Contrato de compra e venda; poder revogatório; regime jurídico dos contratos comerciais; princípio da lex specialis; código civil; Moçambique.
O presente ensaio analisa o âmbito do poder revogatório do Regime Jurídico dos Contratos Comerciais de Moçambique, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2022, de 25 de Maio. No mesmo indaga-se, em especial o sentido e o alcance da parte final do nº 3 do artigo 146 daquele Regime Jurídico, que dispõe sobre o âmbito de aplicação do regime jurídico do contrato de compra e venda comercial, em atenção aos princípios e regras gerais sobre a mutabilidade das normas jurídicas, no sentido de se saber qual é o seu efeito sobre o regime geral do contrato de compra e venda constante dos artigos 874 e seguintes do Código Civil. Orientado por uma pesquisa qualitativa assente numa abordagem hermenêutica e crítica à opção do legislador moçambicano de alargar o âmbito do regime de compra e venda comercial ao contrato civil, o estudo conclui que, a determinação da aplicação daquele regime jurídico aos contratos de compra e venda independentemente da natureza comercial ou civil das partes determinou a revogação tácita do regime geral de compra e venda, um efeito que torna ilegal a norma do n.º 3 do artigo 146 do RJCC porque não previsto na Lei de Autorização Legislativa.
1. Introdução
2. Gênese e fundamento do regime jurídico dos contratos comerciais
3. A força revogatória do regime jurídico dos contratos comerciais
3.1. Critério da prevalência da lei nova – lex posterior derogat legi priori
3.2. Critério da prevalência da lei superior – lex superior derogat legi inferiori
3.3. Critério da prevalência da lei especial – lex specialis derogat legi generali
4. O efeito revogatório do n.º 3 do artigo 146 do Regime Jurídico dos Contratos Comerciais
5. Considerações finais
Bibliografia
Legislação
1. Introdução
O processo de revisão do Código Comercial de 2005, culminou com a adopção de três instrumentos legais, o Código Comercial, através do Decreto-Lei n.º 1/2022, de 25 de Maio, o Regime Jurídico dos Títulos de Crédito, através do Decreto-Lei n.º 2/2022, de 25 de Maio, e o Regime Jurídico dos Contratos Comerciais, pelo Decreto-Lei n.º 3/2022, de 25 de Maio.
O referido processo, ou o resultado dele, não foi isento de críticas nos vários sectores, argumentando-se, por um lado, que o legislador terá ido além do mandato que lhe havia sido atribuído
[1] – lembre-se que o processo de revisão do Código Comercial coube ao Governo no âmbito de uma Lei de Autorização Legislativa, a Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril
[2], prorrogada pela Lei n.º 5/2021, de 30 de Dezembro – e, por outro lado, que o legislador não terá adoptado as melhores soluções em termos de conteúdo dos três instrumentos legais aprovados.
Centrado no Regime Jurídico dos Contratos Comerciais, o presente estudo, em geral, como objectivo analisar as vicissitudes que o mesmo trouxe no quadro jurídico regulador dos contratos comerciais em Moçambique e no ordenamento jurídico moçambicano, como um todo. Ou seja, discute que implicações jurídicas a sua entrada em vigor terá, em especial, trazido para o quadro normativo anteriormente vigente.
Assente numa abordagem qualitativa orientada por uma exercício hermenêutico, analisa-se no estudo se o âmbito revogatório do instrumento que aprova o Regime Jurídico dos Contratos Comercias basta-se apenas pela norma revogatória expressamente estabelecida pelo legislador, no artigo 2 do Decreto-Lei n.º 3/2022, de 25 de Maio, quando prevê que são revogados os artigos 477 a 633 do Código Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro, ou se essa força revogatória vá para além disso, em particular, em resultado do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 146 do mesmo Regime Jurídico dos Contratos Comerciais, quando o legislador determina que para a aplicação do regime dos contratos de compra e venda comercial é irrelevante a natureza comercial ou civil do contrato ou das partes.
2. Gênese e fundamento do regime jurídico dos contratos comerciais
A regulação dos contratos comerciais ganhou nova dinâmica em 2022, com a entrada em vigor do Regime Jurídico dos Contratos Comerciais (RJCC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2022, de 25 de Maio
[3]. O referido RJCC é resultado de um “questionável” processo de “revisão” do Código Comercial realizado pelo Governo, no âmbito do poder legislativo derivado que lhe foi atribuído pela Assembleia da República através de uma Lei da Autorização Legislativa, a Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril, prorrogada pela Lei n.º 5/2021, de 30 de Dezembro.
Nos termos dessa Lei de Autorização Legislativa, ao Governo coube a missão de rever a disciplina dos contratos comerciais
[4], até então disposto nos artigos 458 e seguintes do Código Comercial, através da (i) autonomização do regime dos contratos comerciais em várias matérias, em especial as relativas à parte geral; (ii) modernização do regime dos contratos até então existentes; (iii) regulamentação da escolha da lei aplicável aos contratos internacionais; e (iv) a adopção das normas internacionais sobre a compra e venda de mercadorias
[5].
Na essência, o que o ao legislador derivado era exigido era mais do que uma simples revisão da disciplina dos contratos comerciais, mas sim uma verdadeira revolução ou reforma, visto que o resultado alteraria significativamente o paradigma até então existente, com o objectivo de, essencialmente, “facilitar e melhorar o ambiente de negócios”
[6] em Moçambique.
É neste contexto que em “cumprimento” do mandato legislativo que lhe foi atribuído, em particular pela alínea e) do artigo 3 e artigo 1 da Lei de Autorização Legislativa, o Governo veio sustentar que
tornando-se necessário proceder à revisão e autonomização do Livro Terceiro do Código Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro, e a sua transformação em Regime Jurídico dos Contratos Comerciais, tendo como base as orientações mais avançadas sobre a matéria, bem como a necessidade de harmonizar as disposições sobre as obrigações e contratos com outros regimes legais mais progressistas e mais amigos da economia de mercado e do desenvolvimento, ocorridos nos últimos anos, a adequação às tendências modernas do comércio internacional, assim como a necessidade de responder às exigências ditadas pela integração no mercado regional e continental
[7],
decretava a aprovação do Regime Jurídico dos Contratos Comerciais, e a revogação dos artigos 477 a 633 do Código Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro
[8],
Ora, fundamentar juridicamente a adopção de um Regime Jurídico dos Contratos Comerciais, nos termos em que o legislador o fez, é problemático, visto que, por um lado, o mandato da autonomização do regime dos contratos comerciais tinha um âmbito restrito, nomeadamente, (i) os princípios orientadores; (ii) a estrutura e classificação; (iii) a formação, a conclusão, a eficácia e os vícios; (iv) a execução, a modificação, a cessação, a extinção, as acções e penalidades
[9] e, por outro lado, o Regime Jurídico dos Contratos Comerciais abrange, como era de esperar, outras matérias, resultantes das alíneas f), g) e h), todas do artigo 3 da Lei de Autorização Legislativa. Daí entender-se que a base jurídica que sustenta a aprovação do Regime Jurídico dos Contratos Comerciais não é bastante.
3. A força revogatória do regime jurídico dos contratos comerciais
É um dado assente que o Direito existe para regular as relações sociais, dentro da lógica da sociabilidade do homem, prevalecendo assim a máxima latina
ubi ius ubi societas e
ubi societas, ibi ius. Entretanto a existência do Direito nessa regulação das relações sociais pressupõe que ele, o Direito, seja capaz de acompanhar a evolução dessa sociedade pois só assim conseguirá realizar a sua função principal. É dentro desta correspondência que o Direito tem como uma das suas características a mutabilidade, que pode ser intencional (a que interessa para o estudo) ou não.
A mutabilidade intencional consistirá na “susceptibilidade de todos os actos jurídicos serem objecto de um processo intencional ou voluntário de modificação, suspensão ou cessação de efeitos: todas as normas jurídicas podem sempre ser revogadas, suspensas ou anuladas, tal como sucede com quaisquer actos jurídicos sem conteúdo normativo”
[10]. Entretanto, essa mutabilidade intencional, será, nas palavras de Otero, uma mera possibilidade de alteração deliberada e não uma efectiva alteração intencional de todos os actos jurídicos visto que não se pode ignorar a existência de diversos processos não intencionais de mutabilidade do Direito, pense-se na cessação de vigência de normas legais em decorrência da emergência de costume
contra legem que faz com que a lei caia em desuso
[11].
Conforme pode depreender-se, enquanto característica do Direito, a mutabilidade conduz à modificação, suspensão ou cessação dos efeitos jurídicos, através de vários instrumentos geradores, com destaque para a revogação
[12].
Um dos efeitos da entrada em vigor de uma determinada lei poderá ser a cessação de vigência de outra lei, em resultado de a nova lei ter revogado a lei anterior. Com efeito, conforme expende Sousa
[13], a revogação de uma lei é a cessação da sua vigência determinada por outra lei, que se verifica com a entrada e vigor de uma lei (lei revogatória) e a cessação da outra lei (lei revogada). Em outras palavras, a revogação irá traduzir a cessação de efeitos de um acto (acto revogado) pela intervenção de um outro acto posterior (acto revogatório) [e] consubstancia o processo normal de termo de vigência de grande maioria de actos jurídicos
[14].
Enquanto instrumento de mutabilidade do Direito, determinativo da cessação de vigência de normas jurídicas, a revogação pode resultar de uma manifestação clara e inequívoca do legislador, em que o legislador declara dos instrumentos normativos que o “novo” acto normativo determina a cessação da sua vigência, situação em que estaremos perante a chamada
revogação expressa, bem como pode resultar da “incompatibilidade da lei revogada com uma nova lei”
[15] ou quando a nova lei regula toda a matéria da lei anterior
[16], no que se designa por
revogação tácita[17]. É, de facto, esta abordagem que o legislador do Código Civil vigente em Moçambique
[18] traz no número 2 do artigo 7 do Código, ao dispor que “A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”
.
O legislador comercial de 2022, veio atribuir a força revogatória ao Decreto-Lei n.º 3/2022, de 25 de Maio, que aprovou o Regime Jurídico dos Contratos Comerciais. Com efeito, através do artigo 2 do referido instrumento legal, são revogados os artigos 477 a 633 do Código Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro. Trata-se aqui de uma revogação expressa, que, aliás, já era previsível uma vez que o mandato legislativo do governo já o previa na medida em que a Lei de Autorização Legislativa determinava que o poder legislativo atribuído ao governo devia incluir “autonomizar o regime jurídico dos contratos comerciais”
[19], ora, objectivamente, a autonomização só seria possível se o regime anterior fosse revogado.
A questão que se coloca é se o poder revogatório do RJCC basta-se pela enunciação do artigo 2 do Decreto-Lei n.º 3/2022, de 25 de Maio. Em resposta, entende-se que não. Ainda que o legislador não tenha seguido a fórmula tradicional de que com o novo instrumento legal “é revogada toda a legislação contrária” ao novo diploma
[20], entende-se que estarão revogadas todas as demais normas que se mostrem incompatíveis com as regras estabelecidas no novo regime (revogação tácita), nos termos prescritos na segunda parte do n.º 2 do artigo 7 do Código Civil. Entretanto, não deixa de ser verdade que ao devolver ao intérprete e ao aplicador do Direito a tarefa de apurar o que está em vigor ou não, aumenta consideravelmente a incerteza do Direito
[21].
Nesta perspectiva, valem os critérios de revogabilidade para evitar conflitos de leis, assentes no que designaríamos de
princípio da prevalência, designadamente:
3.1. Critério da prevalência da lei nova – lex posterior derogat legi priori
É esta, em tese, a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 7 do Código Civil, no sentido de que a superveniência de uma lei irá fazer cessar a vigência da lei anterior. No entanto, é preciso ter presente que nestes casos, tal como sucede nos demais, a revogação só pode operar entre uma lei anterior e uma lei posterior da mesma hierarquia ou entre uma lei anterior e uma lei posterior de hierarquia superior
[22].
Significa isto que, por exemplo, não obstante o legislador comercial não tenha feito de forma expressa, as disposições sobre o transporte marítimo, artigos 473 e seguintes do RJCC, derrogam as disposições do Livro Terceiro sobre Comércio Marítimo, do Código Comercial de 1888, aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888
[23], no que não forem compatíveis com o regime estabelecido pelo RJCC.
O entendimento que se tem é de que, ao estabelecer um novo regime que seja incompatível com o anterior, o legislador terá querido dar nova dinâmica na regulação de determinada realidade social, daí que não deverá ser o antigo regime, que lhe é incompatível, a retirar essa intenção do legislador, daí a prevalência da nova lei sobre a anterior.
3.2. Critério da prevalência da lei superior – lex superior derogat legi inferiori
Este critério radica do princípio da hierarquia das fontes do Direito, para sustentar a ideia de Otero de que a existência de uma estrutura hierarquizada das normas jurídicas traduz manifestação limitativa da amplitude do poder de mutabilidade intencional do Direito
[24]. Com efeito, admitida a revogação vertical das leis, em virtude de a nova lei ser de valor superior à anterior, estar-se-á, ao mesmo tempo, a determinar-se que qualquer incompatibilidade entre a lei nova e a antiga não será sancionada com a revogação da lei antiga, se a nova for de valor inferior, mas com a invalidade da desta
[25]. Assim, usando as palavras de Miguel de Sousa, a hierarquia das fontes de Direito será relevante na aferição da admissibilidade da revogação na medida em que, no caso, uma fonte só será revogada por uma outra da mesma ou de hierarquia superior
[26].
Assente na teoria da construção escalonada ou
stufenbautheorie de Merkl e desenvolvida por Kelsen, no sentido de que toda a fonte tem o seu fundamento de validade numa outra fonte de hierarquia superior
[27], a hierarquia das fontes serve assim como uma limitante na característica da mutabilidade do Direito, entretanto, é preciso não perder de vista que a
stufenbautheorie não deve ser generalizada, algumas cautelas devem ser observadas na medida em que a validade de uma fonte pode estar assente em outra da mesma hierarquia
[28], veja-se, a título de exemplo, o próprio Regime Jurídico dos Contratos Comercial agora em análise, aprovado por um Decreto-Lei, cujo fundamento encontra-se na Lei de Autorização Legislativa (Lei da Assembleia da República), que, do ponto de vista hierárquico estão no mesmo nível
[29]. Entretanto, de ponto de vista lógico, não será de validar uma norma do Decreto-Lei que seja incompatível com o conteúdo da Lei de Autorização Legislativa que fundamentou a sua produção, vincando aqui a tese de Sousa de que a hierarquia, em vez de se encontrar nas fontes, pode antes ser algo que é criado pelas próprias fontes
[30].
Daqui decorre, que à partida o RJCC não deverá afastar qualquer norma de nível superior ou da Lei de Autorização Legislativa, que lhe fundamenta, que lhe seja incompatível, pelo contrário, será a sua validade a ser negativamente apreciada. No entanto, todas as demais normas de hierarquia igual ou inferior, que sejam incompatíveis com o regime ali instituído estarão revogadas. É o que sucede, no caso das já referidas normas sobre o comércio marítimo constantes do Livro Terceiro do Código Comercial de 1888.
3.3. Critério da prevalência da lei especial – lex specialis derogat legi generali
As regras jurídicas são classificadas de acordo com vários critérios, sendo um deles o
critério do âmbito, que agrupa as normas jurídicas em
gerais e
especiais. Sendo as primeiras aquelas que “constituem um direito-regra, ou seja, estabelecem um regime-regra para o sector de relações que regulam”
[31] e as segundas, as que “definem um regime próprio para as situações diferentes que cabem no âmbito das regras gerais”
[32]. Em outras palavras, as normas gerais definem um regime homogéneo para a totalidade das situações consideradas [e] as normas especiais reportam-se a uma parte dessas situações, ou a um tipo determinado de situações, estabelecendo um regime diferenciado, mas não oposto ao regime geral
[33].
Disto decorre que o que se assiste entre as regras gerais e especiais não é que umas consagrem disciplina oposta das outras, mas unicamente que há, usando as palavras de Oliveira Ascensão, uma adaptação de uma regra a circunstâncias particulares, sem contrariar substancialmente a outra
[34], que se não tivesse havido tal adaptação, seria a aplicável
[35].
A especialidade das normas, que pode ser “de todo um ramo do direito, de institutos jurídicos ou de disposições particulares”
[36], pode ser em razão da matéria (é o caso dos Regime Jurídico dos Contratos Comerciais, relativamente ao regime dos contratos previsto no Código Civil), das pessoas (pense-se na Lei das Cooperativas, que só irá aplicar-se às Cooperativas) ou do território (considere-se por exemplo o Regime Jurídico e Contratual Especial Aplicável ao Projecto de Gás Natural Liquefeito nas áreas 1 e 4 da bacia do Rovuma, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 2/2014, de 2 de Dezembro). Para a nossa abordagem iremos nos concentrar na especialidade em razão da matéria.
É em matéria de mutabilidade do Direito que a relação entre as regras gerais e especiais ganha maior interesse científico
[37]. Com efeito, é no confronto entre as duas modalidades de regras que a máxima
lex specialis derogat legi generali ganha validade, no sentido de que a lei especial irá prevalecer em relação à lei geral. Trata-se de um princípio geral do Direito segundo o qual quando duas normas aplicam-se à mesma matéria, a norma que é mais específica deverá prevalecer e ter prioridade sobre aquela mais geral
[38].
O fundamento da prevalência da lei especial está na consideração de que, ao dispor sobre uma matéria em especial, quando a mesma possa encontrar amparo em outras regras gerais, o legislador terá querido destacar e atender as particularidades dessa matéria, pelo que não faria sentido, ainda assim, valer-se de regras gerais, que já seriam aplicáveis, para regular essa matéria em especial. No entanto, em rigor, não parece ser acertado falar-se de revogação propriamente dita, enquanto instrumento de mutabilidade do Direito, da lei geral pela especial, visto que a prevalência da lei especial sobre a geral não implica a cessação de vigência da lei geral
[39], apenas que ela não será aplicada às situações previstas na lei especial. Isto é assim porque, como bem anotou Prud’homme, a relação de especialidade não implica, necessariamente a existência de conflito ou contradição entre a norma especial e geral
[40]. Com efeito, conforme Zorzetto assinalou, a ideia de conflito ou contradição como condição para a aplicação do critério da especialidade é ambígua porque pode ser interpretada como uma suposição lógica, mas também como uma tese sociológica, sendo que, em qualquer caso, é enganosa, uma vez que, por razões lógicas, as regras especiais podem ser compatíveis com as gerais e, numa perspectiva sociológica, a derrogação é um fenómeno notável, mesmo quando as regras são compatíveis
[41]. Como expende Miguel de Sousa,
Na hipótese de
lex specialis ser posterior à
lex generalis, a lei geral não deixa de vigorar: o que sucede é que o âmbito de aplicação da lei geral é restringido, dado que ela deixa de ser aplicável aos casos abrangidos pela lei especial. Nesta eventualidade também se pode falar de derrogação, embora haja que lembrar que, neste sentido, a derrogação expressa a subtracção do âmbito de aplicação da lei geral nos casos que passam a estar regulados na lei especial, pelo que não se trata de uma vicissitude na vigência da lei geral, mas apenas de uma alteração no âmbito da sua aplicação
[42].
Mas será mesmo assim? Não poderá uma lei especial, constituir uma vicissitude na vigência da lei geral? Sobre estas questões iremos elaborar mais adiante.
Para já, importa ainda destacar que é o mesmo fundamento da prevalência da lei especial que irá justificar a norma do n.º 3 do artigo 7 do Código Civil, nos termos da qual, a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador. Com efeito, se a lei especial contém um regime que foi definido para corresponder a certas circunstâncias particulares; por isso, a lei geral, que não atende a essas circunstâncias, não pode revogar a lei especial
[43].
Este critério de especialidade, ou da prevalência da lei especial, justifica que, ainda que o legislador não o tenha referido de forma expressa, se aceite que, por exemplo, as regras sobre a formação dos contratos comerciais (artigos 42 e seguintes do RJCC) prevaleçam sobre as regras gerais do Código Civil sobre a mesma matéria. Ou que as regras sobre os contratos em especial prevaleçam sobre as dos mesmos tipos contratuais previstos, entre outros, no Código Civil. Aliás, tal como destaca Borelli no contexto do Direito internacional, mas perfeitamente aplicável no Direito interno, o critério da especialidade pode ser usado para articular a relação entre normas contidas no mesmo acto normativo ou em instrumentos legais conexos, que são potencialmente aplicáveis à mesma matéria
[44].
Pelo exposto, resulta inequívoca a dupla função do critério da
lex specialis destacada por Koskenniemi, designadamente, a como um princípio interpretativo e como instrumento de resolução de conflitos normativos. Segundo este autor, enquanto princípio interpretativo, o critério da especialidade sugere que se uma matéria está sendo regulada quer pela regra geral como pela regra mais específica, esta deverá ter precedência sobre aquela. Nestes casos, a lei especial e a lei geral apontam para a mesma direcção. Por outro lado, a especialidade deve ser entendida de forma mais restrita para cobrir as situações em que duas disposições legais que são ambas válidas e aplicáveis, mas sem relação hierárquica entre si, estabelecem uma direcção incompatível sobre como lidar com o mesmo conjunto de factos. Nestes casos o critério da
lex specialis aparece como uma técnica de resolução de conflitos – o conflito normativo
[45].
4. O efeito revogatório do n.º 3 do artigo 146 do Regime Jurídico dos Contratos Comerciais
Nos parágrafos precedentes apresentou-se, em linhas gerais, os efeitos do poder revogatório do RJCC, quer em resultado de uma declaração expressa do legislador, quer em razão da incompatibilidade das suas regras com outras regras anteriores à sua entrada em vigor. Nos parágrafos seguintes, explora-se a última dimensão da revogação por incompatibilidade das regras, ou seja, o critério geral de
lex specialis derogat legi generali, no sentido de aferir até que ponto a não cessação da vigência da lei geral que seja incompatível com a lei especial é universal. Em concreto, analisa-se o impacto da norma do n.º 3 do artigo 146 do RJCC, em particular a parte final, sobre o regime geral do contrato de compra e venda previsto nos artigos 874 e seguintes do Código Civil, admitida que está a tese de que entre o RJCC e o Código Civil há uma relação de especialidade, em que aquele é especial em relação ao Código Civil.
Ao definir o âmbito de aplicação do contrato de compra e venda comercial, o legislador do RJCC determinou no n.º 3 do artigo 146 que “não são tomados em consideração para determinar a aplicação da presente secção nem a nacionalidade das partes
, nem a natureza civil ou comercial das partes ou do contrato” (destaque em itálico nosso). Em palavras mais simples, resulta desta disposição que para que se aplique o regime dos artigos 146 e seguintes relativo ao contrato de compra e venda não interessa se as partes são empresários ou não ou se o contrato é comercial ou não, desde que se ache preenchido o elemento essencial do tipo contratual
[46], aquele regime será aplicado. Duas notas se oferecem em relação ao destaque feito nesta disposição.
Primeira, ressalta a contradição do legislador quanto à comercialidade do contrato de compra e venda, justificativa da sua especialidade. Desde logo porque do artigo 1 do RJCC resulta que a comercialidade do contrato tem, na qualidade dos sujeitos um dos elementos determinativos, se não o principal. Com efeito, quer do número 1, onde se exige que ambos os sujeitos sejam empresários – o legislador refere-se a duas ou mais partes, no exercício da sua actividade empresarial -, quer do número 2, quando não só repetindo o vertido no número 1, acrescenta a qualificação do contrato como mercantil quando pelo menos um dos sujeitos é empresário comercial – quando se refere a “celebrado por empresários comerciais, entre si, ou com sujeito não empresário, e no exercício de actividade empresarial”, resulta claro que não haverá como qualificar um contrato como comercial quando não intervenha na relação um empresário comercial no exercício da actividade empresarial, em pelo menos um dos lados da relação. Daí não se compreender a opção do legislador em estender o âmbito de aplicação de um regime que seria de compra e venda comercial a relações que não sejam dessa natureza.
A segunda nota prende-se com o que se considera ser o poder revogatório da disposição em causa. Com efeito, considerando que o RJCC e o Código Civil ocupam a mesma posição hierárquica, e sendo o regime do contrato de compra e venda comercial aplicável aos contratos de compra e venda de natureza civil, por força da parte final do número 3 do artigo 146 do RJCC, não parece restar dúvidas de que esta disposição terá determinado a cessação da vigência do regime de compra e venda constante dos artigos 874 e seguintes do Código Civil, através da aplicação do critério geral de
lex posterior derogat legi priori[47].
Vale aqui lembrar as palavras de Oliveira Ascensão, aqui adaptadas ao debate neste estudo, de que o facto de uma matéria ser incluída numa lei que é especial (o Regime Jurídico dos Contratos Comerciais) em relação a outra (o Código Civil) não significa necessariamente que essa matéria seja substancialmente especial, acrescentando que pode ter sido aí incluída por o legislador ter aproveitado a oportunidade da aprovação da lei especial para integrar nela princípios que se justificavam em toda a ordem jurídica. Nesse caso, à especialidade formal não corresponde uma especialidade substancial. O preceito é uma realidade geral e não especial
[48].
A consequência disso é de que, tratando-se do contrato de compra e venda, o regime constante dos artigos 146 e seguintes do RJCC será geral, por força do disposto na parte final do artigo 146 do mesmo instrumento legal. Conforme ensina Zorzetto, nenhuma norma é especial nem geral de acordo com as suas características inerentes. A especialidade ou generalidade é uma propriedade derivada de conceitos jurídicos, depende da identificação do género (o termo é mais geral) e a respectiva diferença específica que caracteriza a espécie (termos mais específicos)
[49], não estando essa identificação condicionada à caracterização de todo o instrumento legal como geral ou específico.
Uma questão que se poderá levantar é de saber se a revogação do regime jurídico da compra e venda terá sido global ou apenas incidirá sobre as disposições que estejam em contradição com o actual regime, ou ainda se as matérias não reguladas no actual regime permanecerão reguladas pelo regime do Código Civil.
A resposta imediata a essa questão será de que sim, trata-se de uma revogação global
[50], na medida em que, tal como expende Oliveira Ascensão, “se uma lei nova regula todo um instituto jurídico (…), os preceitos da lei anterior ficam revogados, sem ser necessário demonstrar a incompatibilidade específica de cada com o preceituado na nova lei”
[51]. É esta a orientação do artigo 7 do Código Civil quando se refere, na parte final do n.º 2, a “nova lei regular toda a matéria da lei anterior”. Significando que, ainda que nem tudo que estivesse previsto na lei anterior esteja previsto na lei nova, não haverá fundamento para a subsistência daquelas disposições.
A haver uma lacuna no regime jurídico do contrato de compra e venda regulado pelo RJCC, ela há-de ser preenchida nos termos gerais do Direito, e não recorrendo às disposições do regime dos artigos 874 e seguintes do Código Civil, pois esses estão revogados. Desde logo porque, “a possível existência de lacunas demonstra-nos que o que interessa é uma nova disciplina genérica daquele instituto (…), e não uma correspondência ponto por ponto [até porque] ‘regular toda a matéria’ significa pois ‘regular globalmente a matéria’ e não ‘regular todas as matérias’”
[52].
Note-se que, no caso, já não se trata de relação entre lei especial e lei geral ou, para ser mais preciso, de disposições especiais e disposições gerais, visto que o conteúdo material das disposições do RJCC sobre a compra e venda é de natureza geral, pelas razões já aludidas, daí que o confronto entre ambos os regimes (do RJCC e do Código Civil) será feito em atenção o princípio da
lex posterior derogat legi priori e não do
lex specialis derogat legi generali. Será assim porque, por um lado, verifica-se uma verdadeira antinomia jurídica
[53]. que poderá levar a consequências negativas, como o enfraquecimento da coerência do sistema jurídico ou da segurança jurídica dos destinatários das disposições legais em causa, conforme sublinha Burazin
[54], e, por outro lado, não se estabelece uma relação de superioridade hierárquica de umas disposições em relação às outras visto que ambas têm o mesmo valor jurídico.
A não declaração expressa do legislador do RJCC da intenção ou vontade de revogar o regime da compra e venda previsto no Código Civil não servirá de argumento contrário à tese aqui defendida, desde logo porque os princípios gerais da cessação da vigência das leis assim o determinam no n.º 2 do artigo 7 do Código Civil, pelo que através de um exercício interpretativo e em atenção ao conteúdo das normas poder-se-á aferir do efeito revogatório ou não da nova lei. É desse exercício interpretativo que, em atenção ao disposto no artigo 7 n.º 2 conclui-se aqui pela revogação do regime do contrato de compra e venda do Código Civil.
Sobre a interpretação, determina o n.º 1 do artigo 9 do Código Civil que ela “não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, dentro de uma lógica de que ao se interpretar as normas jurídicas, o texto da lei é o princípio e o fim da actividade interpretativa, na medida em que o pensamento legislativo a reconstituir deve ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso
[55]. Em outras palavras, na interpretação deverá relevar o significado que o intérprete deve atribuir à lei no momento da sua interpretação, na medida em que não é uma actividade de reconstituição da vontade do legislador, mas a construção do significado objectivo da lei
[56].
Dito isto, o argumento de que o legislador não terá tido a intenção de revogar o regime do Código Civil relativo ao contrato de compra e venda não encontrará eco pois o texto (a letra) da lei revela o contrário. Aliás, já asseveram as próprias regras sobre a interpretação que o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados
[57]. Até porque, como referiu-se supra, a mutabilidade como característica do Direito nem sempre terá de ser intencional, ou seja, nem sempre a alteração de todos os actos jurídicos corresponde ao exercício de um processo deliberado ou intencional
[58]. Valem aqui as palavras de Dworkin de que “a legislação é um ato de comunicação que deve ser entendido através do modelo simples de locutor e audiência, de modo que a pergunta mais importante na interpretação legislativa é o que um locutor individual ou grupal “quis dizer” em algum ato canônico de enunciação”
[59], e a resposta imediata estará na forma como a vontade é exteriorizada, ou seja, no texto legal, por forma a evitar grandes alaridos.
Dir-se-á que o equívoco do legislador foi evidente ao emanar a norma do n.º 3 do artigo 146 do RJCC e, por isso, defender-se a tese de revogação tácita do regime de compra e venda civil constante dos artigos 874 e seguintes não será razoável. Porém, vale lembrar que a evidência do equívoco não será suficiente para afastar a presunção que o n.º 3 do artigo 9 do Código Civil impõe. O entendimento aqui é de que só ao legislador caberá ilidir a presunção suscitada pelo n.º 3 do artigo 9, através de uma interpretação autêntica da norma que se julga problemática. A tarefa de afastar a presunção de que o legislador não estabeleceu as opções mais acertadas não há-de ser do intérprete, este não poderá substituir-se ao legislador e fixar um sentido diverso daquele expresso na letra da lei, só porque é evidente que o legislador se equivocou na elaboração da norma. Por isso mesmo é que a presunção há-de funcionar quando o intérprete julga que houve equívoco, quando julga que o legislador foi "infeliz" ao emanar a norma, ou em que se faça duvidar das intenções do legislador, nota-se que as regras gerais de interpretação já determinam que a imperfeição na expressão do pensamento legislativo não é relevante na sua reconstituição, conforme a parte final do n.º 2 do artigo 9 do Código Civil.
Não se ignora aqui que o pensamento legislativo (o espírito ou
ratio) deve ter na unidade do sistema, nas circunstâncias em que a norma é elaborada e nas condições do momento da aplicação/interpretação, como linhas orientadoras - essa é a regra (n.º 1 do artigo 9 do Código Civil), mas o próprio legislador orientou para que esse "espírito" não esteja dissociado da letra, ainda que expressa de forma errada, e é aqui, na imperfeição da expressão do legislador, que será chamada a presunção do n.º 3 do artigo 9 do Código Civil. Conforme ensina Oliveira Ascensão, a letra da lei funciona também como limite na busca do espírito, acrescentando que ao se presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, mas também soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, exige-se que não se pode “com ligeireza afirmar que há uma infelicidade de expressão”
[60].
As considerações acima concorrem para a tese de que, no caso em análise, será de afastar o argumento da interpretação correctiva, que ocorre quando “o sentido real [da norma] é afastado, modificado ou corrigido pelo intérprete com fundamento em injustiça, inoportunidade ou inconveniência”
[61], porque contrárias às regras de interpretação definidas no artigo 9 do Código Civil
[62]. Aliás, uma solução em linha com parte considerável da doutrina portuguesa, de cujo ordenamento jurídico foi “importado” o Código Civil vigente em Moçambique, sendo, por isso, também aqui válidos os argumentos lá aduzidos, designadamente a necessidade do respeito pelo princípio da obediência à lei vertido no nº 2 do artigo 8 do Código Civil, que orienta no sentido do seu não afastamento sob pretexto de injustiça ou imoralidade do conteúdo da disposição legal
[63], não sendo, entretanto, válida a excepção que a mesma doutrina portuguesa avança para a admissibilidade da interpretação correctiva – com fundamento na prevalência do direito natural, ou seja, nas palavras de Sandra Luís, enquanto mecanismo de controlo da validade da norma e não da interpretação visto que o que estaria em causa é a hierarquia das fontes do Direito
[64] - porquanto não se vislumbra estar, no caso em estudo, em crise qualquer princípio supraconstitucional, imanente do referido Direito Natural.
Igualmente, não se coloca aqui a questão da interpretação ab-rogante, para se afastar o sentido do poder revogatório da norma do n.º 3 do artigo 146 do RJCC, desde logo porque não se acha aqui qualquer inteligibilidade da mesma ou, nas palavras de Sandra Luís ou Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, que o seu sentido seja indecifravel
[65], estando claro o seu significado. Aliás, mesmo em face do disposto no artigo 1 do próprio RJCC, em que se assumiria que a lei foi concebida para reger apenas contratos comerciais e, por conseguinte, ficaria desprovida de sentido uma disposição sobre contratos não comerciais o recurso á interpretação ab-rogante não seria de atender, por um lado, porque a norma em causa não retira a especialidade característica do instrumento legal que a contém, estão nela contidos os contratos comerciais de compra e venda e, por outro lado, conforme referido atrás, para cujos fundamentos se remete, de que a especialidade formal não tem de ser necessariamente coincidente com a especialidade substancial, podendo uma lei especial conter regras gerais.
Assente a força revogatória do n.º 3 do artigo 146 do RJCC, releva uma reflexão sobre a sua validade à luz da Lei de Autorização Legislativa que lhe deu origem, no sentido de aferir se esse efeito revogatório constava ou não do mandato legislativo atribuído ao Governo. Para tanto é precioso lembrar que num contexto de poder legislativo derivado, a acção legislativa não se faz às cegas, desde logo porque, nos termos do nº 1 do artigo 179 da Constituição de Moçambique uma Lei de Autorização Legislativa deve
definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, no sentido de que a “delegação” de competência legislativa ao governo pela Assembleia da República não deve ser genérica, deve indicar com clareza e objectividade sobre o quê deverá incidir o poder de legislar do governo, que aspectos deve o governo ter em atenção na feitura da lei, com a indicação do propósito. Por outro lado, a lei de autorização legislativa deve estabelecer o período da sua vigência, ou seja, o prazo dentro do qual o governo deve exercer o poder legislativo que lhe foi delegado.
Para o nosso propósito releva a “extensão”
[66] da autorização legislativa conferida ao governo no domínio do contrato de compra e venda. Ora, em atenção às alíneas f) e h) do artigo 3 da Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril, prorrogada pela Lei n.º 5/2021, de 30 de Dezembro, no domínio contrato de compra e venda comercial, o poder legislativo atribuído ao Governo compreendia a
modernização do regime jurídico até então vigente e a adopção das normas internacionais da compra e venda de mercadorias. Ora, parece claro o mandato atribuído ao Governo no domínio do contrato de compra e venda comercial e não se considera que dele constasse qualquer acção no domínio do regime civil do contrato de compra e venda, ou que a modernização do regime comercial ou a adopção das normas internacionais devesse ter alguma implicação naquele regime civil, daí que alargando o âmbito de aplicação do regime comercial para contratos de natureza civil o legislador comercial foi para além do poder legislativo que lhe foi atribuído e, por consequência, o poder revogatório do n.º 3 do artigo 146 do RJCC enferma do vício da ilegalidade, por contrariar a Lei de Autorização Legislativa que lhe deu origem. Pelo que não se compreende que a Assembleia da República não tenha exercido o seu poder fiscalizador
[67] consagrado no artigo 180 da Constituição moçambicana e recusar a ratificação do Decreto-Lei n.º 3/2022, de 25 de Maio.
5. Considerações finais
A Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril, prorrogada pela Lei n.º 5/2021, de 30 de Dezembro, que conferiu ao Governo poderes para a “revisão da disciplina dos contratos comerciais”, no quadro da “revisão” do Código Comercial, estabeleceu um parâmetro da actuação do legislador quanto à sua intervenção no contrato de compra e venda comercial. Com efeito, resultou da referida lei de autorização legislativa que, para além de modernizar o regime do contrato
[68], o legislador devia “adoptar normas internacionais sobre compra e venda de mercadorias”
[69].
Se o mandato parecia claro aparentemente não estavam claras, quer no mandante como no mandatário, as consequências do resultado do exercício do mandato ou, em alterativa, a fórmula ou metodologia adoptada para o cumprimento do mandato resultou em consequências que poderão não ter sido as previstas.
Com efeito, ao incorporar-se no regime da compra e venda comercial aquela disposição do número 3 do artigo 146, ampliou-se o âmbito do regime conduzindo a uma revogação tácita do regime do contrato de compra e venda civil constante dos artigos 874 e seguintes do Código Civil, conforme demonstrado neste estudo.
Assim, é de concluir que o âmbito do poder revogatório do RJCC é muito mais vasto do que a simples revogação do regime dos contratos em especial, então previsto nos artigos 477 e seguintes do Código Comercial de 2005, vai muito para além disso, devendo incluir a cessação da vigência, por exemplo, do regime civil da compra e venda constante do Código Civil.
Esta conclusão tem implicações enormes no ordenamento jurídico moçambicano, desde logo porque o regime do contrato de compra e venda comercial instituído pelo RJCC não está completo, e tendo sido revogado o regime do Código Civil deixa de existir uma referência directa no Direito subsidiário para nos termos do artigo 594 do RJCC preencher as insuficiências que o novo regime de compra e venda contém.
Noutra dimensão fica a conclusão de que o alargamento do âmbito de aplicação do regime do contrato de compra e venda comercial e a consequente revogação do regime civil representa violação do mandato legislativo atribuído ao Governo visto que não estaria esse resultado previsto na Lei da Autorização Legislativa, que, relativamente ao contrato de compra e venda comercial, apenas demandava, conforme ficou assente, a modernização do regime então vigente e a adopção das normas internacionais sobre a compra e venda de mercadorias, daí que ao revogar o regime da compra e venda civil, a norma revogatória em análise será ilegal na medida em que contraria a Lei de Autorização Legislativa.
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Código Comercial de Moçambique de 1888, aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888, parcialmente em vigor
(texto submetido a 16.03.2025 e aceite para publicação a 3.06.2025)
[1] Nisto, entre outros, Almeida Machava, “A (des)construção do Direito comercial moçambicano”
, em Dário Moura Vicente et al,
Estudos Comemorativos dos 30 Anos de Cooperação entre Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, Lisboa, AAFDULEditora, 2021, pp. 97-122; Almeida Machava, “Âmbito e Limites da Autorização Legislativa: Competência Fiscalizadora do Conselho Constitucional”,
O Guardião (Conselho Constitucional 20 anos Edificando a Justiça Constitucional), Maputo
, Conselho Constitucional, 2023, pp. 151-170; Manuel Guilherme Júnior,
Manual de Direito Comercial Moçambicano, 2ª edição, Maputo, Escolar Editora, 2022,p. 197.
[2] Publicada no Boletim da República Número 71, I SÉRIE, de 15 de Abril de 2021.
[3] Publicado no Boletim da República Número 99, I SÉRIE, 2.º Suplemento, de 25 de Maio de 2022.
[4] Alínea c) do artigo 2 da Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril.
[5] Cfr. as alíneas e), f), g) e h), todas do artigo 3 da Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril.
[6] Vide o Parágrafo introdutório da Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril.
[7] Vide o Parágrafo introdutório do Decreto-Lei n.º 3/2022, de 25 de Maio.
[8] Cfr. artigos 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 3/2022, de 25 de Maio
[9] Cfr. alínea e) do artigo 3 da Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril.
[10] Paulo Otero,
Lições de Introdução ao Estudo do Direito, vol. I, t. 2, Lisboa, Pedro Ferreira – Artes Gráficas, 1999, p. 209.
[11] Paulo Otero,
Lições de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 1999, p. 212.
[12] Os outros instrumentos geradores da mutabilidade intencional do Direito são a suspensão, anulação, inaplicabilidade, caducidade, adesão e recesso, denúncia, resolução ou rescisão, modificação unilateral de actos bilaterais; e alteração
stricto sensu, cuja descrição conceptual pode ser encontrada, entre outros, em Paulo Otero,
Lições de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 1999, pp. 215-242.
[13] Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, Coimbra, Edições Almedina, 2012, p. 175.
[14] Paulo Otero,
Lições de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 1999, p. 215.
[15] Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 176.
[16] J. Baptista Machado,
Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 8ª Impressão, Coimbra, Almedina, 1995, pp. 165-166.
[17] Sobre as modalidades de revogação
vide, entre outros, Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, pp. 176-181; Paulo Otero,
Lições de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 216-222; José de Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, 11ª Edição Revista, Coimbra, Almedina, 2001, pp. 300-306.
[18] Aprovado pelo Decreto-Lei 47344 de 25 de Novembro de 1966, Publicado no Boletim Oficial, I Série, Suplemento Número 50 – tornado extensivo à Moçambique através da Portaria 22869, de 4 de Setembro de 1967.
[19] Cfr. alínea e), artigo 3 da Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril.
[20] Esta é a fórmula usada, curiosamente, em outro instrumento resultante do processo de “revisão” do Código Comercial. Cfr. n.º 3 do artigo 7 do Decreto-Lei n.º 1/2022, de 25 de Maio, que Aprova o Código Comercial.
[21] Neste sentido, Paulo Otero,
Lições de Introdução ao Estudo do Direito, cit.
, 1999, p. 218.
[22] Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 177.
[23] O Livro Terceiro do Código Comercial de 1888, vulgo Código de Veiga Beirão, não sofreu a vicissitude da cessação da sua vigência com a aprovação do Código Comercial de 2005, através do Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro, conforme resulta da norma revogatória do n.º 1 do artigo 2 do Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro.
Sobre as inquietações que se levantam em relação à opção do legislador de manter o Livro Terceiro do Código Comercial de 1888,
vide Almeida Machava, “A Reforma do Direito Comercial Moçambicano, um exercício oportuno ou oportunista?”
, em Augusto Teixeira Garcia e Teodoro Waty (coord.),
O Direito das Sociedades no Contexto da China, Macau e Moçambique, Macau, Centro de Estudos Jurídicos da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 2019, pp. 19-50
.
[24] Paulo Otero,
Lições de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 1999, p. 210.
[25] Nisto,
vide também, Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 178.
[26] Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 184. No mesmo sentido, J. Baptista Machado,
Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, cit., 1995, pp.166-170.
[27] Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 185.
[28] No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 186; José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit., 2001, pp. 580-581.
[29] Sobre a posição hierárquica das fontes de Direito
vide, entre outros, José de Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral,, cit., 2001, pp. 571-587; Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, pp. 183-196; J. Baptista Machado,
Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, cit., 1995, pp. 166-170.
[30] Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 186.
[31] J. Baptista Machado,
Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, cit., 1995, p. 94.
[32] Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 224.
[33] Luís Barbosa Rodrigues,
Introdução ao Direito: Geral, Interno, Da União Europeia e Internacional, Q.J., Lisboa, Quid Juris, Sociedade Editora, 2012, p. 192.
[34] José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit.
, 2001, p. 512.
[35] No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 225.
[36] José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit.
, 2001, p. 512.
[37] Nisto, José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit., 2001, p. 512.
[38] Silvia Borelli, “The (Mis)-Use of General Principles of Law:
Lex Specialis and the Relationship between International Human Rights Law and the Laws of Armed Conflict”, em Laura Pineschi (ed.),
General Principles of Law–The Role of the Judiciary. Ius Gentium: Comparative Perspectives on Law and Justice, Berlin, Springer, 2015, p. 265.
in https://doi.org/10.1007/978-3-319-19180-5_13
[39] No mesmo sentido escreve Zorzetto que
“la derogación relativa a la lex specialis atañe a la eficacia o aplicabilidad de las normas (especiales y generales) y no a su validez o vigencia” – Silvia Zorzetto, “El principio
lex specialis: una explicación crítica”,
Revista de Derecho Privado, Universidad Externado de Colombia, n.º 46, enero-junio, 2024, p. 20.
in https://doi.org/10.18601/01234366.46.02.
[40] Nancie Prud’homme, “Lex specialis: Oversimplifying a More Complex and Multifaceted Relationship?”,
Israel Law Review 40 n.º 2, 2007, 355-395. p. 369.
[41] Silvia Zorzetto, “The Lex Specialis Principle and its Uses in Legal Argumentation. An Analytical Inquiry”,
Eunomía: Revista en Cultura de la Legalidad, n.º 3, 2013, p. 65.
[42] Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 178.
[43] Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 227.
[44] Silvia Borelli,
The (Mis)-Use of General Principles of Law: Lex Specialis and the Relationship between International Human Rights Law and the Laws of Armed Conflict, cit., 2015, p. 269.
[45] Martti Koskenniemi,
Study on the Function and Scope of the lex specialis Rule and the Question of “Self-Contained Regimes”, UN Doc. ILC(LVI)/SG/FIL/CRD.1/Add.1 (2004), p. 11.
in https://digitallibrary.un.org/record/573157?v=pdf (11.02.2025).
[46] No contrato de compra e venda o elemento essencial será a transmissão da propriedade de um bem mediante um preço.
[48] José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit., 2001, p. 519.
[49] Silvia Zorzetto,
El principio lex specialis: una explicación crítica, cit., 2024, p. 36.
[50] A revogação global não deve ser confundida com a revogação total ou ab-rogação, na medida em que esta (a total) reporta-se à cessação da vigência de todo o diploma legal no seu conjunto. Neste sentido
vide, entre outros, José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit., 2001, p. 303; e Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, pp. 177-178.
[51] José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit., 2001, p. 302.
[52] José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit., 2001, p. 302.
[53] Sobre as antinomias jurídicas e mecanismos de sua resolução vide, entre outros, Eduardo García Máynez, “Some Considerations on the Problem of Antinomies in the Law”,
Archiv für Rechts-und Sozialphilosophie, vol. 49, Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1963, pp. 1-14.
inhttps://www.jstor.org/stable/23677683 (12.02.2025).
[54] Luka Burazin, “Antinomies between Implicit Legal Principles: A Solution to the Total-Partial Antinomy”, em Miodrag Jovanović, e Kenneth Einar Himma, (eds.),
Courts, Interpretation, and the Rule of Law, The Hague, Eleven International Publishing, 2014, 167-180, in https://ssrn.com/abstract=2391860 (12.02.2025).
[55] Cfr. n.º 2 do artigo 9 do Código Civil.
[56] Nisto, Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 347. No mesmo sentido José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit., 2002, pp. 381-388.
[57] Cfr. n.º 3 do artigo 9 do Código Civil.
[58] Paulo Otero,
Lições de Introdução ao Estudo do Direito, cit., 1999, p. 213.
[59] Ronald Dworkin,
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, Tradução de Jefferson Luiz Camargo, São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 416.
[60] José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit., 2001, pp. 382-383.
[61] Marcelo Rebelo De Sousa e Sofia Galvão,
Introdução ao Estudo do Direito, 5ª Edição, Lisboa, Lex, 2000, p. 70.
[62] Miguel Teixeira de Sousa,
Introdução ao Direito, cit., 2012, p. 383.
[63] José Oliveira Ascensão,
O Direito – Introdução e Teoria Geral, cit., 2001, p. 426; Marcelo Rebelo De Sousa e Sofia Galvão,
Introdução ao Estudo …, p. 70
;Sandra Lopes Luís,
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[64] Sandra Lopes Luís,
Introdução ao Estudo do Direito, 2021, p. 138.
[65] Sandra Lopes Luís,
Introdução ao Estudo do Direito, 2021, p. 130; Marcelo Rebelo De Sousa e Sofia Galvão,
Introdução ao Estudo do Direito, 2000, p. 71.
[66] Não se ignora aqui a relevância de uma análise sobre o objecto, o sentido e a duração da Lei de Autorização Legislativa que conduziu à aprovação do RJCC, até porque têm enorme significado no quadro jurídico moçambicano, em particular a questão da sua duração pelo facto de o RJCC ter sido publicado depois de caducar aquela Lei de Autorização Legislativa, quando a primeira parte do referido número 4 do artigo 179 da CRM consagra que
o Governo deve publicar o acto legislativo autorizado até ao último dia do prazo indicado na lei de autorização, entendendo-se, por isso, que o mesmo enferma do vício de inconstitucionalidade.
[67] Sobre a fiscalização das Leis de Autorização Legislativa em Moçambique,
vide Almeida machava,
Âmbito e Limites da Autorização Legislativa, 2023. pp. 151-170.
[68] Cfr. alínea f) do artigo 3 da Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril.
[69] Cfr. alínea h) do artigo 3 da Lei n.º 1/2021, de 15 de Abril.