. Em caso de liquidação da companhia, é direito essencial dos acionistas participar do acervo líquido após o pagamento aos credores.
No momento da constituição da sociedade, a cifra correspondente ao capital social se equipara, contabilmente, ao patrimônio autônomo e líquido da sociedade afetado para o exercício de empresa. Este se dissocia ao longo da persecução do objeto social, pois o primeiro é estático, representado no estatuto, enquanto o segundo, dinâmico, é afetado pelo resultado da atividade econômica da sociedade e é refletido nos documentos contábeis.
No direito obrigacional, a responsabilidade do devedor corresponde ao
haftung, que enseja na possibilidade de o credor fazer incidir sobre o patrimônio daquele, a satisfação da prestação inadimplida [
schuld]. A regra só tem aplicação às sociedades de tipos personificados, como as companhias, haja vista que, em sociedades não personificadas como a sociedade em comum (artigos 986 a 990 do Código Civil brasileiro de 2002), não há autonomia patrimonial entre a sociedade e os sócios, bem como seus efeitos decorrentes, como a blindagem,
prima facie, sem a destinação de bens a qual possa se obrigar
[12].
Na doutrina brasileira, Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, autores do anteprojeto de lei que se converteu na atual Lei de Sociedades por Ações, pontuam que “a cada sociedade concreta, corresponde um patrimônio distinto: a sociedade personificada é – tal como qualquer outra pessoa, natural ou jurídica – titular de um patrimônio geral, e os direitos e obrigações a sociedade não personificada formam patrimônio especial, de que são titulares os sócios (art. 988.º, C.C)”
[13].
O capital social possui relação direta com a autonomia patrimonial e a personalidade jurídica da sociedade, instituindo um centro autônomo de imputação face às obrigações contraídas
[14], devendo constar como passivo na escrituração contábil da sociedade.
O capital social não é o conjunto de bens
per si, como em uma universalidade jurídica, mas sim a sua cifra, o valor patrimonial auferível destes bens disponibilizados pelos sócios para a realização do valor subscrito
[15]. Portanto, é importante que os bens conferidos sejam suscetíveis de avaliação pecuniária, bem como possam ter sua propriedade transferida para a sociedade e possam ser um meio satisfatório e liberatório das obrigações contraídas -
haftung.
Para se atingir tal mister, compreende-se que o capital social tem certos atributos: é unitário, fixo, irrevogável, atrelado a uma acepção de valor real e intangível. Quanto ao seu caráter unitário compreende-se que toda sociedade deve ter um capital social, e somente um
[16]estático, pois é discriminado no seu ato constitutivo [estatuto social para o objeto da presente pesquisa], somente podendo ser alterado nos casos e disposições previstos pela lei, como determina o art. 6.º da LSA.
Quanto ao seu caráter irrevogável, o capital social possui caráter perpétuo, ou melhor, subsiste porquanto a sociedade existir, não podendo ser restituído aos sócios, salvo nos casos previstos pela norma, como na resolução da sociedade em relação a um sócio ou na liquidação da sociedade.
O capital social é a representação real da cifra discriminada no ato constitutivo em relação ao capital subscrito e realizado. Por isso se justifica a subscrição integral do capital social na constituição da sociedade anônima, bem como os bens conferidos a título de realização sejam avaliados previamente por peritos para se atestar o montante representativo da realização. Ainda, pelo princípio da realidade do capital social, quando existentes ações com valor nominal, a emissão de novas ações se vincula ao valor nominal, não podendo ser emitidas novas ações nominais por valor inferior ao indexado, como determina o art. 13 da LSA.
Advirta-se que a falta de integralização do capital subscrito não interfere na responsabilidade do acionistas, já que todos respondem limitadamente pelas obrigações sociais pelo valor das ações subscritas ou integralizadas por cada um, sem solidariedade entre si, conforme prevê o art. 1.º da LSA (em linha com o art. 271.º do CSC português, embora esse somente se refira às ações subscritas). Neste ponto, há nítida diferença entre a sociedade anônima e a sociedade limitada, na qual todos os sócios são solidários pela integralização do capital social, em que pese a limitação da responsabilidade ao valor das quotas. Tal regra, disposta no art. 1.052.º do Código Civil brasileiro, converge com a disposição do art. 196.º, n.º 1, do CSC português: “os sócios são solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato social”.
Pelo princípio da intangibilidade, consubstanciando todos os demais atributos do capital social, a sua existência como garantia dos credores da pessoa jurídica permanece intangível, sendo vedado, por exemplo, a companhia negociar com as próprias ações, salvo em situações especiais ressalvadas no art. 30.º, § 1.º, da LSA.
Além dos atributos do capital social, é fundamental incluir suas funções. Para tanto colhem-se as lições lapidares de Paulo de Tarso Domingues sobre o tema. O autor defende que, além das duas funções tradicionalmente atribuídas ao capital social - função de financiamento e função de garantia – sejam consideradas quatro funções, que se desdobram num duplo plano. No plano interno, o capital desempenha uma função de financiamento e uma função de organização; e no plano externo, a função de garantia e a função de avaliação econômica da sociedade
[17].
A função de financiamento aplicada às
startups será detalhada na seção 3 durante a exposição dos instrumentos legais previstos no MSL. Por ora, é necessário analisar a contribuição dos sócios na formação do capital social de uma
startup.
Pela inteligência do já citado art. 7.º da LSA, pode-se inferir que o capital “intelectual” proveniente da atividade inovadora de algum sócio de uma
startup não se mostra possível de valoração contábil, ainda que, com dificuldades práticas, se possa auferir, contabilmente, valor a bens intangíveis. Logo, a prestação de serviços de natureza intelectual por algum sócio no sentido do desenvolvimento de produto ou serviço inovador não se presta à integralização de ações para a formação do capital de qualquer sociedade.
Uma das formas de contribuição do sócio para a sociedade é a transferência de tecnologia, conhecida como saber-fazer, ou
know-how. Indubitavelmente, os direitos intelectuais patenteados, como, por exemplo, decorrentes de invenção ou modelos de utilidade são bens móveis para efeito legais e podem ser objeto de cessão a terceiros, com fulcro nos artigos 5º e 58 da Lei de Propriedade Industrial brasileira (Lei n.º 9.279/96). A questão é saber se o ativo intelectual não patenteado deve ser considerado uma entrada
in natura ou em indústria e, se assim for, excluída da contribuição ao capital.
Paulo de Tarso Domingues analisa este ponto de forma proficiente. Em suas palavras:
Note-se que, caso se considere que a contribuição de um sócio, quando consista em transmissão de conhecimentos técnicos, configura uma entrada de indústria. Isso implicará que os sócios de uma sociedade de capitais (SA ou SQ) nunca poderiam recorrer àquele tipo de
apport para realização da sua entrada. É uma constatação que, só por si, nos suscita as maiores reservas quanto a esta qualificação da entrada com saber-fazer, dada a atual predominância (ou quase exclusividade) daqueles tipos sociais, sendo certo que tal contribuição pode até ser absolutamente essencial para o desenvolvimento do objeto da sociedade
[18].
O autor, contudo, admite a contribuição em saber-fazer quando consistir em obrigação de dar (e não de fazer) possa ser aceita, consistindo em entrada em espécie. Completa o autor seu raciocínio: “Assim, desde logo, apenas deverá ser admissível a entrada com saber-fazer, quando os conhecimentos técnicos (
das Wissen) se encontrem incorporados e materializados num qualquer suporte, permitindo, dessa forma, a sua autonomização do sócio que a realiza”
[19].
Pelo exposto, comprova-se que a própria constituição das
startups está umbilicalmente atrelada à necessidade de fomento e aporte externo de recursos, não sendo suficiente a capacidade inovadora intelectual de algum sócio ou de terceiros. Percebe-se que é matéria de relevância imperativa para o desenvolvimento de uma
startup o seu regime de investimentos, seja em bens em numerário, crédito ou bens
in natura, inclusive os intangíveis como aqueles objeto de propriedade intelectual.
Mediante a provável escassez de recursos, toda a disponibilidade patrimonial de uma
startup deve ser direcionada para testagem de sua hipótese/ideia (fase de ideação) para que possa ser transformada em um produto/serviço suscetível de comercialização (fase de validação), o produto viável mínimo, ou
minimum viable product.
Ao gerar receita, a
startup pode se consolidar no mercado (fase de tração) e alcançar a escalabilidade pretendida – o crescimento acelerado mediante sucesso de seu produto viável mínimo no mercado, garantindo exclusividade temporária de sua exploração no mercado (fase de escala)
[20].
No Brasil, a legislação básica sobre
startup é a Lei Complementar n.º 182/2021, conhecida como Marco Legal das
Startups (MLS)
. O art. 4.º do MLS define
startups como organizações empresariais e societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.
De acordo com o art. 4.º, § 1.º, são elegíveis para o enquadramento na modalidade de tratamento especial destinada ao fomento de
startup: o empresário individual (definido no art. 966.º,
caput, do Código Civil, como aquele que profissionalmente exerce empresa – atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços), a empresa individual de responsabilidade limitada
[21], as sociedades empresárias (dentre as quais se encontra a sociedade anônima, com fundamento no art. 982.º, parágrafo único, do Código Civil), as sociedades cooperativas e as sociedades simples. Em qualquer caso, a pessoa física ou a pessoa jurídica deve auferir receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezasseis milhões de reais) no ano-calendário anterior ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil, trezentos e trinta e quatro reais) multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 (doze) meses, independentemente da forma societária adotada.
Adicionalmente, o MLS dispõe que a pessoa física (empresário individual) ou jurídica (sociedades empresárias, simples e cooperativas) deve possuir até 10 (dez) anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; deve constar declaração em seu ato constitutivo ou alterador a utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, nos termos do conceito legal de inovação contido no inciso IV do caput do art. 2.º da Lei n.º 10.973/2004.
A definição de
startup no Brasil é bem diferente de outros ordenamentos, como na Itália, onde são feitas várias exigências para sua caracterização. O art. 25 do Decreto-lei n.º 179, de 18 de outubro de 2012, n.º 179, convertido na Lei n.º 221, de 17 de dezembro de 2012, definiu a
startup inovadora (
start-up innovativa) como sociedade cujas ações ou quotas representativas do capital social não são negociadas em mercado regulamentado e que, em síntese: (i) tenha sido constituída há menos de quarenta e oito meses; (ii) a partir do segundo ano de atividade, o valor da produção anual não supere cinco milhões de euros; (iv) não distribua e não tenha distribuído lucro; (v) possua como objeto social prevalecente o desenvolvimento, a produção ou a comercialização de produtos ou serviços inovadores de alto valor tecnológico; (vi) não seja resultante reorganização societária; (vii) cumpra, ao menos, um dos seguintes requisitos: (vii.a) as despesas com pesquisa e desenvolvimento sejam iguais ou superiores ao maior valor entre custo e valor total de produção da
startup inovadora; (vii.b) um terço das pessoas que trabalham para a
startup devem ser doutorandos, doutores em pesquisa ou pesquisadores, ou, ao menos, dois terços dos sócios ou colaboradores a qualquer título devem ser mestres; (viii.c) seja titular, depositária ou licenciada de pelo menos uma patente relativa a invenção industrial, biotecnológica, a topografia de produto semicondutor ou a uma nova variedade vegetal, ou ainda que seja titular de direitos de programas de computador, desde que tais direitos sejam diretamente relacionados ao objeto social e à atividade da
startup.
Pelo fato de serem enxutas, as
startups também prezam por um regime societário constitutivo e orgânico mais simplificado, em adição ao enquadramento no regime tributário favorecido do SIMPLES NACIONAL
[22], que exclui as sociedades anônimas e as cooperativas, salvo as cooperativas de consumo (art. 3º, § 4º, X, da Lei Complementar n.º 123/2006).
Contudo, pela premissa escalonável das
startups, é possível que, em alguns anos, o limite máximo de receita bruta anual de R$4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), para uma
startup enquadrada como empresa de pequeno porte, seja superado. Este fato impõe a exclusão da
startup enquadrada no SIMPLES NACIONAL (art. 3.º, § 9.º, da Lei Complementar n.º 123/2006) e será prova do êxito de investimento nela realizado e/ou pela sua capacidade e mensuração de sucesso. Portanto, é imperativo analisar o regime jurídico de investimento reforçado e reassegurado no Marco Legal das Startups.
3. Investimento em startups no Brasil e a proteção ao investidor
Como exposto na seção 1, a presente pesquisa se justifica pelas características específicas do modelo de negócios das
startups, ao risco inerente ao seu investimento e à necessidade emergente de aporte de capital para constituição de fundo patrimonial para início e permanência da atividade, sendo que, na seção 4, será analisado o caso das companhias de menor porte e as alterações promovidas na LSA pelo MLS.
Acerca da necessidade de investimentos para a sociedade, Paulo de Tarso Domingues expõe que toda sociedade depende de financiamento e tal conclusão independe de demonstração. É uma obrigação legal dos sócios, segundo o autor, financiar o projeto societário. Não à toa a legislação societária portuguesa prevê a obrigação fundamental de entrada dos sócios
[23].
O comentário do jurista português tem total aplicação também ao direito brasileiro, pois o Código Civil ao tratar das normas gerais de direito societário, a partir da regulação do tipo simples (arts. 997.º a 1.038.º), prevê em seu art. 1.004.º,
caput, que “Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora”. Tal contribuição será para o capital social e deve ser efetivada e bens suscetíveis de avaliação pecuniária (art. 997.º, inciso III).
Jorge Manuel Coutinho Abreu observa que o financiamento da sociedade não seria obstaculizado se o capital social fosse dispensado. Os sócios, ainda assim, continuariam a financiá-la
[24]. Tal observação tem total pertinência e se revela aplicável ao regime das sociedades cooperativas no Brasil. O art. 1.094.º, inciso I, do Código Civil, indica que uma das características deste tipo societário é a variabilidade do capital (fixação de um valor como capital mínimo no estatuto, que pode ser alterado durante a existência da sociedade) ou sua dispensa. Nesse caso, a inexistência do capital não será óbice ao desenvolvimento da sociedade, pois os sócios irão financiar o desenvolvimento do objeto social. Adverte o jurista luso que “[...] é evidente que o capital social mínimo legal geral das sociedades anônimas (art. 276.º, 5) ou o capital social mínimo estatutário das sociedades por quotas (arts. 201.º, 219.º, 3) não garantem qualquer financiamento côngruo para o desenvolvimento do objeto-atividade da generalidade das sociedades”
[25]. No caso de
startups esta assertiva é um fato incontestável.
O risco tecnológico se torna um termômetro para os próprios investidores, na medida em que uma
startup desenvolve um produto a ser validado com grandes incertezas e probabilidades de insucesso. Por conseguinte, ela terá mais dificuldade em conseguir um aporte de capital para desenvolvimento de suas atividades. Não à toa o art. 65.º-A, § 2.º, da Lei Complementar n.º 123/2006 prevê que é característica de uma
startup o desenvolvimento de suas inovações em condições de incerteza que requerem experimentos e validações constantes, inclusive mediante comercialização experimental provisória, antes de procederem à comercialização plena e à obtenção de receita.
Muitas rodadas de investimento efetuadas por investidores em
startups consistem em abraçar um projeto que ainda se encontra em fase de ideação. Assim, não é possível apresentar precisamente os riscos inerentes ao desenvolvimento, e o risco de perdas em caso de desinvestimento ou resgate é alto.
Por isso, o investimento em
startups diverge do investimento usual em sociedades empresárias que já tenham seu produto ou até mesmo seu modelo de negócios consolidados no mercado, em adição aos resultados constantes de demonstrações contábeis que atestem a sua saúde financeira, conferindo ao investidor a segurança de estudar o risco de perda de capital aportado e eventuais chances de retorno.
Por essas razões, o investimento em
startups é considerado como
venture capital, ou seja, capital de risco. O investidor mira empreendimentos com potencial de crescimento a curto prazo e significativo, com retornos elevados. Para tanto preferem
startups em estágios iniciais de desenvolvimento ou em fase de crescimento rápido
[26].
O Capítulo III do MLS contempla os instrumentos de investimento em inovação, buscando trazer segurança jurídica ao investidor, na medida em que o apartou da responsabilidade pelos riscos e resultados da atividade econômica desenvolvida pela
startup, exceto se ficar comprovado seu envolvimento com a atuação da pessoa jurídica nas hipóteses de dolo, fraude ou simulação (art. 8.º, parágrafo único, do MLS).
O art. 5.º,
caput, autoriza que as
startups recebam aportes de capital por pessoa física ou jurídica, podendo ou não o investidor vir a se tornar sócio ou acionista. Chama-se atenção para o fato de o MLS ter adotado para os investimentos em
startups uma solução diversa da tradicional no direito brasileiro. Em geral, o investimento de recursos para a exploração de atividades econômicas é feito a título de subscrição de quotas ou ações, tanto na constituição da sociedade (caso típico das
startups) quanto em aumentos de capital. Todavia, se tal orientação tivesse sido mantida pelo MLS, o investidor assumiria a condição de sócio ou acionista e responderia – limitada ou ilimitadamente
[27] – pelas obrigações sociais, a depender do tipo societário eleito. Em que pese a predominância praticamente total da adoção de tipos societários que permitem a limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da pessoa jurídica (sociedade), seja em relação ao valor das quotas (sociedade limitada, art. 1.052.º do Código Civil), seja em relação ao preço de emissão das ações (sociedade anônima, art. 1.º da Lei n.º 6.404/76), ainda assim é possível que o sócio possa ser responsabilizado em situações excepcionais, seja de modo solidário com a sociedade, seja de modo subsidiário. Um importante exemplo está no art. 134.º, inciso VII, do Código Tributário Nacional (Lei n.º 5.172/1966), que assim dispõe:
Art. 134.º Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: [...]
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
À luz do exposto, é possível atestar que a limitação da responsabilidade do sócio, corolário da autonomia objetiva ou patrimonial da pessoa jurídica, não é absoluta, a despeito de sua valorização pelo legislador como fator de estímulo à inovação na redação do art. 49.º-A do Código Civil brasileiro, em especial, no parágrafo único,
in verbis:
Art. 49.º-A [...]
Parágrafo único A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
A partir do conceito de investidor-anjo (art. 2.º, inciso I), o MLS adota a premissa de que ele não é considerado sócio e não exerce direitos na sociedade nessa condição (ex: é vedado o exercício da gerência ou direito de voto na administração, não respondendo por qualquer obrigação social e tampouco é remunerado por seus aportes). Percebe-se que o legislador fez questão de delimitar o papel de “investidor” e não “sócio” e a impossibilidade de sua responsabilização em situações em que os sócios podem ser demandados judicialmente a cumprir com obrigações da pessoa jurídica (ex: os sócios de sociedades limitadas serão responsabilizados ilimitadamente pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato de acordo com o art. 1.080.º do Código Civil).
O art. 5.º, § 1.º, do MLS arrola os seguintes instrumentos de investimento em
startup: (i) contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas; (ii) contrato de opção de compra de ações ou quotas; (iii) debênture conversível em ações; (iv) contrato de mútuo conversível em participação; (v) estruturação de sociedade em conta de participação; (vi) contrato de investimento-anjo e (vii) outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre formalmente o quadro de sócios da startup e/ou não tenha subscrito qualquer participação representativa do capital social. Em todos eles, o legislador determinou que não será considerado o aporte realizado na startup como integrante do capital social, portanto, não pode ser reputado como quota ou ação. Todavia, essa segregação não é sempre definitiva, razão pela qual cabe tecer breves comentários sobre os instrumentos acima listados.
O contrato de opção de subscrição de ações ou quotas e o contrato de opção de compra de ações ou quotas, embora tragam o mesmo objetivo em seu bojo, ou seja, que o contratante venha a ser tornar sócio ou acionista quando for implementado o termo fixado ou a condição imposta ao negócio jurídico, têm uma distinção cabal. O primeiro assegura o direito de subscrever ações ou quotas em aumento de capital ou na constituição da sociedade, sendo medida adotada quando a sociedade está em vias de se organizar para futura constituição ou para uma operação de aumento de capital. Tal instrumento é bastante salutar para a
startup enquanto estiver em fase de ideação diante da possibilidade de receber recursos antes mesmo do início das atividades da pessoa jurídica, sendo a subscrição originária, isto é, na fase de constituição. De igual modo, é uma forma de planejamento do aporte de novos investimentos para aumentos de capital projetados ou previamente escalonados. O segundo instrumento pressupõe que a sociedade empresária já esteja em atividade, após a subscrição inicial, sendo os títulos de participação negociados entre os sócios ou acionistas. Tratando-se de sociedade anônima, os contratos que conferem direitos de subscrição de ações, quando ofertados publicamente através da intermediação de agentes integrantes do mercado de capitais, são considerados valores mobiliários.
A captação de recursos mediante a emissão de debêntures conversíveis em ações tem semelhança com os instrumentos anteriores na medida em que possibilita o debenturista de converter seus títulos em participação societária na companhia ou sociedade anônima emissora. Há, contudo, uma sensível diferença: as opções de compra ou de subscrição de ações não remuneram o investidor periodicamente, ao passo que a debênture conversível assegura ao titular o pagamento de juros, além do direito de subscrição de ações. Em todas as formas de investimento mencionadas até então, o investidor somente será sócio ou acionista a partir do exercício do direito de opção ou conversão do título, cessando a proibição de que o aporte seja considerado fração do capital social. Até que esse momento tenha lugar, ele será considerado um investidor, ficando imune à responsabilização pessoal e sem os direitos de sócio.
O contrato de mútuo (empréstimo de coisa fungível que obriga o mutuário a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade) é outro instrumento à disposição das
startups, com a peculiaridade da presença de cláusula de conversão do crédito do mutuante em participação societária, ocasião em que também será extinta a proibição de segregação do aporte em relação ao capital social.
Nessa modalidade, o mútuo pode ser convertido em participação societária caso ocorra um evento de liquidez, previsto no contrato, como novos aportes ou a valorização da
startup no mercado
[28].
É uma importante alternativa à emissão de debêntures conversíveis para as sociedades limitadas, que não possuem autorização legal para emiti-las. Todavia, é importante ressaltar que o mútuo concedido por instituições financeiras não têm limitação às taxas de juros legais
[29], seguindo os parâmetros definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão de cúpula do Sistema Financeiro Nacional
[30]. Em razão do custo de transação, a alternativa do mútuo conversível não é atrativa para a
startup quanto cotejada com outros instrumentos de captação de investimentos, como o contrato de investidor-anjo ou as opções de compra ou de subscrição.
Paulo de Tarso Domingues, analisando as formas de investimento na sociedade pelos sócios, inclui os mútuos feitos por eles. O autor advoga que o teor dos artigos 243.º e seguintes do CSC autoriza que os sócios celebrem contratos de mútuo com a sociedade, sem a incidência das normas do regime dos suprimentos. Neste caso, o sócio seria na relação contratual um terceiro. Não obstante, o doutrinador ressalta a necessidade de os mútuos serem de curto prazo, pois se eles forem permanentes - o que se presume quando o empréstimo vigorar por um período superior a um ano- ficarão sujeitos ao regime dos suprimentos
[31].
Na transposição da doutrina acima citada para o direito societário brasileiro, verifica-se a inexistência na legislação – tanto no Código Civil quanto na lei de sociedades por ações – da tipificação do contrato de suprimento. Tal espécie contratual é definida no art. 243.º do CSC como: “o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência”. Somente pode ser considerado permanente o crédito se o prazo de reembolso ao sócio for superior a um ano, quer tal estipulação seja contemporânea da constituição do crédito quer seja posterior a esta. Qualquer empréstimo feito à sociedade seja pelo sócio ou por terceiro tem tratamento no Brasil de mútuo, regulado nos arts. 586.º a 592.º do Código Civil. No mútuo em favor da
startup, o mutuante será um terceiro que se tornará sócio somente a partir da conversão em participação societária.
Nessa modalidade, o mútuo pode ser convertido em participação societária caso ocorra um evento de liquidez, previsto no contrato, como novos aportes ou a valorização da
startup no mercado
[32].
A estruturação de sociedade em conta de participação merece um detalhamento peculiar, especialmente pela natureza jurídica do instituto no direito brasileiro. Em Portugal, a “associação em participação” é um contrato típico, regulado pelo Decreto-lei n.º 231/81, juntamente com os consórcios. O artigo 21.º do referido diploma se refere a ela como
“1 - A associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda, regular-se-á pelo disposto nos artigos seguintes.
2 - É elemento essencial do contrato a participação nos lucros; a participação nas perdas pode ser dispensada.
3 - As matérias não reguladas nos artigos seguintes serão disciplinadas pelas convenções das partes e pelas disposições reguladoras de outros contratos, conforme a analogia das situações.”
Atualmente, o Código Civil brasileiro de 2002 dispõe sobre a “sociedade em conta de participação” em seus artigos 991 a 996. A sociedade foi originariamente regulada pelo Código Comercial de 1850 (artigos 325.º a 328.º), que também a considerava como sociedade mercantil em linha com o Código Comercial português de 1833, o qual lhe serviu de fonte. A natureza jurídica é de sociedade, diante da inclusão dela no Subtítulo denominado “Da Sociedade Não Personificada”. Ademais, a sociedade tem como características, dentre outras: (i) o fato de a atividade constitutiva do objeto social ser exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, que é ilimitada, participando os demais dos resultados correspondentes; (ii) obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social; (iii) a constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito; (iv) o contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade. Sendo constituída uma sociedade em conta de participação, o investidor tornar-se-á sócio, embora tenha responsabilidade limitada nos termos do contrato, mas ele não terá quota na sociedade em razão da ausência de personalidade jurídica. Ao contrário do direito português, o sócio participante não pode ser dispensado em participação nas perdas. Isso se deve ao fato de a conta de participação ter por disciplina subsidiária as normas da sociedade simples, conforme determina o art. 996 do Código Civil. Com isso, é nula a cláusula que exclua qualquer sócio de participação nos lucros e nas perdas (art. 1.008.º).
Por fim, o último instrumento típico previsto no MLS é o contrato de investimento-anjo, parcialmente regulamentado no art. 61.º-A da Lei Complementar n.º 123/2006. Trata-se de um contrato celebrado entre o investidor-anjo
[33] e uma microempresa ou empresa de pequeno porte
[34] que não gera participação no empreendimento na forma da titularidade de quotas ou ações, nem a expectativa da aquisição desta condição, salvo estipulação em contrário. Com isso, o instrumento se diferencia substancialmente dos anteriores, nos quais o investidor será sócio (sociedade em conta de participação) ou assumirá com o adimplemento do termo ou da condição essa qualidade (opção de compra ou subscrição de quotas/ações, debêntures conversíveis ou mútuo conversível). Eleito este instrumento, a segregação entre o aporte de investimento e o capital da investida é, a priori, permanente. Cabe lembrar a imperatividade das vedações ao investidor-anjo decorrentes do conceito dessa figura pelo MSL (art. 2.º, I).
Em razão do escopo desta seção ser a análise do investimento em startup e da constatação de o MLS ser extramente sucinto sobre direitos e deveres do investidor-anjo, além de outras características do contrato entre ele e a micro ou pequena empresa investida, cabe sistematizar as regras da Lei Complementar n.º 123/2006.
a) em relação ao contrato: (i) partes: o investidor-anjo e a investida (art. 61.º-A,
caput, da Lei Complementar n.º 123/2006); (ii) vigência máxima de 7 anos (art. 61.º-A, § 1.º, da Lei Complementar n.º 123/2006); (iii) deve constar do contrato que sua finalidade é o fomento à inovação e em investimentos produtivos (art. 61.º-A, § 1.º, da Lei Complementar n.º 123/2006);(iv) tratando-se da constituição de sociedade em conta de participação, deve constar do contrato que a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente por sócios regulares (sócios ostensivos), em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade, em linha com o art. 991.º do Código Civil (art. 61.º-A, § 3.º, da Lei Complementar n.º 123/2006); e (v) poderá prever a possibilidade de conversão do aporte de capital em participação societária (art. 61-A, § 6º, inciso II, da Lei Complementar n.º 123/2006).
b) em relação ao investidor-anjo (art. 61.º-A, §§ 4.º e 7.ºº, e art. 61.º-C, da Lei Complementar n.º 123/2006): (i) não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração, resguardada a possibilidade de participação nas deliberações em caráter estritamente consultivo, conforme pactuação contratual, (ii) não responde por qualquer obrigação social; (iii) é remunerado por seus aportes, nos termos do contrato de participação, observado o prazo máximo de 7 anos; (iv) não responderá por qualquer dívida da pessoa jurídica investida, inclusive se ela requerer recuperação judicial
[35]; (v) poderá exigir dos administradores as contas justificadas de sua administração e, anualmente, o inventário, o balanço patrimonial e o balanço de resultado econômico;
(vi) poderá examinar, a qualquer momento, os livros, os documentos e o estado do caixa e da carteira da sociedade, exceto se houver pactuação contratual que determine época própria para isso; (vii) somente poderá exercer o direito de resgate do investimento depois de decorridos, no mínimo, 2 anos do aporte de capital, ou prazo maior, se estabelecido no contrato de participação, sendo que os haveres decorrentes serão pagos com base em balanço especial, na forma prevista no
art. 1.031.º do Código Civil, não permitido ultrapassar o valor investido devidamente corrigido por índice previsto em contrato; e (viii) terá direito de preferência na aquisição das participações societárias, caso os sócios decidam pela alienação, ou direito de venda conjunta da titularidade do aporte de capital, nos mesmos termos e condições daqueles ofertados aos sócios.
A redação do inciso VII do § 1.º do art. 5.º, ao admitir outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor não seja sócio da startup e/ou não tenha subscrito qualquer participação representativa do capital social, deixa patente que o rol é instrumentos jurídicos é exemplificativo. Um exemplo é a captação de recursos por meio da emissão de notas comerciais. As notas comerciais, reguladas pelos artigos 45.º a 51.º da Lei n.º 14.195/2021, são, concomitantemente, títulos de crédito e valores mobiliários, emitidos por sociedades anônimas, sociedades limitadas ou sociedades cooperativas. O título, que não pode ser convertido em ações, ainda que seja ofertado em colocação privada no mercado, é de livre negociação, representa promessa de pagamento em dinheiro do emissor aos beneficiários e tem seu valor nominal sujeito à incidência de juros, à taxa fixa ou flutuante, inclusive admitida a capitalização. Admite-se a conversão da nota comercial em participação societária se o emissor for sociedade limitada ou sociedade cooperativa. Com isso, há perfeita compatibilidade da nota comercial com outros instrumentos do MLS para investimentos em
startups.
Em suas fases iniciais [ideação, validação], em que ainda as
startups não gerem ainda receita, integrar o seu quadro societário implica[ria] necessariamente para o investidor a assunção de todos os riscos decorrentes dessa escolha, tais como a responsabilização nos casos de decretação da desconsideração da pessoa jurídica, além do próprio insucesso e falência da startup. Em caso de falência, o patrimônio pessoal dos sócios de responsabilidade limitada pode ser constrito em caso de comprovação de sua responsabilidade com as causas que ensejaram a falência (art. 82.º, § 2.º, da Lei n.º 11.1012005).
Para afastar este e outros riscos, um aspecto digno de nota foi a ampliação da proteção ao investidor-anjo pelo MSL em relação ao que já era disposto na Lei Complementar n.º 123/2006 em relação à exclusão de responsabilidade por dívidas da investida ou de seus sócios. O art. 61.º-A, § 4.º, inciso II, da Lei Complementar n.º 123/2006 excluiu o investidor-anjo da aplicação da desconsideração da personalidade jurídica prevista no art. 50 do Código Civil. Desse modo, é proibida a extensão da responsabilidade da pessoa jurídica aos bens particulares do investidor-anjo, uma vez que ele não tem a qualidade de sócio ou administrador. O art. 8.º,
caput, inciso II, do MLS ampliou a proteção para afastar do investidor que realizar aporte de capital em
startup a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho (art. 855.º-A da Consolidação das Leis do Trabalho - Decreto-lei n.º 5.452/43) e de quaisquer disposições da legislação brasileira que prevejam a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Em sede de obrigações tributárias da pessoa jurídica investida, não se aplicam ao mesmo investidor os artigos 124.º, 134.º e 135.º do Código Tributário Nacional, que dispõem sobre hipóteses de responsabilidade de terceiros com o contribuinte pelo pagamento de tributos.
Conclui-se, destarte, que poderão ser concebidos outros instrumentos em razão da liberdade contratual das partes, pautada pela observância da função social do contrato, como preceitua o art. 421.º do Código Civil. Deve-se considerar que a liberdade contratual, decorrente da livre iniciativa, garante aos particulares o direito de pactuarem entre si contratos não previstos pela norma, que sejam atípicos, como lhes faculta o art. 425.º do Código Civil. Estão compreendidos nessa faculdade a observância aos requisitos legais de validade dos negócios jurídicos, como objeto lícito, determinado ou determinável, agentes capazes e forma prescrita ou não defesa por lei (art. 104.º do Código Civil).
Os contratos de investimento previstos no MLS se estruturam, estrategicamente, em mecanismos de aporte,
ab initio, de capital, conferindo, posteriormente, direito de conversibilidade do valor aportado, no todo ou parcialmente, em participação societária (
equity). Contudo, algumas ressalvas devem ser levantadas: a) quanto às peculiaridades; b) quanto ao investimento e características do seu investidor; c) nos mecanismos de aporte de capital e sua potencial conversão em participação do investidor e seus riscos.
Quanto às peculiaridades do investimento, como já exposto, não raro, as
startups em sua fase de ideação possuem tão somente o capital intelectual dos seus fundadores, geralmente advindos de um ecossistema
[36] que fomente o desenvolvimento científico-tecnológico, como o Vale do Silício, nos Estados Unidos, ou em Bangalore, na Índia. Por isso, as
startups dependem de investimento inicial para sua formação/formalização enquanto pessoa jurídica
[37] e continuidade até que possuam receita própria. Nesse momento de investimento, o capital necessário é categorizado como capital semente, ou “
seed capital”. A proteção ao investidor com o mecanismo de sua blindagem da desconsideração da personalidade jurídica é um instrumento jurídico que vem ao encontro dessas peculiaridades.
O investidor, na fase de ideação de uma
startup, deve considerar algumas características essenciais, sob risco de se engendrar em uma aventura arriscada, irresponsável e perder todo ou quase todo o capital aportado: (i) volume de investimento: em sua fase inicial, a
startup dependerá de um aporte vultuoso para constituição de fundo patrimonial e manutenção de suas despesas, o que pode ocorrer em mais de uma rodada de investimentos; (ii) a relação jurídico-obrigacional constituída entre investidor e investida deve considerar prazos para exercício de resgate (ou desinvestimento) e amortização mais elásticos para que a
startuppasse a gerar receita própria para cumprir com a prestação,– considerando o investimento ter sido instrumentalizado através de um título de dívida (ex: debênture); (iii) riscos: como categorizado, o investimento em
startups é considerado de risco [
venture capital], dessa forma contabiliza-se nos
spreads do investimento uma forma de redução/amortecimento desse risco tecnológico através de mecanismos contratuais.
Quanto aos mecanismos de aporte de capital, pode-se inferir que possuem natureza estritamente contratual, privatista, e são constituídos mediante liberalidade das partes, que poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução. Se resumem a instrumentos de dívida que permitem contato com investidor especializado do ecossistema inovador para fornecer mentoria/treinamento, como contrato de investimento-anjo. Não se pode olvidar que, no contrato de investimento-anjo, após o decurso de 2 anos do aporte de capital, o investidor tem direito de resgate do valor investido a ser apurado com base em balanço especial, exceto se prazo maior for estabelecido no contrato, com fundamento no art. 61.º-A, § 7.º, da Lei Complementar n.º 123/2006.
Outra característica já destacada é a possibilidade de exercício de conversibilidade de parte ou totalidade do valor em participação societária. Essa conversibilidade pode ocorrer mediante vontade do investidor, considerando as condições parametrizadas no contrato, ou mediante evento futuro e incerto, geralmente um evento de liquidez, como outro grande investidor aportando capital, ou atingimento de valor de mercado mediante escalabilidade e/ou transformação do tipo societário de limitada para sociedade anônima.
Sendo eleito instrumento jurídico que preveja a opção de subscrição ou aquisição de quotas ou ações, bem como a emissão de debêntures conversíveis, a condição contratual, nesse caso, se comporta como suspensiva, porquanto o direito de subscrição, compra ou conversibilidade se encontra suspenso e vinculado à observância do evento futuro e incerto. Todavia, haverá a incidência de uma condição resolutiva se o investidor faz jus a uma remuneração antes do exercício do direito de conversão do crédito em participação societária, como para o mutuante ou debenturista, quando o implemento da condição importa na resolução estrutural de um contrato de mútuo feneratício, portanto, extinguindo-se o direito de o investidor exercer seu direito de resgate do valor, para que se converta em participação societária.
O fato de a conversibilidade estar atrelada a um evento de liquidez, que, como mencionado, não é certo, podendo ser tão somente esperado, se justifica pela proteção conferida ao investidor quanto ao momento de integrar o quadro social de uma
startup.
Embora o Código Civil brasileiro disponha em seu art. 421-A que os contratos são paritários (não há desequilíbrio entre as partes) e simétricos (as informações que cada parte possui sobre a outra são suficientes), salvo se ficar constatada a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, a assimetria informacional entre investidor e investida é outro fator que enseja risco e onerosidade aos contratos de investimentos privados em
startups. Cita-se, como exemplo, o caso famoso mundialmente da
startup norte-americana denominada Theranos, que se narra sucintamente a seguir.
A diretora executiva da Theranos, Elizabeth Holmes, em 2003, apresentou um projeto que prometeu revolucionar a indústria laboratorial diagnóstica. Com apenas uma gota de sangue a tecnologia supostamente desenvolvida (um
hardware alcunhado de Edison) seria capaz de realizar cerca de 203 testes entre diabetes, colesterol e até câncer.
Em pouco tempo a Theranos atraiu diversos
venture capitalists do Vale do Silício, Califórnia, tendo sido aportado nela o montante de até 700 milhões de dólares, atingindo o patamar de unicórnio, isto é, empresa de tecnologia inovadora avaliada em mais de US$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de dólares) antes de abrir seu capital em bolsas de valores, pois o valor de mercado da Theranos foi avaliado em US$ 9.000.000.000,00 (nove bilhões de dólares). Entretanto, com o passar do tempo, os testes diagnósticos começam a ser inconclusivos e Elizabeth Holmes começou a ocultar tais informações oriundas de seus laboratórios relativos ao desenvolvimento de sua tecnologia.
Segundo nota pública emitida pela promotoria distrital foi informado que:
Elizabeth Holmes and Ramesh “Sunny” Balwani are charged with two counts of conspiracy to commit wire fraud and nine counts of wire fraud. According to the indictment, the charges stem from allegations that Holmes and Balwani engaged in a multi-million-dollar scheme to defraud investors, and a separate scheme to defraud doctors and patients. Both schemes involved efforts to promote Theranos, a company founded by Holmes and based in Palo Alto, California. Theranos was a private health care and life sciences company with the stated mission to revolutionize medical laboratory testing through allegedly innovative methods for drawing blood, testing blood, and interpreting the resulting patient data.[38]
A ausência de conclusão das pesquisas e assimetria informacional foram informados por um ex-empregado, ocasião em que a Procuradoria dos Estados Unidos e Agências Reguladoras das áreas de vigilância sanitária e saúde passam a demandar transparência de resultados, o que não pôde ser cumprido pela
startup. Por fim, a CMS (
Center for Medicare and Medicaid Services) e a FDA (
Food and Drug Administration) aplicaram sanções administrativas e processam a Theranos por fraude e conspiração.
Atualmente, Elizabeth Holmes cumpre pena de reclusão de 11 anos a qual foi condenada, em adição ao dever de indenizar investidores pelo valor aproximado de 450 milhões de dólares.
Qualitativamente, pode-se deduzir do caso Theranos dados que justificam a assertiva de que o investimento em
startups é classificado como de alto risco (
venture capital): (i) o risco assumido por elas diverge do investimento em setores não engajados em inovação tecnológica; (ii) há assimetria informacional decorrente da arquitetura contratual de tais investimentos por serem privados, com baixo ou nenhum mecanismo de governança, e a possibilidade de o investidor acompanhar periodicamente o desenvolvimento do produto inovador da
startup; (iii) caso o produto desenvolvido pela
startup, a ser comprovado pela obtenção de seu PVM (produto viável mínimo, ou
MVP minimum viable product) fracassar, o investidor pode vir a perder todo o capital aportado; e, por fim, (iv) em decorrência da fragilidade fática entre fraude privada e insucesso do produto desenvolvido pela startup, acentuada pela assimetria informacional advinda da arquitetura contratual, o segmento intensifica os riscos assumidos em decorrência da possibilidade de o investidor ser vítima de algum golpe ou esquema financeiro, o que reflete em um êxodo de investidores do setor, e a injeção de valores inferiores de recursos nas
startups.
Os riscos assumidos em investimentos direcionados aos setores econômicos não engajados em inovação tecnológica são inerentes ao próprio exercício da empresa. O risco de empreender, de ordem mercadológica/econômica, é motivado por oscilações em preços de insumos, crises macroeconômicas, dentre outros. O modelo de negócios desses empreendimentos tradicionais é replicado e validado, o produto e/ou serviço oferecido é consolidado, conhecido e testado. Os investidores não estão sujeitos a riscos experimentais, como testagem e validação de protótipo, consolidação do produto viável mínimo. Por fim, tanto o perfil do consumidor quanto o regime regulatório são conhecidos, evitando gastos excepcionais com conformidade, publicidade, além de medidas mais extremas como processos judiciais/administrativos e até a apreensão forçada de seus bens
[39]. As
startups, por sua vez, vivenciam uma materialidade diversa do paradigma dos empreendimentos “usuais”.
Para fins de conceituação do termo “startup”, Anderson Cavalcante, Leandro Silva e Marcia Siqueira Rapini
[40] inferem que existem dois aspectos que devem ser considerados: estágio de desenvolvimento e natureza da atividade desenvolvida. O elemento humano
[41] é preponderante no modelo de negócios, considerando a capacidade de decisão, liderança, racionalidade limitada e conhecimento nas tomadas de decisão.
Por se tratar de um empreendimento “inexperiente” [sic], a
startup não possui modelo de negócios estruturado de forma madura, havendo grande incerteza quanto à capacidade de geração de receita e, consequentemente, de retorno para os sócios e investidores.
Quanto à natureza da atividade desenvolvida, é certo que todo empreendimento em seu estágio inicial apresenta incertezas quanto ao seu sucesso e estabilidade no mercado. A diferença em relação às
startups reside na incerteza e assunção de riscos inerentes ao desenvolvimento de uma ideia inovadora e testagem do próprio modelo de negócios.
Quando se trata de um nicho de mercado regular
[42], como por exemplo a indústria de varejo, ou alimentícia, v.g., em que suas atividades e modelo de negócios foram testados repetidamente, suas incertezas possuem caráter exógeno, como (i) o risco de dificuldade de acesso aos insumos necessários para a produção do produto/serviço, (ii) oscilações usuais no mercado, (iii) questões institucionais.
Por isso, em termos de responsabilidade dos sócios, o acesso a mecanismos diversos de investimentos e simplificação quanto à sua constituição e perenidade devem ser considerados pelo legislador para uma
startup.
Como instrumento que apresenta maior viabilidade para o exercício da macroempresa, o tipo societário companhia (ou sociedade anônima) é instrumento recomendável para que a
startup possa receber aportes
[43], em equilíbrio ao cumprimento de práticas de transparência e prestação de contas, o que se alinha com sua organicidade e tipificação. Tal se justifica em especial pela possibilidade de captação de recursos no mercado através da emissão de valores mobiliários (ex: debêntures ou opções de subscrição de ações), bem como da limitação da responsabilidade de todos os acionistas ao preço de emissão das ações subscritas e adquiridas sem solidariedade pela integralização. Assim, o trabalho passa a enfatizar a companhia de menor porte, tema que é detalhado na próxima seção.
4. A startup constituída como companhia de menor porte e seu acesso ao mercado de capitais
A companhia de menor porte foi prevista nas disposições finais do MLS em seu art. 16, com a alteração da Lei de Sociedades por Ações brasileira (Lei n.º 6.404/76) através da adição do art. 294-A, que trata da facilitação de acesso ao mercado de capitais pelas
startups.
Para fins legais, a companhia de menor porte é a sociedade anônima que aufira receita bruta anual inferior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais), conforme redação do artigo 294-B.
O conceito de companhia de menor porte é um desdobramento da categorização das companhias em função do patrimônio líquido (critério substituído pela receita bruta anual em 2021), a fim de lhes conferir um tratamento diferenciado e simplificado em relação a alguns deveres impostos às companhias (ex: convocação dos acionistas para as assembleias-gerais por anúncio entregue mediante recibo, ao invés da publicação de editais em jornais e na imprensa oficial). Tal expediente constou da redação original do art. 294, que tratava da sociedade anônima “familiar”, ou seja, aquela da espécie fechada
[44], com menos de 20 acionistas, cujo estatuto determinasse que todas as ações seriam nominativas, não-conversíveis em outras formas, e cujo patrimônio líquido fosse inferior ao valor nominal de 20.000 (vinte mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional. Em 1997, a Lei n.º 9.457 exigiu apenas que o número de acionistas fosse inferior a 20, eliminando qualquer referência ao patrimônio líquido. Todavia, em 2001, a Lei n.º 10.3030 retomou a exigência, fixando em até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) o valor do patrimônio líquido. Nova alteração com a Lei n.º 13.818/2019, alterando para até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) o valor do patrimônio líquido. Por fim, o MLS determinou a alteração do art. 294 para eliminar a exigência do máximo de 19 acionistas e substituir o critério do patrimônio líquido pelo da receita bruta anual, fixada em até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) e criou as companhias de menor porte, definidas também em razão da receita bruta anual.
Um aspecto sensível na distinção entre a companhia familiar e a de menor porte é a ausência de exigência que esta seja da espécie fechada. A razão está na redação do art. 294-A, que impõe à Comissão de Valores Mobiliário (órgão regulador do mercado de capitais brasileiro com competência para o registro e fiscalização sobre as companhias abertas) regulamentar as condições facilitadas para o acesso dessas companhias ao mercado de capitais, sendo permitido dispensar ou modular a observância ao disposto na Lei n.º 6.404/76. acerca de práticas de transparência e prestação de contas. Transcreve-se o referido dispositivo, que flexibiliza a aplicação de várias disposições da LSA para as companhias de menor porte.
Art. 294.º-A. A Comissão de Valores Mobiliários regulamentará as condições facilitadas para o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais, e será permitido dispensar ou modular a observância ao disposto:
I - no art. 161.º desta Lei, quanto à obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal a pedido de acionistas;
II - no § 5.º do art. 170.º desta Lei, quanto à obrigatoriedade de intermediação de instituição financeira em distribuições públicas de valores mobiliários, sem prejuízo da competência prevista no inciso III do § 3.º do art. 2.º da Lei n.º 6.385, de 7 de dezembro de 1976;
III - no inciso I do caput do art. 109.º, nos §§ 1.º e 2.º do art. 111 e no art. 202.º desta Lei, quanto ao recebimento de dividendo obrigatório;
IV - no art. 289.º desta Lei, quanto à forma de realização das publicações ordenadas por esta Lei; e [...]
A despeito de o MLS trazer diversos incentivos aos investimentos em
startups, é inegável que as alterações na LSA tem por fito a dispensa dos maiores rigores para as companhias de menor porte quanto à transparência e fiscalização das contas, como medida simplificadora de acesso a investimentos no mercado de capitais para as
startups constituídas como companhias de menor porte, como a dispensa de instalação do conselho fiscal e da necessidade de instituição intermediadora da oferta ao público em distribuições públicas de valores mobiliários.
Para Nelson Eizirik, um dos objetivos básicos do mercado de capitais consiste em permitir o acesso das companhias aos recursos dos investidores integrantes da poupança popular. Estes, por sua vez, são o epicentro regulatório estatal, que visa regular um eficiente sistema de
full and fair disclosure, o que significa dizer que terão acesso a quantas informações forem necessárias, de forma universalizada e eficaz, acerca das informações que possam influenciar na decisão de aquisição, alienação, ou no próprio valor dos valores mobiliários
[45].
Quanto ao conselho fiscal, este é um órgão independente dos órgãos administrativos, eis que possui como objetivo reportar-se aos acionistas, preservando o valor da companhia. O art. 163 da LSA define as competências do conselho fiscal, dentre elas a de fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários e enunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, à assembleia-geral, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à companhia. O art. 294-A, ao dispensar a obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal a pedido de acionistas ou reduzir o percentual mínimo de titularidade do capital social a menos de 1 décimo das ações com direito a voto, a CVM permite a CVM contribuir com a redução dos custos operacionais das companhias de menor porte com a manutenção do conselho fiscal e a remuneração dos conselheiros.
Em relação à intermediação de instituição financeira em distribuição pública de valores mobiliários, o negócio jurídico para este fim na captação de recursos pelas companhias é denominado de
underwriting, sendo uma das atividades principais desenvolvidas no mercado de capitais. Tal intermediação é necessária pois, geralmente, as companhias, ao abrirem o seu capital para captação de financiamento através da poupança pública, não possuem capacidade profissional nem experiência para acessar diretamente o mercado de capitais. A obrigação do
underwriter pode ser de meio ou de fim. Quando de meio, a instituição financeira se compromete a agir com diligência e em respeito ao procedimento da oferta pública. Já quando assume obrigação de fim com a companhia emissora, o
underwriter se compromete com o resultado da operação, garantindo ao credor que os títulos ofertados serão subscritos em sua totalidade pela instituição intermediadora.
No que tange o recebimento do dividendo obrigatório, a lei brasileira reconhece que um dos direitos essenciais dos acionistas é o de participar dos lucros sociais (inciso I do art. 109). No caso das ações preferenciais – que podem ter em razão de disposição estatutária o direito de voto vedado ou restrito a certas deliberações – os §§ 1.º e 2.º do art. 111.º dispõem que elas adquirirão o exercício desse direito, ou terão suspensas as limitações a seu exercício, se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso. Por fim, o art. 202.º assegura aos acionistas o recebimento como dividendo obrigatório, em cada exercício social, da parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as normas dos incisos I, II e III do
caput do artigo. Não obstante, o dividendo pode ser pago em parcela inferior ao obrigatório ou não ser pago, respectivamente, nas situações previstas nos §§ 3.º e 4.º do art. 202.º.
Na primeira situação, para que a companhia retenha todo o lucro líquido ou pague o dividendo aquém do obrigatório, é preciso que a proposta seja aprovada pela unanimidade dos acionistas presentes à assembleia-geral. Ademais, tal possibilidade só tem aplicação em companhias abertas, exclusivamente para a captação de recursos por debêntures não conversíveis em ações, ou
em companhias fechadas, exceto nas controladas por companhias abertas que não captem recursos por debêntures não conversíveis em ações. Na segunda situação, a companhia poderá deixar de pagar dividendos no exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembléia-geral ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia.
Em relação à forma de realização das publicações ordenadas pela Lei n.º 6.404/76, a CVM regulamentou o inciso IV do art. 294.º-A na Resolução n.º 166/2022 (dispõe sobre a forma de realização das publicações ordenadas pela Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976, por parte das companhias abertas de menor porte)
[46]. A autarquia considerou a aferição da receita bruta anual inferior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais), com base nas demonstrações financeiras de encerramento do último exercício social. Dispõe o art. 2.º que é facultado às companhias abertas de menor porte realizar as publicações ordenadas na Lei n.º 6.404, de 1976, ou previstas na regulamentação editada pela CVM por meio dos Sistemas Empresas.NET ou Fundos.Net, conforme o caso. As publicações são consideradas realizadas na data em que os documentos forem divulgados nos referido sistemas.
As condições facilitadas para o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais, mediante a dispensa ou modulação de exigências para as companhias desta categoria, visam contribuir com o ingresso das
startups no mercado de capitais. O legislador reconhece, de forma lógico-sistemática, que a poupança pública e os investidores presentes nesse mercado podem contribuir com o desenvolvimento em matéria de inovação conferido pela atividade disruptiva das
startups. Isso porque, diferente do panorama dos investimentos de natureza contratual e privada, em que há menos transparência e consequentemente maior assimetria informacional entre investidor e investida, no mercado de capitais os investidores contam com consultoria de agentes qualificados, intermediação no investimento, maior segurança quanto à prestação de contas do empreendimento e menor risco de colateralização de responsabilidade. Contudo, não se pode olvidar que, a despeito da redução das assimetrias informacionais, ainda assim trata-se de um investimento de risco [
venture capital] e há chances de perdas em caso de desinvestimento do valor aportado na
startup, razão pela qual são relevantes as considerações tecidas na seção 3 sobre os instrumentos de aporte de recursos e a proteção ao investidor enquanto se mantiver estranho ao quadro social.
Quando uma
startup atinge alto valor de mercado (
valuation), decorrente de um evento de grande liquidez, como forma de efetivar o ingresso de novos investidores em seu quadro societário, utiliza-se a transformação societária prevista no art. 1.113.º do Código Civil e no art. 220.º da Lei n.º 6.404/76. Em regra, a transformação se dá para a permuta do tipo limitada (tipo societário amplamente mais utilizado no Brasil) para o tipo sociedade anônima, a fim de viabilizar a oferta pública de ações, já que as quotas não são valores mobiliários. Ou seja, a constituição da
startup se dá num tipo societário mais simples e de estrutura organizacional enxuta na comparação com a das companhias (sociedade de pessoas) e, posteriormente, adota-se um tipo de sociedade de capitais que quase já atingiu uma fase de maturação.
Dessa forma, é possível ocorrer o desinvestimento ou resgate do valor aportado na startup por parte dos seus investidores-semente, com a alienação da participação societária adquirida, através da ativação da condição estipulada no contrato de investimento. Contudo, é possível o acesso ao mercado de capitais para a formação do fundo patrimonial, mediante subscrição e realização do capital social na própria bolsa de valores através de oferta pública.
A Resolução CVM n.º 160/2022 dispõe em seu art. 3.º que configura oferta pública de distribuição o ato de comunicação oriundo do ofertante, do emissor (quando este não for o ofertante) ou ainda de quaisquer pessoas naturais ou jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários (atuando em nome do emissor, do ofertante ou das instituições intermediárias) disseminado por qualquer meio ou forma que permita o alcance de diversos destinatários, e cujo conteúdo e contexto representem tentativa de despertar o interesse ou prospectar investidores para a realização de investimento em determinados valores mobiliários. A título de exemplificação, a Resolução cita, dentre outros, a utilização de material publicitário dirigido ao público investidor em geral; a procura, no todo ou em parte, de investidores indeterminados para os valores mobiliários, por meio de quaisquer pessoas naturais ou jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários, atuando em nome do emissor, do ofertante ou das instituições participantes do consórcio de distribuição; a negociação feita em loja, escritório, estabelecimento aberto ao público, página na rede mundial de computadores, rede social ou aplicativo, destinada, no todo ou em parte, a subscritores ou adquirentes indeterminados.
Tratando-se da constituição de uma companhia de menor porte, diante da ausência de imposição quanto a ser fechada, é possível concluir que a constituição pode se dar por subscrição pública ou particular de ações.
A lei brasileira de sociedades por ações, tal qual a portuguesa, admite que a subscrição de ações se faça com ou sem apelo a subscrição pública (arts. 82.º e 88.º da Lei n.º 6.404/76, arts. 279.º, números 1 e 4, do CSC). A segunda forma é mais rápida e menos custosa, sendo a preferível para as
startups, sobretudo porque pode ocorrer sem a necessidade do cumprimento de formalidades específicas para a subscrição pública.
A primeira forma é bastante criticada pela doutrina brasileira por não trazer as vantagens da segunda
[47] [48]. Inicialmente, porque essa modalidade de constituição é dificilmente encontrada em outros ordenamentos, inexistindo nos países com sistema de
Common Law, o que se pode inferir que os costumes de mercado desses países não vislumbraram tal prática refletida nas leis de mercado [
lex mercatoria]. A doutrina ainda infere que mesmo as companhias que desejem abrir seu capital se constituem mediante subscrição particular e, somente quando o capital está integralmente subscrito, é que elas se submetem à conformidade regulatória procedimental para abertura de capital junto a Comissão de Valores Mobiliários
[49].
Outro risco é o insucesso da oferta de subscrição pública, que, após o consumo de recursos despendidos pelos fundadores em prol da companhia em organização, pode ocorrer o insucesso da subscrição. Isso ocorre quando não se alcança a subscrição integral de todas as ações em que foi dividido o capital social no projeto de estatuto. Como uma das formalidades preliminares à constituição é a subscrição total das ações (art. 80.º, inciso I, da LSA), verificado o insucesso, o processo de constituição deverá ser abortado, devendo os fundadores restituir o valor que porventura tenham recebido dos subscritores.
Apesar de a Resolução CVM n.º 160/2002 prever mecanismos que possam mitigar esse risco de insucesso da oferta, como aconsulta sigilosa a potenciais investidores profissionais, mesmo antes do protocolo do requerimento de registro da oferta pública, para apurar a viabilidade ou o interesse em uma eventual oferta pública de distribuição, ou a coleta de intenções de investimento junto a potenciais subscritores ou adquirentes indeterminados, ainda assim são eliminam as dificuldades para a constituição de uma
startup em razão dos riscos e incertezas quanto ao êxito do empreendimento
[50].
No cotejo entre as normas da subscrição pública do direito brasileiro (arts. 82.º a 87.º da LSA) e do direito português (art. 279.º do CSC) percebe-se a existência de pontos de contato e divergências.
Tal qual a lei portuguesa (Código de Sociedades Comerciais, Decreto-lei n.º 262/86), a brasileira (Lei n.º 6.404/76) atribui a liderança do processo de constituição aos fundadores (“promotores” na terminologia do CSC). Cabe a eles, tal qual em Portugal, elaborar o projeto de estatuto; todavia, a atribuição de promover o arquivamento do estatuto no registro do comércio, no Brasil, não é dos fundadores e sim dos primeiros administradores eleitos na assembleia de constituição, que aprova o projeto de estatuto (art. 99.º). Após a assembleia de constituição, os fundadores entregarão aos primeiros administradores eleitos todos os documentos, livros ou papéis relativos à constituição da companhia ou a esta pertencentes (art. 93.º). Ainda acerca dos “promotores”, a lei portuguesa lhes assegura uma remuneração futura pelo seu trabalho, isto é, deve ser reservada de uma percentagem não superior a um décimo dos lucros líquidos da sociedade, por tempo não excedente a um terço da duração desta e nunca superior a cinco anos, a qual não poderá ser paga sem se acharem aprovadas as contas anuais (art. 279.º, n.º 8, do CSC). Tal vantagem não é prevista no direito brasileiro, embora possa ser estipulada no estatuto. Não obstante, em companhias fechadas, o art. 47.º autoriza a atribuição de partes beneficiárias (títulos estranhos ao capital que conferem aos titulares direito de crédito eventual contra a companhia, consistente na participação nos lucros anuais até um décimo dos lucros) aos fundadores como remuneração de serviços prestados à companhia.
Em relação à subscrição das ações existem alguns pontos de substancial distinção:
(i) no Brasil, a legislação exige que todas as ações em que se divide o capital sejam subscritas por duas ou mais pessoas, exceto em caso de sociedade anônima unipessoal, denominada “subsidiária integral” (art. 251.º), pois não há, em regra, a exigência de capital mínimo e a integralização pode ser à vista ou a prazo. Caso seja a prazo e em dinheiro, é exigido a título de entrada, o pagamento de, no mínimo, 10% (dez por cento) do preço de emissão da ação. Em Portugal, o art. 279.º, n.º 2, do CSC impõe aos promotores subscrever e realizar integralmente ações cuja soma dos valores nominais ou cuja soma dos valores de emissão de cada uma perfaçam, pelo menos, o capital mínimo de 50 000 euros (art. 276.º do CSC).
(ii) em Portugal, para a constituição de uma sociedade anônima, ao contrário do direito brasileiro em que número mínimo é de dois (art. 80.º, inciso I), é necessário um número de sócios igual ou superior a cinco, salvo quando a lei o dispensar (art. 273º do CSC).
(iii) há um regime próprio para as ações que componham o capital mínimo, inexistente no Brasil. Elas ficam inalienáveis durante dois anos a contar do registro definitivo da sociedade e os negócios obrigacionais celebrados durante esse tempo sobre oneração ou alienação delas são nulos (art. 279.º, n.º 2, do CSC). No direito brasileiro, há apenas a inalienabilidade de ações de companhia aberta antes de realizados 30% (trinta por cento) do preço de emissão, também com a cominação de nulidade em caso de infração (art. 29.º).
(iv) a subscrição pública de ações atinge apenas as ações que excederem ao valor do capital mínimo, já que essas serão subscritas e integralizadas pelos promotores. A colocação destas ações para subscrição somente pode ser feita após o registro provisório do projeto (art. 279.º, n.º 6, do CSC). No Brasil, como não existe capital mínimo, todas as ações são colocadas para subscrição e não há registro do projeto de estatuto, eis que o procedimento é feito uma única vez após a assembleia de constituição.
(v) no Brasil, a subscrição das ações deve ser feita através da intermediação de instituição financeira contratada pelos fundadores e, por se tratar de oferta de ações no mercado de valores mobiliários, a Comissão de Valores Mobiliários deve autorizar o registro de emissão das ações, após a análise do estudo de viabilidade econômica e financeira do empreendiment
o, do projeto do estatuto social e do
prospecto, organizado e assinado pelos fundadores e pela instituição financeira intermediária (art. 82.º).
Tanto no Brasil quanto em Portugal a subscrição pública não se fará sem que seja elaborado um instrumento de oferta, denominado “prospecto” no direito brasileiro. Os requisitos de cada documento, detalhados no art. 279.º, n.º 6, do CSC e no art. 84.º da LSA são convergentes, com a peculiaridade de a instituição financeira intermediária da oferta de ações (
underwriter) ser a depositária do prospecto e assina-lo junto com os fundadores.
Outro ponto comum reside no depósito das entradas em dinheiro efetuadas por todos os subscritores, que serão depositadas pelos subscritores promotores/fundadores em conta aberta por eles em instituição financeira em nome da futura sociedade, até ao momento da constituição definitiva (art. 81.º da LSA e art. 277.º, n.º 3, do CSC). Todavia, a lei brasileira fixa um prazo máximo de 6 (seis) meses da data do depósito para a constituição da companhia e, se ele for extrapolado, a instituição depositária das entradas deve restituir as quantias depositadas diretamente aos subscritores. A lei portuguesa é silente quanto a esse prazo máximo, embora preveja que o documento de oferta de ações para subscrição pública deve informar o prazo e o modo da restituição das entradas, no caso de a companhia não chegar a se constituir.
Percebe-se que as exigências legais para a subscrição pública são complexas, demandando tempo maior para a finalização do procedimento e custos elevados. Alternativamente a ela, é possível a realização de uma oferta privada ao potencial investidor e sem fiscalização de entidade reguladora, portanto, independente de registro de emissão das ações e conformidade prévia com a regulação da CVM.
As ações da companhia podem ser subscritas através dos instrumentos previstos no MLS (ex: contrato de opção de subscrição de ações celebrado entre o investidor e a companhia, contrato de mútuo conversível em participação societária ou emissão de debêntures conversíveis em ações, em todos os casos quando atingido o termo ou a condição para o exercício do direito), considerando, em adição, as vantagens da utilização do tipo sociedade anônima para a realização do aporte, como a responsabilidade limitada e sem solidariedade pela integralização do capital social, possibilidade de emissão de ações sem direito de voto, dentre outros.
O que difere os negócios contratuais privados estipulados instrumentalmente entre investidor e
startup e a oferta pública de ações é o fato de os primeiros se destinarem a investidores de risco, que possuem conhecimento técnico, expertise e maturidade de negócios para transmitir à
startup, além de não haver utilização de recursos do mercado de capitais, decorrentes da formação da poupança pública, e, por conseguinte, não é necessário realizar uma oferta pública.
É o que ocorre, por exemplo, no aporte de capital dos fundos de investimento em participação, ou “FIP”, em
startups. Já foi exposto na seção 3 que o MLS admite no art. 6.º aporte de capital em
startups por parte de fundos de investimento, podendo ou não consubstanciar em participação no capital. A composição da carteira do FIP pode conter classe de quotas do tipo capital-semente, bem como de “empresas” emergentes, infraestrutura, produção econômica intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) ou multiestratégia, a depender da sua classificação, nos termos da Resolução CVM n.º 175/2023, Anexo Normativo IV, art. 13.
A Resolução CVM n.º 175/2023 limita o investimento em classe de quotas do tipo capital semente, considerando que a
startupestá em estágio inicial de atividade ou não teve ainda uma alavancagem em seu desenvolvimento. Por isso, as sociedades investidas devem ter receita bruta anual de até R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), apurada no exercício social encerrado em ano anterior ao primeiro aporte da classe, sem que tenha apresentado receita superior a esse limite nos últimos 3 exercícios sociais; e estão dispensadas de seguir as práticas de governança exigidas pela CVM, como, por exemplo, a adesão a câmara de arbitragem para resolução de conflitos societários e a auditoria anual de suas demonstrações contábeis por auditores independentes registrados na CVM.
Divergindo do aporte de capital estritamente contratual e privado, não obstante o FIP também possa instrumentalizar seu aporte através dos instrumentos contidos no MLS, ele é feito de forma estruturada. Há previsão de adoção de mecanismos de transparência e prestação de contas por parte do administrador do FIP
[51], o que reduz a assimetria informacional, em adição do agente [FIP] ser previamente registrado na CVM e ter sua atuação como “investidor” regulada e fiscalizada pelo ente regulador, em que pese a ausência de personalidade jurídica, já que o condomínio não é reputado pessoa jurídica pelo direito brasileiro. Portanto, a oferta privada ainda confere à
startup constituída como companhia de menor porte o acesso ao capital de risco do mercado de capitais, podendo ser utilizado na formação do seu fundo patrimonial.
5. Conclusão
É cediço que o estímulo ao investimento em
startups e, por via indireta em inovação, se mostra como um dos grandes desafios da sua estrutura regulatória, eis que a proteção ao investidor no sentido de maximizar seus ganhos e minimizar seus riscos é um mister.
A constituição e perenidade de uma
startup no mercado são fatalmente associados à possibilidade e sucesso quanto ao aporte de capital, eis que, em geral, seus fundadores não possuem capacidade financeira para custear por si próprios a atividade e, por isso, o investimento de terceiros é indispensável.
Em sua fase embrionária, de ideação, as
startups muitas vezes não contam com resultados decorrentes de exercícios anteriores, nem com patrimônio próprio, inclusive não é uma situação de excepcionalidade que ela não esteja nem regularizada, atuando como uma sociedade em comum e sem personalidade jurídica.
Não é despiciendo que o Marco Legal das Startups traz meios de sanar a situação acima descrita, colimando na segurança jurídica e patrimonial dos investidores e evitando que o recurso aportado conste como aumento de capital, já que, nos termos do art. 5.º do MLS, o investidor não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração, não respondendo por qualquer obrigação da
startup. Com isso, fica afastada a responsabilização pessoal dos investidores em caso de fracasso da atividade. Outra forma de mitigar referido paradoxo é através da criação da companhia de menor porte, conferindo mecanismos de simplificação de acesso ao mercado de capitais.
A presente pesquisa se debruçou no regime jurídico em matéria de investimento em startups no Brasil, especificamente em sua fase de constituição, através das seguintes métricas: os instrumentos, privados e públicos, de aporte para fins de formação de fundo capital; a proteção dispensada aos investidores; os custos e assimetrias decorrentes da arquitetura regulatória de tais instrumentos; e, por fim, sua consunção com o modelo de negócios, riscos e especificidades inerentes às próprias
startups, acerca da sua constituição e angariamento de recursos.
Partiu-se da premissa que a estruturação de uma
startup como companhia de menor porte, com base nas modulações propostas pelo MLS, lhe permitiria galgar suas fases de escalonamento (ideação, validação, tração e escala), posto que seria o melhor racional para se blindar os seus sócios acionistas e ainda ampliaria o espectro de possibilidades em termos de meios de lhe injetar recursos, seja em sua fase constitutiva, seja em fase posterior.
Em adição aos instrumentos privados, estes tipificados exemplificativamente no MLS, o tipo societário das companhias lhes permite acesso à poupança pública. A emissão e negociação de valores mobiliários, de forma perfunctória, se mostra como uma exclusividade da companhia, de modo que, ao emitir e expor à negociação as suas ações, estarão acessando os investidores daquele mercado, podendo lhes dirigir suas ofertas.
Esse mercado é estruturado através de uma política de ampla e justa divulgação de informações (
full and fair disclosure), permitindo aos participantes que, mediante oferta, pública ou privada, possam levantar patrimônio suficiente para sua composição.
A formação do capital de uma
startup por meio da subscrição pública, embora esteja autorizada, não se mostra ideal em razão dos custos do procedimento e dos riscos aos quais os investidores estão sujeitos, como a incerteza quanto ao retorno do investimento, já que se tornarão sócios.
Mediante a indução apresentada, não se mostra como mecanismo adequado a oferta pública para subscrição e formação do fundo patrimonial diante dos riscos a que os investidores estão sujeitos e incerteza quanto ao retorno do investimento. Por outro lado, os meios privados previstos no MLS, como a oferta privada de valores mobiliários, ou a constituição de capital semente através dos FIPs, é uma maneira de acessar por via indireta e com maior segurança os agentes do mercado de capitais.
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Ries, Eric,
The lean startup: how today´s entrepreneurs use continuous innovation to create radically successful business, Nova York, Crown Business, 2011
(texto submetido a 10.02.2025 e aceite para publicação a 12.05.2025)
[1] Antes da promulgação do MLS, a Lei Complementar n.º 167/2019, em seu art. 65.º-A, criou o INOVA SIMPLES, regime especial simplificado de rito sumário para abertura e fechamento de empresas, dedicado às iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem como
startups ou empresas de inovação tratamento diferenciado. O § 1.º do referido artigo conceituou
startup como “a empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou de produtos”. Tais sistemas, métodos ou modelos de negócios, se já existentes, caracterizam
startups de natureza incremental, e, quando relacionados à criação de algo totalmente novo, caracterizam
startups de natureza disruptiva. De acordo com o § 2.º do mesmo artigo, as
startups caracterizam-se por desenvolver suas inovações em condições de incerteza que requerem experimentos e validações constantes, inclusive mediante comercialização experimental provisória, antes de procederem à comercialização plena e à obtenção de receita.
[2] Pedro Wehrs do Vale Fernandes
, A Natureza Jurídica das Incubadoras e Aceleradoras e suas Relações Contratuais com as Start-ups, CONPEDI, 2016, in Congresso Nacional do CONPEDI Belém, Anais, Florianópolis, Funjab, 2019, p. 32.
[3] Eric Ries,
The lean startup: how today´s entrepreneurs use continuous innovation to create radically successful business, Nova York, Crown Business, 2011.
[4] Segundo portal na Internet do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), startups contam com incertezas para surgir, se sustentar e crescer no mercado, dependendo de capital de risco [venture capital] para poder rodar sua hipótese, até que consiga gerar receita e dependa de outro aporte de investimento, reconhecendo que patrimonialmente o modelo das startups é insustentável individualmente. Disponível em:
https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-que-e-uma-startup,6979b2a178c83410VgnVCM1000003b74010aRCRD. (19.11.2024).
[5] A definição legal de inovação no direito brasileiro é a seguinte: “introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho”. Esta definição foi ampliada em 2016 com a Lei n.º 13.243, pois, originariamente, a noção considerava apenas que a novidade ou aperfeiçoamento resultasse em novos produtos, serviços ou processos, omitindo a agregação de novas funcionalidades ou características.
[6] Rubens Requião,
Curso de direito comercial, v. 1., 33. ed. São Paulo, Saraiva, 2014, p. 496.
[7] Jorge Manuel Coutinho De Abreu,
Curso de Direito Comercial:
das sociedades, v. 2, 8. ed., Coimbra, 2019, pp. 419-420.
[8] Ana Frazão, “Natureza Jurídica do Capital Social”, in Fábio Ulhoa Coelho et. al. (coord.),
Lei das Sociedades Anônimas Comentadas, 2.ed., Rio de Janeiro, Forense, 2022, p. 90-92.
[9] No direito brasileiro, a contribuição em indústria, quando admitida, não integra o capital social e, por conseguinte, não é aceita com o fito de integralização de quota. É o caso das sociedades do tipo simples e da sociedade cooperativa, porém em caráter facultativo. Nas sociedades do tipo limitada, há vedação expressa a esse tipo de contribuição no art. 1.055, § 2º, do Código Civil.
[10] Paulo de Tarso Domingues,
O Financiamento Societário pelos Sócios, Coimbra, Almedina, 2021, p. 111.
[11] Paulo de Tarso Domingues,
O Financiamento Societário pelos Sócios, Coimbra, Almedina, 2021, p. 111.
[12] António Ferrer Correia,
Estudos Vários de Direito, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1982, p. 547.
[13] Alfredo Lamy Filho, José Luiz Bulhoes Pedreira,
Direito das Companhias, 2.ed., Rio de Janeiro, Forense. 2017, p.35.
[14] Neste sentido, o art. 49.º-A do Código Civil brasileiro consagra a autonomia da pessoa jurídica, tanto aquela em relação aos integrantes (autonomia formal) quanto em relação ao patrimônio, nos seguintes termos: “A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”.
[15] Nesse sentido: “A doutrina moderna considera sem fundamento lógico nem interesse prático o conceito de universalidade de direito como objeto de direito e define o patrimônio como conjunto de direitos patrimoniais e obrigações, reconhecendo que existem, além do patrimônio geral individual, patrimônios especiais (ou separados) e comuns.” O patrimônio é conceito fundamental do plano do direito subjetivo, ou dos sistemas jurídicos particulares, irredutível aos demais conceitos desse plano – direito subjetivo e obrigação, seus sujeitos e objetos. Alfredo Lamy Filho, José Luiz Bulhoes Pedreira,
Direito das Companhias, 2.ed., Rio de Janeiro, Forense. 2017, p. 36.
[16] Alfredo Lamy Filho, José Luiz Bulhoes Pedreira,
Direito das Companhias, 2.ed., Rio de Janeiro, Forense, 2017, p. 146.
[17] Paulo de Tarso Domingues,
O Financiamento Societário pelos Sócios, Coimbra, Almedina, 2021, p. 81.
[18] Paulo de Tarso Domingues,
O Financiamento Societário pelos Sócios, Coimbra, Almedina, 2021, p. 145.
[19] Paulo de Tarso Domingues,
O Financiamento Societário pelos Sócios, Coimbra, Almedina, 2021, p. 145.
[21] Em que pese ter o art. 4.º do MLS incluído a empresa individual de responsabilidade limitada como uma das pessoas jurídicas passíveis de constituição por uma
startup, em 2021, a Lei n.º 14.382/2022 extinguiu o instituto ao revogar os artigos 44.º, VI e 980.º-A, ambos do Código Civil.
[22] O Simples Nacional é um regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições sociais devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte para apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo disciplinado pela Lei Complementar n.º 123/2006. Este mesmo diploma legal tem um Capítulo dedicado ao estímulo à inovação em favor de microempresas e empresas de pequeno porte. O termo é definido no art. 64, inciso I, como “a concepção de um novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando em maior competitividade no mercado”.
[23] Paulo de Tarso Domingues,
O Financiamento Societário pelos Sócios, Coimbra, Almedina, 2021, p. 15.
[24] Jorge Manuel Coutinho de Abreu,
Curso de Direito Comercial:
das sociedades, v. 2, 8. ed., Coimbra, 2019, p. 420.
[25] Jorge Manuel Coutinho de Abreu,
Curso de Direito Comercial:
das sociedades, v. 2, 8. ed., Coimbra, 2019, p. 421.
[27] Da mesma forma que o direito português, no direito brasileiro existem tipos societários nos quais há sócios de responsabilidade ilimitada e subsidiária, como a sociedade em nome coletivo (art. 1.039.º do Código Civil), com o particularismo da inexistência de sócios de indústria, ao contrário do que admite o art. 176.º do CSC. Em que pese o art. 4º, § 1º, do MSL, indicar que qualquer sociedade empresária é elegível para enquadramento na modalidade de tratamento especial destinada ao fomento de
startup, os empreendedores se afastam de tipos como a sociedade em nome coletivo, a sociedade em comandita simples (art. 1.045.º do Código Civil) ou a sociedade em comandita por ações (art. 1.090.º do Código Civil) diante da obrigatoriedade de serem constituídas por um ou mais sócios de responsabilidade ilimitada.
[28] Erick Frederico Oioli (coord.),
Manual de Direito para Startups, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2019.
[29] O art. 406.º do Código Civil brasileiro dispõe que, quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal. A taxa legal é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária. Em relação aos juros convencionais, incide a limitação prevista na Lei da Usura (Decreto n.º 22.626/1933) que é vedado estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal.
[30] Nesse sentido, a orientação pacificada do Supremo Tribunal Federal desde 1976 na Súmula 596: “As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”.
[31] Paulo de Tarso Domingues,
O Financiamento Societário pelos Sócios, Coimbra, Almedina, 2021, pp. 572-573.
[32] Erik Frederico Oioli, José Alves Ribeiro Jr, Henrique Lisboa, “Financiamento da startup”, In Erik Frederico Oioli,
Manual de direito para startups. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 86.
[33] Da conjugação do art. 5.º,
caput, com o art. 6.º, ambos do MLS, considera investidor-anjo a pessoa física, a pessoa jurídica ou os fundos de investimento que aportem capital em microempresas e empresas de pequeno porte. Tratando-se de fundos de investimento (condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza, consoante a definição legal do art. 1.368.º-C do Código Civil), o aporte deve respeitar as normas do órgão regulador do mercado de capitais brasileiro, a Comissão de Valores Mobiliários.
[34] O critério legal que determina o enquadramento de um empresário ou sociedade como microempresa ou empresa de pequeno porte leva em consideração exclusivamente a receita bruta anual auferida, observados limites máximos previstos no art. 3.º da Lei Complementar n.º 123/2006, que podem ser majorados por nova lei complementar. Para não alterar o cálculo da receita bruta anual, o art. 61.º-A, § 5.º, prevê que, para fins de manutenção do enquadramento da sociedade como microempresa ou empresa de pequeno porte, os valores de capital aportado pelo investidor-anjo não são considerados como receitas.
[35] A lei brasileira de falências e recuperação de empresas (Lei n.º 11.101/2005), alterada em 2020 pela Lei n.º 14.112, contempla importante dispositivo para proteger os investidores em caso de pedido de recuperação judicial pela investida. O art. 6.º-C veda a atribuição de responsabilidade a terceiros em decorrência do mero inadimplemento de obrigações do devedor em recuperação judicial, ressalvadas as garantias reais e fidejussórias, bem como as demais hipóteses reguladas pela Lei n.º 11.101/2005.
[36] O ecossistema decorre do ambiente inovador que tem como integrantes investidores, parques tecnológicos, universidades, polos industriais, estruturas de matérias primas para produção de produtos de tecnologia, como o silício na produção de chip de computador.
[37] Considerando suas peculiaridades e riscos operacionais, considera-se mais seguro para seus fundadores e investidores que o exercício de empresa das
startups seja exercido por uma pessoa jurídica, pela autonomia quanto ao patrimônio e responsabilização. Não obstante, a lei brasileira permite que empresários individuais (pessoas físicas) possam constituir uma
startup.
[38] Tradução livre: Elizabeth Holmes e Ramesh “Sunny” Balwani são acusados de duas acusações de conspiração para cometer fraude eletrônica e nove acusações de fraude eletrônica. De acordo com a acusação, as acusações decorrem de alegações de que Holmes e Balwani se envolveram num esquema multimilionário para fraudar investidores e num esquema separado para fraudar médicos e pacientes. Ambos os esquemas envolveram esforços para promover a Theranos, uma empresa fundada por Holmes e com sede em Palo Alto, Califórnia. Theranos era uma empresa privada de saúde e ciências biológicas com a missão declarada de revolucionar os testes laboratoriais médicos por meio de métodos supostamente inovadores para coletar sangue, testar sangue e interpretar os dados resultantes do paciente. Departamento de Justiça dos Estados Unidos. U.S. v. Elizabeth Holmes, et al., in https://www.justice.gov/usao-ndca/us-v-elizabeth-holmes-et-al. (20.09.2024).
[39] Vide o Decreto n.º 58.750, de 13 de maio de 2019 expedido pelo município de São Paulo, que dispõe sobre a regulamentação provisória do serviço de compartilhamento e do uso dos equipamentos de mobilidade individual autopropelidos, patinetes, ciclos e similares elétricos ou não, acionados por plataformas digitais. O artigo 9.º do Decreto prevê que a Administração Pública pode apreender os patinetes elétricos sob a alegação de não estarem em conformidade com o estabelecido no Decreto ou outra normativa editada posteriormente. Ademais, há dispositivos sobre a responsabilidade civil das
startups que lhes imputam responsabilidade objetiva, como se percebe na redação do art. 5º, prevendo que elas suportarão os danos causados se os usuários não seguirem as orientações quanto a segurança no trânsito.
[40] Anderson Cavalcanti, Leandro Silva, Maria, Siqueira Rapini, “Startups: conceito, especificidades e financiamento”, In: Leonardo Parentoni (coord.).
Direito, tecnologia e inovação, Belo Horizonte: Editoria D´Plácido, 2019.
[41] O termo “instituição humana” já havia sido empregado por Eric Ries previamente, o que mostra que sua definição penetrou o conteúdo posteriormente produzido, reforçando o que foi exposto ao longo desta seção.
[42] Quando se utiliza a expressão “nicho de mercado regular”, refere-se a um nicho de mercado que não é voltado para o desenvolvimento em inovação e tecnologia, seja de caráter disruptivo ou incremental.
[43] Não se aplica às sociedades anônimas o instrumento do contrato de investimento-anjo em razão dele ser regulado no âmbito das microempresas e empresas de pequeno porte, que não podem ser constituídas sob a forma de sociedades por ações (art. 3.º, § 4.º, da Lei Complementar n.º 123/2006).
[44] O art. 4.º da Lei de Sociedades por Ações brasileira (Lei n.º 6.404/76) prevê duas espécies de companhias em função da admissão ou não dos valores mobiliários à negociação no mercado de valores mobiliários. No primeiro caso, a companhia é aberta e, no segundo, é fechada.
[45] Nelson Eizirik,
Mercado de Capitais, Regime Jurídico, 3.ed, São Paulo, Renovar, 2011.
[47] Mauricio Moreira Menezes, “A Constituição por subscrição pública e seu desuso”, in Fábio Ulhoa Coelho et. al. (coord.),
Lei das Sociedades Anônimas Comentadas, 2.ed., Rio de Janeiro, Forense, 2022, p. 333-334.
[48] Carlos Augusto Da Silveira Lobo, “Procedimentos do Contrato”, in Alfredo Lamy Filho, José Luiz Pedreira,
Direito das companhias, 2. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2017, p. 481.
[49] Nesse sentido, cf. Mauricio Moreira Menezes, op. cit., p. 334.
[50] André Pitta afirma que a Instrução CVM n.º 400/2003 [revogada pela Resolução CVM n.º 160/2022] permite a consulta, pelo ofertante e pelo intermediário líder da distribuição, de até cinquenta potenciais investidores para apurar a viabilidade ou o interesse de uma eventual oferta pública de distribuição, desde que não constitua efetiva coleta intenção de investimento e que se garanta o sigilo das informações prestadas. Ademais, autor justifica sua posição na media em que o ofertante poderá proceder à coleta de intenção de investimentos, com ou sem o recebimento de reservas, a partir do protocolo do pedido de registro de distribuição, e desde que tenha sido divulgado prospecto preliminar e publicado aviso ao mercado acerca de oferta, detalhando as condições para a realização da coleta de intenção de investimento e dos respectivos pedidos de reserva. Para tanto, o prospecto preliminar deverá conter as mesmas informações constantes do prospecto definitivo, exceto aquelas relativas ao preço dos valores mobiliários ofertados, devendo, todavia, indicar a respectiva faixa de preço ou critérios a serem utilizados para sua fixação. Tradicionalmente, a divulgação do prospecto preliminar e do aviso ao mercado acima referido é feita logo após o cumprimento das primeiras exigências feitas pelo regulador acerca da minuta apresentada quando do pedido de registro, o que agrega maior segurança em relação ao seu conteúdo. André Grünspun Pitta,
Aspectos jurídicos do processo de formação de capital por meio do mercado de valores mobiliários: As alternativas de organização e capitalização das sociedades empresárias, Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2017, p. 493.
[51] O detalhamento das informações a serem enviadas pelo administrador aos cotistas, à entidade administradora de mercado organizado onde as cotas estejam admitidas à negociação, se for o caso, e à CVM, por meio de sistema disponível na rede mundial de computadores, consta do Capítulo X do Anexo Normativo IV da Resolução CVM n.º 175/2023.